RuyGoiaba

Basta de otimismo!

29.03.19

Quando escrevi meu texto sobre os 200 milhões de tudólogos do Brasil, duas semanas atrás, tinha plena consciência de que estava cuspindo para cima – e aqui estou eu mesmo exercendo a tudologia, não pela primeira vez, com a boa e velha desculpa “é uma coluna de humor”.

Hoje resolvi falar de artes plásticas, área em que sou no máximo um leigo interessado que leu aquele livro do Ernst Gombrich (aliás, recomendo a História da Arte dele a quem quiser se iniciar no tema. Há edição recente em português). Está em cartaz no CCBB de São Paulo, até o fim de abril – depois disso, seguirá para Rio e Belo Horizonte –, uma bonita exposição do pintor suíço Paul Klee.

“Bonita” se você, leitor, gostar de arte moderna, e Klee foi o que os manuais chamam de “pioneiro do abstracionismo” — embora muitos de seus trabalhos sejam figurativos. A exposição inclui pinturas, gravuras, fantoches que Klee produziu para o filho e até desenhos que ele fazia quando criança, iguaizinhos àquelas garatujas que seu filho pequeno traz da escola às vezes. E um documentário de 50 minutos com obras interessantes que não estão na mostra.

Como não sou um tudólogo picareta o suficiente para me aventurar pela crítica de arte, chamo a atenção para dois aspectos mais ou menos laterais. O primeiro é que Klee, que também era violinista, não queria saber de coisas modernas quando colocava seu chapéu de músico – o negócio dele era Bach, Haydn, Mozart e Beethoven, como comprova sua lista de músicas favoritas no final da exposição. Modernidade demais cansava até um cara 100% modernão como ele.

O segundo é que a mostra no CCBB inclui “Angelus Novus”, desenho que rendeu um dos textos mais conhecidos de Walter Benjamin, o menos chato dos frankfurtianos. Transcrevo aqui a tradução brasileira de Sérgio Paulo Rouanet (sim, o mesmo que deu nome àquela lei lá):

“[O quadro] representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. Tal deve ser o aspecto do anjo da história. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as joga aos seus pés.

Ele gostaria de deter-se para despertar os mortos e reunir os vencidos, mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele dá as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso.”

Sim, também penso que o Benjamin viu coisas em excesso nesse quadro do Klee – sabe-se lá o que ele fumou antes de escrever. Mas, no Brasil, acho que o amontoado de ruínas testemunhado pelo anjo da história é uma imagem elevada demais, “europeia” demais – em suma, otimista demais. Estamos mais para aquela velha capa da Casseta (anos antes do programa na Globo) em que um sujeito com cara de muito pobre aparece sorridente diante de um prato de cocô.

A manchete era “Basta de otimismo! Não vai dar para todo mundo!”

ReproduçãoReproduçãoEsse é o “Angelus Novus” do Klee. O que será que Walter Benjamin fumou?

***

A GOIABICE DA SEMANA

Como ficou impossível dar conta, num pé de página, do latifúndio de goiabices produzido diariamente pelo governo Bolsonaro, meu destaque vai para Geraldo Alckmin como o novo astro do programa de Ronnie Von na Gazeta. Eu não sei se a intenção de Ronnie é jogar a audiência do seu programa para baixo do traço ou oferecer aos telespectadores insones uma opção para o Stilnox – sem necessidade de receita médica. Se for a segunda hipótese, serei fiel usuário.

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