A saga do celular atômico
Na semana passada, Crusoé mostrou uma série de mensagens que revelavam uma estratégia heterodoxa, até hoje não esclarecida, para impedir nos tribunais de Brasília que a Polícia Federal e o Ministério Público tivessem acesso aos arquivos do telefone celular de Francisco de Assis e Silva, ex-diretor jurídico da JBS, responsável pelos processos e pelas relações do grupo com o Poder Judiciário. O celular foi apreendido pela Operação Bullish, que investigava os empréstimos concedidos pelo BNDES à companhia dos irmãos Joesley e Wesley Batista.
Francisco de Assis era um dos alvos da investigação. Tão logo seu celular foi apreendido, ele deu início a um esforço descomunal para obter uma liminar que impedisse as autoridades de escarafunchar seu aparelho. Alegava que o celular continha informações protegidas por sigilo profissional. Para obter a decisão favorável, a mesma que até hoje impede os investigadores de acessar os arquivos contidos no aparelho, Francisco pediu ajuda à advogada Renata Gerusa Prado de Araújo, contratada pela JBS para atuar em Brasília e filha de uma desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede na capital.
O material entregue pelo ex-marido de Renata foi parar na Procuradoria-Geral da República e, depois, no Supremo. Por lá, nunca foi adiante. As menções a ministros do STJ, por exemplo, acabaram arquivadas. Na primeira instância, os policiais da Bullish abriram uma outra investigação. Para eles, as conversas travadas entre Francisco de Assis e a advogada da JBS em Brasília contêm indícios de que os dois estariam tramando contra a operação. Crusoé teve acesso ao inquérito sigiloso, que ainda está em curso e mostra que, a despeito das decisões que mandaram o material para o arquivo no Supremo, ainda há alguma esperança de que a história não acabe debaixo do tapete.
Chamou atenção dos investigadores, em especial, um trecho da conversa em que Francisco, ao pedir o empenho de Renata para evitar que os arquivos do celular fossem acessados, se refere a um misterioso “item 4”. “Cuidado com o item 4. Se puder, elimine”, diz ele. Ainda na parte inicial do inquérito, a PF dedicou atenção a esse detalhe. E reuniu indícios de que o “item 4” pode ter relação direta com o celular-bomba de Francisco. “Do cotejo do conteúdo da conversa com os demais documentos relacionados à Operação Bullish, tudo leva a crer que o item 4 mencionado por Francisco na suposta conversa com Renata refere-se ao seu celular apreendido na deflagração da operação”, diz um relatório da investigação. Os policiais explicam a suspeita em seguida. Dizem que no documento em que pediu as buscas e apreensões, na origem da operação, a delegada da Bullish preparou um rol com os alvos da medida e, nele, o item 4 se referia exatamente a Francisco de Assis e Silva. Era, portanto, o item que levaria à apreensão do celular do ex-diretor da jurídico da JBS.
O inquérito sigiloso corre atualmente entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Como as medidas dependem de autorização judicial, o ritmo está longe de ser o desejado para um caso tão rumoroso. Para se ter uma ideia da lentidão, em dezembro de 2017 a PF enviou os autos para a Justiça, para despachos burocráticos. Só seis meses mais tarde a documentação foi devolvida para os policiais. Agora, tanto eles quanto os procuradores encarregados do caso tentam juntar as peças do quebra-cabeça. E insistem para que seja revista a decisão que ainda impede o acesso ao celular de Francisco – um elemento que, por razões óbvias, se tornou fundamental para o avanço da investigação.
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