Amanda Perobelli/Estadão ConteúdoFrancisco de Assis, o ex-diretor da JBS: ainda na mira da Polícia Federal e do Ministério Público

A saga do celular atômico

Uma investigação na primeira instância tenta avançar sobre as pistas deixadas nas mensagens do executivo que cuidava das relações da JBS com o Judiciário
29.03.19

Na semana passada, Crusoé mostrou uma série de mensagens que revelavam uma estratégia heterodoxa, até hoje não esclarecida, para impedir nos tribunais de Brasília que a Polícia Federal e o Ministério Público tivessem acesso aos arquivos do telefone celular de Francisco de Assis e Silva, ex-diretor jurídico da JBS, responsável pelos processos e pelas relações do grupo com o Poder Judiciário. O celular foi apreendido pela Operação Bullish, que investigava os empréstimos concedidos pelo BNDES à companhia dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Francisco de Assis era um dos alvos da investigação. Tão logo seu celular foi apreendido, ele deu início a um esforço descomunal para obter uma liminar que impedisse as autoridades de escarafunchar seu aparelho. Alegava que o celular continha informações protegidas por sigilo profissional. Para obter a decisão favorável, a mesma que até hoje impede os investigadores de acessar os arquivos contidos no aparelho, Francisco pediu ajuda à advogada Renata Gerusa Prado de Araújo, contratada pela JBS para atuar em Brasília e filha de uma desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede na capital.

Reprodução/OABReprodução/OABA advogada Renata Araújo: investigada pela PF por exploração de prestígio e tráfico de influência
Como revelou a reportagem de Crusoé, Francisco chegou a pedir, sem meias palavras, que Renata o auxiliasse junto a outro desembargador da corte que estava encarregado de julgar seu recurso. Um conjunto de arquivos levados ao Ministério Público pelo ex-marido da advogada, que decidiu denunciá-la após um conturbado processo de separação, mostra que os contatos entre ela e o ex-diretor da JBS iam bem mais além. Há menções, por exemplo, a ministros do Superior Tribunal de Justiça e a Dalide Corrêa, assessora durante anos do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

O material entregue pelo ex-marido de Renata foi parar na Procuradoria-Geral da República e, depois, no Supremo. Por lá, nunca foi adiante. As menções a ministros do STJ, por exemplo, acabaram arquivadas. Na primeira instância, os policiais da Bullish abriram uma outra investigação. Para eles, as conversas travadas entre Francisco de Assis e a advogada da JBS em Brasília contêm indícios de que os dois estariam tramando contra a operação. Crusoé teve acesso ao inquérito sigiloso, que ainda está em curso e mostra que, a despeito das decisões que mandaram o material para o arquivo no Supremo, ainda há alguma esperança de que a história não acabe debaixo do tapete.

Trecho do relatório em que a polícia tenta decifrar o misterioso “item 4”
O inquérito apura os crimes de obstrução de Justiça e exploração de prestígio. O objetivo é averiguar se a dupla Francisco e Renata de fato atuou para atrapalhar o trabalho da Bullish e, mais do que isso, se usou da larga influência que a advogada, filha de uma desembargadora federal, tem junto a magistrados da capital. “Tais atos consistiram na apresentação de petições judiciais, utilizando-se de manobras ardilosas e de medidas procrastinatórias, manipulando a verdade dos fatos”, diz um dos documentos da Polícia Federal. Para os policiais, foi graças a essas “manobras ardilosas” que o ex-diretor da JBS conseguiu impedir que seu celular fosse acessado. Entre essas manobras estaria justamente a utilização dos “serviços” de Renata, que, segundo a PF,  prometeu a Francisco “fazer uso do prestígio que alegava possuir perante tribunais superiores para obter liminar em mandado de segurança criminal por ele impetrado”.

Chamou atenção dos investigadores, em especial, um trecho da conversa em que Francisco, ao pedir o empenho de Renata para evitar que os arquivos do celular fossem acessados, se refere a um misterioso “item 4”. “Cuidado com o item 4. Se puder, elimine”, diz ele. Ainda na parte inicial do inquérito, a PF dedicou atenção a esse detalhe. E reuniu indícios de que o “item 4” pode ter relação direta com o celular-bomba de Francisco. “Do cotejo do conteúdo da conversa com os demais documentos relacionados à Operação Bullish, tudo leva a crer que o item 4 mencionado por Francisco na suposta conversa com Renata refere-se ao seu celular apreendido na deflagração da operação”, diz um relatório da investigação. Os policiais explicam a suspeita em seguida. Dizem que no documento em que pediu as buscas e apreensões, na origem da operação, a delegada da Bullish preparou um rol com os alvos da medida e, nele, o item 4 se referia exatamente a Francisco de Assis e Silva. Era, portanto, o item que levaria à apreensão do celular do ex-diretor da jurídico da JBS.

O inquérito sigiloso corre atualmente entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Como as medidas dependem de autorização judicial, o ritmo está longe de ser o desejado para um caso tão rumoroso. Para se ter uma ideia da lentidão, em dezembro de 2017 a PF enviou os autos para a Justiça, para despachos burocráticos. Só seis meses mais tarde a documentação foi devolvida para os policiais. Agora, tanto eles quanto os procuradores encarregados do caso tentam juntar as peças do quebra-cabeça. E insistem para que seja revista a decisão que ainda impede o acesso ao celular de Francisco – um elemento que, por razões óbvias, se tornou fundamental para o avanço da investigação.

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