Werther Santana/Estadão Conteúdo

Tem que manter isso aí

Ao prender o ex-presidente Michel Temer, a Lava Jato mostra que ainda tem força e esvazia o discurso de perseguição entoado por Lula e pelo PT
22.03.19

Foi só por volta das 11 horas da quinta-feira, 21, que um carro de vidros escuros deixou a casa vigiada desde o início do dia no Alto de Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. O veículo foi abordado em seguida por uma equipe da Polícia Federal. Nele, estava Michel Temer, de impecável terno cinza, no banco traseiro. O ex-presidente da República chegou a abrir a porta brevemente, como se fosse deixar o sedã preto. Não foi necessário. Um policial tomou o comando do veículo para conduzi-lo. O ex-presidente da República, acusado de chefiar a quadrilha do MDB, estava preso.

A prisão foi tardia para os padrões da Lava Jato e de outras investigações policiais de combate à corrupção. Mas somente quando o automóvel saiu da casa de Temer os agentes da força-tarefa tiveram a certeza de que não havia risco de uma abordagem prematura atrapalhar o cumprimento de outros 35 mandados, de prisão e de buscas e apreensões, em quatro estados, na mesma operação.

“Estranho seria se Michel Temer não fosse preso”, afirmou na tarde do mesmo dia o procurador da República Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Rio, de onde partiu o pedido de prisão, autorizado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal no estado. “A prisão é decorrência lógica de todos dos crimes que ele praticou durante uma vida inteira pertencendo a uma organização criminosa muito sofisticada.”

Outro integrante da organização também foi preso em trânsito, mas no Rio de Janeiro: Moreira Franco, ex-ministro de Temer, foi abordado quando deixava o aeroporto do Galeão, vindo de Brasília, onde no dia anterior havia ficado calado em boa parte da reunião da executiva do MDB. O carro que levava o ex-ministro saiu com tanta rapidez do aeroporto que os policiais responsáveis por sua captura não tiveram tempo de chegar às suas viaturas. Recorreram a um táxi que passava para partir no encalço de Moreira.

Para obter a ordem de prisão de Michel Temer, a Lava Jato usou como caminho a operação que investigou esquemas de desvio de verbas na Eletronuclear. O ex-presidente da estatal Othon Pinheiro era um almirante que chegou ao cargo pelas mãos do MDB. Foi mais uma das inúmeras nomeações feitas na era PT, fruto do consórcio fisiológico que loteou o governo e virou um emblema dos casos de corrupção. De acordo com a Lava Jato, Othon tratou de garantir os interesses do partido e de Temer. Um deles envolveu a empreiteira Engevix, que atuou em um contrato de 54 milhões de reais da estatal. Um dos sócios no negócio era uma empresa do policial militar aposentado João Baptista Lima Filho, o Coronel Lima. Ele é apontado como braço direito de Temer e uma espécie de operador financeiro do ex-presidente.

Marivaldo Oliveira/Código19/FolhapressMarivaldo Oliveira/Código19/FolhapressO momento em que o ex-presidente, dentro de um sedan executivo, foi abordado pelos policiais

Lima é personagem conhecido da Lava Jato e já havia sido alvo em outras operações. Na de quinta-feira, tentou enganar os agentes federais de maneira quase infantil: escondeu seus telefones celulares embaixo das almofadas do sofá onde estava sentado quando os policiais chegaram. Foi pilhado também nessa esperteza. No acerto com a Engevix relatado pela Lava Jato, o coronel também recebeu 1 milhão de reais em um negócio envolvendo o aeroporto de Brasília, administrado pela empreiteira. O caso deixou de ser apenas do operador e envolveu Temer porque o coronel, depois, bancou a reforma da casa de uma das filhas do ex-presidente com os recursos obtidos com a negociata, segundo a Procuradoria da República.

“Por sua posição hierárquica como vice-presidente ou como presidente da República do Brasil (até recente 31/12/2018), e a própria atitude de chancelar negociações do investigado Lima, o qual seria, em suas próprias palavras, a pessoa ‘apta a tratar de qualquer tema’, é convincente a conclusão ministerial de que Michel Temer é o líder da organização criminosa a que me referi, e o principal responsável pelos atos de corrupção aqui descritos”, escreveu o juiz Bretas, em cujo gabinete se concentram as investigações e processos da Lava Jato no Rio. O juiz já mandou para a prisão os ex-governadores Sérgio Cabral Filho e Luiz Fernando Pezão.

Moreira Franco e Coronel Lima passaram a ser vizinhos de cárcere de Pezão na unidade prisional da PM do Rio de Janeiro, em Niterói, município onde o ex-ministro, amigo in pectore de Temer, começou sua carreira política. O ex-presidente teria o mesmo destino. Mas Bretas aceitou o pedido de seus advogados para mantê-lo na Superintendência da Polícia Federal, na Praça Mauá, para que ele tivesse “isonomia” de tratamento com outro ex-presidente preso, Luiz Inácio Lula da Silva. A sede da PF no Rio fica no centro de uma das grandes renovações urbanas tocadas quando o MDB governava a cidade, com o prefeito Eduardo Paes, e o estado, com Sérgio Cabral Filho. O Porto Maravilha, que renovou a área portuária, é um símbolo do poder que tiveram políticos do partido de atrair investimentos vultosos do governo federal graças à sua aliança com o PT, nas presidências de Lula e de Dilma Rousseff. A consequência judicial de mais essa grande obra também é simbólica: o ex-ministro e aliado de Temer no MDB Henrique Eduardo Alves é réu por lavagem de propinas relacionadas ao projeto, em uma ação na Justiça Federal de Brasília.

Além daquela que levou à sua prisão, Temer enfrenta outras nove investigações. Em comum, há os esquemas de corrupção e caixa dois bancados com dinheiro público, graças aos cargos que o MDB abocanhou nos governos do PT. Como revelou Crusoé, antes mesmo de os inquéritos descerem do Supremo para a primeira instância, procuradores já apostavam na prisão do ex-presidente. Nas contas da Lava Jato, o grupo liderado pelo ex-presidente conseguiu arrecadar espantosos 1,8 bilhão de reais. O caso mais famoso é o de Geddel Vieira Lima. Ruim de voto, ele foi ministro e teve outros postos estratégicos, como o de vice-presidente da Caixa. Acabou preso após terem sido descobertos 51 milhões de reais em dinheiro vivo escondidos em um bunker em Salvador.

Agência BrasilAgência BrasilO novo Moro: Marcelo Bretas foi o segundo juiz da Lava Jato a ordenar a prisão de um ex-presidente

As suspeitas contra Temer pairam desde pelo menos a década de 1990, no período em que Marcelo Azeredo, seu afilhado político, foi presidente da Companhia das Docas do Estado de São Paulo, estatal responsável pelo Porto de Santos. Na ação de separação de Azeredo, divulgada em 2000, Erika Santos afirmou à Justiça que o ex-marido e o então deputado federal Michel Temer recebiam propinas de empresas que tinham contratos de terceirização no porto. Para provar o que dizia, Erika entregou uma planilha que indicava a divisão dos valores. O caso, porém, acabou sendo arquivado em 2011. A Procuradoria da República avaliou não haver provas suficientes.

Há muitos significados na prisão de Michel Temer. É a primeira vez que um ex-presidente da República é preso provisoriamente, antes mesmo de um julgamento. É a segunda vez que um inquilino do Planalto acaba detido. O mais ilustre, por ter saído do governo com taxas de popularidade inversas à rejeição do emedebista, é Lula, há quase um ano condenado e preso em Curitiba. A prisão representa também a implosão do MDB, após a queda de figuras como Geddel, Eduardo Alves e Eduardo Cunha, e a surra nas urnas em 2018. A eleição tirou do Congresso figuras que pareciam inamovíveis, como o notório Romero Jucá, hoje reduzido a presidente do partido.

Após a Lava Jato sofrer revezes recentes em Brasília, PF e Ministério Público mostraram que ainda têm fôlego e muito o que fazer. A prisão preventiva de Michel Temer ganha ainda mais relevância porque o Supremo Tribunal Federal está prestes a protagonizar um julgamento decisivo para a operação. Em abril, a corte vai analisar a validade da prisão de condenados em segunda instância. Na prática, isso pode levar à soltura do ex-presidente Lula e representar um alívio geral para políticos enrolados.

A prisão em segunda instância é um dos principais pilares dos ataques do PT à Lava Jato. Faz parte da narrativa de que o Judiciário, Polícia Federal e Ministério Público Federal orquestraram uma grande conspiração para alvejar Lula. Para isso, teria sido mudada até a jurisprudência do STF, garantindo que o chefão petista fosse preso após perder o recurso. A captura de Temer pela Lava Jato representa, no entanto, mais uma prova contundente de que a cantilena petista não sobrevive aos fatos. Como explicar que uma operação é um complô contra o comandante máximo do PT se, ao mesmo tempo, os principais nomes do MDB, ex aliado que se transformou adversário, também estão atrás das grades? O destino de Michel Temer, o “golpista” do impeachment de Dilma, é a prova de que a isonomia da Justiça com petistas e não-petistas vai além das instalações onde eles ficam presos.

Quando ainda governava o país, Michel Temer caiu em desgraça por uma frase que passará à história nacional. Em uma conversa nos porões do Palácio do Jaburu com o notório Joesley Batista, depois de ouvir o megaempresário falar sobre as providências que estava tomando para conter os riscos que uma delação de Eduardo Cunha poderia causar, ele disse: “Tem que manter isso aí, viu?”. Agora chegou a vez de a Lava Jato repetir a frase. Falta saber qual será o impacto no mundo político. Logo depois da prisão de Michel Temer, foi adiada a definição de quem será o relator da reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O MDB foi implodido, mas o seu entulho ainda é um obstáculo à modernização do país.

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