LeandroNarloch

500 anos de ataques

22.03.19

Duarte Barbosa foi oficial do Estado Português na Índia entre 1500 e 1516. Pouco antes de integrar uma das viagens de circum-navegação de Fernão de Magalhães (durante a qual morreria), o oficial publicou suas memórias. Sobre a cidade de Malaca, na Malásia, contou casos que poderiam estar nas manchetes desta semana. Homens armados surpreendiam pessoas em lugares públicos e matavam todas que encontravam pela frente.

“Saindo às praças e ruas, mata quantos acha, homens e mulheres e meninos, e a ninguém perdoa”, escreveu o português. Armado com um escudo e uma espada, o sujeito atacava os passantes até que alguém o detinha “às flechadas e lançadas”.

Massacres como o da escola de Suzano e o da mesquita da Nova Zelândia costumam ganhar explicações sociológicas. Só algum vício, algum traço anormal da nossa sociedade poderia motivar tanta monstruosidade. A culpa seria do videogame, da internet, da cultura de violência, da islamofobia, do “machismo tóxico”, da falta ou do excesso de armas. A esquerda culpa a direita, os centristas culpam os extremistas e vice-versa.

Mas esses crimes são exclusividade da nossa época? Não tenho certeza. Casos muito parecidos aconteceram há 100, 200 ou 500 anos, talvez até mais.

Um deles foi em 1914, na casa de campo do grande arquiteto americano Frank Lloyd Wright. O chef de cozinha espalhou gasolina, ateou fogo, trancou moradores na sala de jantar e matou sete pessoas a machadadas. Entre elas, a mulher de Lloyd Wright.

Há casos assim em todo o mundo. Em 1938, um japonês de 21 anos decapitou a avó com uma katana, fuzilou 29 pessoas (quase toda a população de sua vila, Tsuyama) e depois se matou. Órfão, tuberculoso, contou em cartas que era rejeitado pelas mulheres da vila. Em 1929, no Quênia, um homem foi expulso de uma fazenda porque seus vizinhos acreditavam que ele praticava magia negra. Um dia depois, matou a machadadas a mulher, os filhos, a irmã e diversos vizinhos.

Há pelo menos cinco séculos, temos uma palavra para nomear assassinos depressivos que preparam ataques sem causa definida. É “amouco”, que vem do malaio “a-muk”. O dicionário Caldas Aulete define o termo como alguém “dominado por reação repentina, geralmente violenta, seguida de estado depressivo”. Daí também vem a expressão em inglês “running amok”, um surto de violência sem sentido.

Se fosse para arriscar uma causa para as tragédias das últimas semanas, eu apostaria pouco na sociologia e mais na estranha natureza da psicologia masculina.

Como disse ao New York Times Michael Stone, psiquiatra da Universidade Columbia que mantém uma base de dados de 350 autores de massacres, “a maioria desses assassinos são trabalhadores frustrados ou amantes rejeitados que se motivaram por um senso profundo de injustiça”. Homens têm uma tendência maior a se obcecar com injustiças, humilhações, ofensas reais ou imaginárias. E a planejar vinganças ou ataques grandiosos que compensem uma vida inteira de nulidade social.

Leandro Narloch é jornalista e autor do 'Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil'.

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