Adriano Machado/Crusoé

Guedes dobra a aposta

O ministro da Economia faz uma ofensiva para que a reforma da Previdência não se perca em meio à agenda ideológica do governo
15.03.19

Os dois responsáveis no Palácio do Planalto pela articulação política estavam fora de Brasília no início da semana. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, foi à Antártida. O da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, foi ao Xingu, na Amazônia. Enquanto isso, a reforma da Previdência completava duas semanas parada nos escaninhos do Congresso. Coube, então, ao próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, partir para o face a face com a classe política. Entre uma reunião e outra com operadores econômicos, ele buscou governadores, deputados e senadores para defender a sua agenda de reformas.

A decisão de mergulhar na articulação política já havia sido tomada dias antes. Mais precisamente, após o Carnaval, quando Guedes constatou com integrantes de sua equipe que o esforço de sua pasta pelas reformas contrastava com o sentimento do mercado de que nada avançava. A Bolsa de Valores, termômetro importante para o humor da economia, vinha em baixa. A Receita havia registrado em janeiro o terceiro mês seguido de queda. A agenda econômica, enfim, não entrara para debate nacional como se esperava. Com um agravante: o empenho presidencial estava abaixo das expectativas.

Fazia duas semanas que o presidente não postava nada em suas redes sociais sobre a reforma da Previdência. Desde o início do ano, Bolsonaro havia dedicado ao assunto apenas cinco de suas muitas postagens no Twitter. Era 1% do total. O foco parecia ser outro. Quando Paulo Guedes teve de arregaçar as mangas e ir para o front político, o assunto predominante no país era um tuíte em que Bolsonaro reproduzia um vídeo em que uma dupla fazia obscenidades em um bloco de rua em São Paulo. Algo que, para a equipe econômica, era irrelevante perto dos desafios econômicos do país. Nas palavras de um auxiliar de Guedes, “o país estava parado à espera das reformas”.

Esse cenário fez Guedes tomar a dianteira de uma operação política pró-reformas. No bloco P da Esplanada dos Ministérios, onde fica seu gabinete, a avaliação é a de que o desafio da economia é tão grande e a articulação do governo é tão frágil que há risco real em deixá-la exclusivamente com o Palácio do Planalto. Tanto que, hoje, os três principais conselheiros políticos de Guedes não estão na Casa Civil nem na Secretaria de Governo, mas sob sua guarda. São eles seu assessor especial, Afif Domingos, o atual secretário especial da Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, e o secretário especial da Receita, Marcos Cintra. Todos com experiência com o Legislativo.

ReproduçãoReproduçãoOnyx dá entrevista na Antártida: viagem em semana crucial para a reforma
Foi desse núcleo político próprio que saiu a decisão de transformar um plano “B” para a economia, a emenda constitucional para rever o pacto federativo, em um plano “A” paralelo à Previdência. Ainda em formulação, na prática a proposta pretende retirar do Orçamento da União os gastos obrigatórios, e permitir que, assim, o Congresso Nacional tenha liberdade para escolher para onde os recursos federais devem ser destinados. Para Guedes, além de ser a concretização do slogan de campanha “Mais Brasil, menos Brasília”, é uma cartada a mais para tentar melhorar a precária situação política da reforma da Previdência. Isso porque, além de dar aos políticos controle quase absoluto sobre o destino do dinheiro, permite que sua discussão ocupe o Senado enquanto a Câmara analisa a Previdência. Traz ainda governadores e prefeitos, maiores beneficiários da proposta, para o debate político-econômico.

Faltou, porém, combinar com os russos. Guedes levou a proposta a líderes partidários da Câmara em um almoço na quarta-feira. Segundo os presentes, falou durante 90% do tempo do encontro e tirou dúvidas. A impressão que ficou é de que a proposta de revisão do pacto federativo pode atrapalhar a tramitação da Previdência. As razões da rejeição não estão no conceito, mas na má vontade reinante no Congresso em relação ao governo. “Ele (Guedes) vendeu um paraíso para nós se aprovarmos as reformas, mas ficamos sem saber qual é o nosso espaço nesse paraíso”, disse a Crusoé o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento. Um detalhe importante: o ministro da Economia foi sozinho ao encontro com mais de dez lideranças partidárias. Não havia nenhum representante do Planalto, nem do segundo escalão, com ele. E precisou ser avisado de que, ao contrário do que imaginava, os governadores do Nordeste aprovavam a reforma da Previdência em Brasília, mas a atacavam nos seus estados.

No entorno do ministro, a leitura é a de que, sem seu engajamento pessoal e o de sua equipe, as reformas estarão condenadas. “O que mais o deixa nervoso é o fato de seu cérebro e sua vontade funcionarem em uma velocidade e a reação do corpo político em outra”, diz um de seus interlocutores mais frequentes. O time do ministro avalia que há uma “polifonia desnecessária” do governo, causada pelo choque entre os seus diversos núcleos, que acabam também por tirar o foco do que efetivamente importa. A avaliação é de que o Planalto, em especial o presidente, queima muito cartucho com superficialidades.

Algumas situações são apresentadas como simbólicas. Uma delas foi quando Bolsonaro se empenhou pela manutenção de uma alta taxa de importação para o leite em pó após pedido dos ruralistas. Na ponta do lápis, é algo irrelevante — o produto importado responde por apenas 2,4% do consumo nacional. Em outro episódio, em uma live no Facebook, o presidente atacou o “fantasma da importação de banana”. Fez-se a conta e chegou-se à conclusão de que o benefício para o país de uma possível guerra comercial internacional em torno da taxação da banana é irrisório: o país importa 34 mil dólares da fruta por ano.

Cleia Viana/Câmara dos DeputadosCleia Viana/Câmara dos DeputadosElmar Nascimento, líder do DEM, é o porta-voz dos queixosos
Além de assumir o protagonismo político, Paulo Guedes tomou outra decisão: a de reestruturar a sua comunicação. Acredita-se que o ritmo do que tem sido produzido internamente destoa do que tem sido divulgado. Também há um incômodo com a ausência de controle próprio sobre essa área e com a dependência da Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto, chefiada por Floriano Barbosa, ligado a Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente. A intenção é que o Ministério da Economia venda, a seu modo, uma agenda positiva que ajude a influenciar mais o ânimo dos atores econômicos. Faz parte do plano explorar as metas de cada uma das seis secretarias especiais sob a batuta de Paulo Guedes. Em outras palavras, o ministro quer acelerar as medidas em elaboração e bater bumbo a respeito delas.

A experiência com a equipe de comunicação do Planalto foi determinante para a decisão de buscar uma raia própria. A campanha da Previdência demorou para ser concluída e a demora foi motivada por desencontros com a equipe da Economia. Houve divergência até na definição do slogan. Em princípio, o palácio defendeu que fosse “Nova Previdência: Justa para todos. Melhor para o Brasil”. A equipe de Guedes quis tirar a palavra “justa”. Ficou “Nova Previdência. É para todos. É melhor para o Brasil”.

Mesmo com as dificuldades, ninguém do núcleo econômico pensa em desistir até agora. Todos os planos em curso na pasta da Economia são para quatro anos, garantem integrantes do núcleo duro de Paulo Guedes. Apesar de tudo, há certa compreensão com a postura de Bolsonaro. O time de Guedes entende que o presidente foi eleito ostentando uma extensa agenda de costumes paralelamente ao compromisso de reerguer a economia. Sendo assim, é natural que ele se dedique a manter acesa a chama de seus seguidores. Daí a decisão de, em vez de cobrar mais empenho do Planalto, deflagrar uma ofensiva mais barulhenta para ganhar a ribalta e, assim, mostrar que o governo não vive só de polêmicas.

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