Bruno Santos/Folhapress"O que é um governo de direita e de esquerda? Essas classificações são pouco relevantes"

Ainda falta democracia

Deputada estadual por São Paulo, a advogada Janaina Paschoal diz que os bolsonaristas são melhores que os petistas e critica o elitismo de seus colegas políticos e dos ministros do Supremo Tribunal Federal
15.03.19

A advogada Janaina Paschoal, de 44 anos, foi uma das autoras do pedido de impeachment que levou à queda da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Celebridade nas manifestações de rua, ela foi uma das figuras que galvanizaram a insatisfação popular com os sucessivos governos petistas. No ano passado, após recusar ser vice na chapa de Jair Bolsonaro, Janaina decidiu pleitear um cargo pelo partido do presidente, o PSL, na Assembleia Estadual de São Paulo, a Alesp. Saiu da eleição como a deputada estadual mais bem votada da história do país, com mais de 2 milhões de votos.

Amparada por esse apoio popular e bastante ativa nas redes sociais, Janaina entrou na disputa para presidir a casa, comandada desde 2017 por Cauê Macris, do PSDB. A eleição ocorreu da tarde desta sexta-feira, 15. Macris foi reeleito. Antes mesmo do início da votação, Janaina já se dava por derrotada — e dizia que a Assembleia seguiria “subserviente ao governador” João Doria.

Professora livre-docente de direito penal na USP, a deputada falou a Crusoé sobre os primeiros meses do governo Bolsonaro, elogiou o pacote anticrime do ministro Sergio Moro e o esforço para aprovar a reforma da Previdência e criticou o que considera serem excessos do Supremo Tribunal Federal. Para ela, assim como os políticos, ministros também devem ser expostos ao escrutínio social. “O Brasil ainda está carente de democracia.” Eis a entrevista.

O governo de Jair Bolsonaro, que também é do PSL, está perto de completar três meses. O que a sra. está achando?
Naquela escala de bom ou ruim, coloco como um governo bom, principalmente porque já conseguiu apresentar as duas reformas. Tanto a do pacote anticrime como, principalmente, a da Previdência. Em um curto espaço de tempo, eles conseguiram apresentar reformas consistentes.

Dá para dizer que é um governo de direita?
Não sei… O que é um governo de direita e de esquerda? Essas classificações são pouco relevantes.

Mas a sra. já vê diferenças em relação aos governos do PT?
Sim. Em primeiro lugar, porque reconheceram que existe um problema de insegurança pública. Os petistas nunca admitiram isso. Passaram a vida inteira dizendo que era uma sensação, uma ficção. Este governo, ao contrário, reconhece que o direito penal e a repressão têm um papel. É uma mudança significativa. Não coloco isso como sendo de direita ou de esquerda. Coloco como uma questão de racionalidade. Também acho que foi importante este novo governo reconhecer que é impossível manter as discrepâncias que ocorrem hoje com os funcionários públicos mais diferenciados. Ninguém está desmerecendo a função de ninguém. A questão é outra. É matematicamente impossível uma pessoa se aposentar com 50 anos e receber 30 mil reais, 40 mil reais até os 90 anos de idade. Nisso, este governo me parece muito mais social que os outros. O que eles estão fazendo é distribuição de renda. Outro ponto foi a mudança de postura frente a Nicolás Maduro. No passado, o governo brasileiro não apenas apoiou como financiou o regime venezuelano.

Como vê a interferência dos filhos de Bolsonaro no governo do pai?
Recentemente, não teve mais nada. Acho que foi uma situação bastante isolada, que já passou. Eles protegeram o pai quando ele estava internado.

No episódio da demissão do ex-ministro Gustavo Bebianno, que estava na Secretaria-Geral da Presidência, a imprensa foi muito atacada. Como a sra. vê esse comportamento contra jornalistas?
Particularmente, sou defensora da liberdade de imprensa. Por mais que eu tenha sido atacada, e acho que eu fui uma das pessoas mais agredidas, acho que a liberdade de imprensa traz muito mais bônus do que quaisquer ônus para a sociedade. Mas, assim como respeito a liberdade de manifestação e de imprensa, também entendo que, se as pessoas se sentem agredidas, elas também devam ser respeitadas quando se expressam. Sou da linha do filósofo inglês John Stuart Mill (1806-1873). É dessas muitas manifestações que a gente vai tirar o que é mais próximo da realidade.

A sra. enxerga equivalência entre os ataques feitos à imprensa atualmente e os que eram feitos no passado contra os jornalistas que apontavam a corrupção no governo do PT?
Muitas vezes, é um comportamento petista. O petista não consegue ver a realidade. Tem uma dificuldade enorme de reconhecer erros. Ele constrói uma realidade paralela e acredita nela de maneira cega. Mas o que estamos vendo agora é menor. Nos tempos do PT, isso acontecia bem mais. Tenho convivido com o pessoal de agora. É diferente. E são menos numerosos. As pessoas que apoiaram o Bolsonaro e têm um nível intelectual diferenciado conseguem fazer uma crítica, quando veem algo errado. No PT, mesmo as pessoas com nível acadêmico, com grau de instrução diferenciado, não conseguiam fazer crítica. Era mais assustador. Entre os bolsonaristas, não há ninguém muito fechado. Se aparecer algo errado, as pessoas vão reconhecer. Não é o mesmo grau de fanatismo. O que mudou foi a reação da imprensa.

Como assim?
Quando o PT atacava a imprensa, gerava menos ressentimento. Não me lembro da imprensa tão ressentida com os ataques petistas, que eram corriqueiros. Não me lembro da imprensa tão preocupada quando os petistas queriam regulamentá-la. A imprensa se ressente muito com os ataques bolsonaristas, mas sempre aplaudiu o PT, mesmo quando era gravemente atacada.

Mas a imprensa é muito variada, não? Dizer que a imprensa toda aplaudiu o PT…
Você também está me perguntando de maneira muito generalizada. Também está falando em imprensa. Na imprensa entra tudo. Os formadores de opinião não se ressentiam com o PT, mas se incomodam com os bolsonaristas.

Marlene Bergamo/FolhapressMarlene Bergamo/Folhapress“A liberdade de imprensa traz muito mais bônus do que quaisquer ônus para a sociedade”
Muitos dos ataques atuais estão sendo feitos contra veículos que não defendem o PT ou os petistas.
É a mesma coisa que os petistas faziam, essa generalização. O que me intriga é que antes não incomodava e agora incomoda. Acho errada essa generalização.

Como explicar tanta raiva nas redes sociais?
Acho que é mágoa. Foi muito tempo de ataque, de agressividade, de estigmatizações, de adjetivos. Ninguém podia perguntar nada porque era xingado de fascista, de racista, de homofóbico. É uma reação.

A sra. foi uma das autoras do pedido feito ao Tribunal Penal Internacional em 2017 para investigar crimes contra a humanidade na Venezuela. O que mudou desde então?
A situação piorou, porque o ditador está mais duro. Ele percebeu que perdeu ainda mais apoio e se tornou mais agressivo com a população. Antes, ele perseguia os dissidentes. Agora está maltratando todo mundo, indiscriminadamente. Internacionalmente, ficou mais visível que estamos diante de uma ditadura. Só sinto que o Tribunal Penal Internacional esteja tão lento.

A sra. e a deputada federal Joice Hasselmann foram recordistas de votos nas últimas eleições. Como explicar que no mesmo partido, o PSL, também tenham ocorrido os casos de candidaturas de fachada de mulheres?
Não vejo contradição nenhuma. Se quiserem investigar, vão achar nos outros partidos também. É que o PSL está no foco, porque querem de todo jeito atingir o presidente Bolsonaro. Se fizerem uma verificação correta, tenho certeza que vão encontrar nas outras siglas. Onde tem dinheiro público, tem safadeza. Por isso, tem que acabar com o fundo eleitoral. Tem que acabar com o fundo partidário. Fala-se da fraude com as mulheres. Mas e os outros tipos de fraude? E essa coisa de descontar cheque no posto de gasolina com dinheiro público? (O deputado Cauê Macris, do PSDB, é acusado de ter emitido cheques para um posto de gasolina dele próprio, em Limeira, interior de São Paulo). O que muda são as formas de fraude.

A sra. defende as cotas para mulheres?
Acho interessante manter as cotas, mas não a verba. O dinheiro tinha que acabar para todo mundo. Sem verba, só iria para a política quem efetivamente quer o bem comum. Com essa dinheirama, um monte de safado entra. E isso acontece em todos os partidos. Não é só no PSL. Em todos. Gostaria que todos fossem investigados e que, se condenados, fossem presos.

A sra. defende a investigação do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, que está envolvido com as candidaturas de mulheres laranjas?
Defendo. Ele deveria ter sido afastado.

Como advogada e doutora em direito penal, a sra. aprova o projeto anticrime do ministro da Justiça Sergio Moro?
Ele está mexendo em alguns pontos dos recursos para fazer com que os processos andem mais rápido. Está alterando a execução das penas, o que fará com que as sentenças sejam cumpridas. Hoje, a pessoa recebe uma punição, mas é colocada em liberdade muito mais rapidamente. Ele trouxe ainda essa questão do plea bargain (acordo pelo qual, mediante a admissão de culpa, o réu pode ser beneficiado). Eu sempre fui muito crítica a isso, por dar muito poder ao Ministério Público e por gerar injustiças. Mas Moro colocou válvulas de escape para que, necessariamente, tenha de ocorrer a decisão de um juiz. O magistrado pode não aceitar a realização do acordo.

O pacote anticrime poderá ter um impacto real na sociedade?
Sim. Foi uma reforma inteligente, que terá efeito. Mas vale notar que, em geral, ele mexeu em coisas tênues. Não há propostas de grandes aumentos de penas. Acredito até que, se a mentalidade dos aplicadores do direito mudasse, nem precisaria mexer na lei. Por exemplo, a legítima defesa. Bastava ter bom senso. Um policial que vai socorrer uma pessoa que está sendo assaltada, se vê no meio de uma troca de tiros e acaba atingindo o agressor, esse homem não cometeu crime nenhum. O problema é que hoje, com essa inversão de valores, o agente da repressão é automaticamente visto como criminoso. Nosso problema é muito mais de mentalidade do que de legislação.

Agência BrasilAgência Brasil“Foi muito bom que Renan não tenha ganhado, mas não sei se é muito bom que Davi tenha ganhado”
E como vê, no geral, a atuação do Moro como ministro da Justiça?
Acho que ele tem mantido a postura de um ministro de Estado. Repare que ele não fica muito ali se envolvendo nas questões do presidente. Tem uma pauta própria. E nós, brasileiros, estamos vindo de uma cultura em que o ministro da Justiça era o advogado do presidente. Essa mudança foi um salto de qualidade.

Renan Calheiros ter perdido a presidência do Senado foi uma vitória da democracia?
Acho que foi muito bom o senador Renan Calheiros não ter sido levado à condição de presidente do Senado. Não falo isso por causa da vitória de Davi Alcolumbre, porque nós não sabemos muito bem a que ele veio. É uma figura, pelo menos para mim, nova no cenário. Acho que foi muito bom que Renan não tenha ganhado, mas não sei se é muito bom que Davi tenha ganhado. Vamos ter de esperar para avaliar a atuação dele.

Qual é a opinião da sra. sobre a criminalização da homofobia?
Claro que eu sou contra. Eles estão criando um crime por decisão judicial, subvertendo toda a lógica constitucional e principiológica do direito penal. Outra questão é definir o que é homofobia. Como se classifica isso? Se eu dissesse que sou contra a união de duas pessoas do mesmo sexo, o que não é a minha posição, eu seria considerada homofóbica? Poderia ser processada criminalmente? Isso aí não tem limite. Pelo amor de Deus, onde essa loucura vai parar? Agora criaram a gordofobia. Eu não tenho a menor paciência para isso. Quando esse país vai pensar em coisa séria?

E se alguém for atacado por ser gay?
Aí o crime já está configurado. Atacar qualquer pessoa é um crime. Tudo isso é muita chatice. Vivemos numa sociedade insuportavelmente chata. Ninguém aguenta. Para quem é de fora e lê as notícias, parece que matar um gay aqui dentro não é crime. Mas é. Direito Penal não é lugar para ação afirmativa. Do contrário, todo grupo vai querer um crime para chamar de seu. Não dá.

E qual é a sua opinião sobre o STF?
Acho que falta objetividade. Um julgamento do Supremo demora dias. Tem cabimento um voto de 150 páginas? Tem cabimento passar três tardes lendo um voto? Esse tipo de comportamento acaba sendo elitista. A gente tem que prestigiar um país em que a população participe das coisas. Para tanto,ela precisa compreender o que está acontecendo. Só que as pessoas trabalham. Ninguém pode ficar três tardes ouvindo um voto. Tem que ter respeito com a população.

A transmissão dos julgamentos pela TV Justiça ajuda ou atrapalha nisso?
Sou a favor da TV Justiça. Os ministros são agentes públicos como outros quaisquer. Eles também precisam dar satisfação. Às vezes, os ministros reagem como se fossem intocáveis, inalcançáveis, acima de quaisquer autoridades. Isso não é verdade. Eles estão sujeitos a fiscalizações e críticas de outros agentes públicos. O Brasil ainda está carente de democracia.

Com a transmissão pela televisão, um ministro não poderia tomar uma decisão ou outra temendo uma manifestação na porta da casa dele?
Isso é algo a que qualquer um de nós está sujeito. Um jornalista que escreve uma matéria pode receber críticas. Mas os magistrados quererem se colocar num Olimpo que não é real. Não pode ser real.

Na Alesp, querem proibir que deputados transmitam as sessões ao vivo, pela internet. Por quê?
Eles têm medo. O fato é que não apenas os manifestantes, mas alguns deputados muito jovens, trabalham com lives. É a maneira de eles fazerem política. Isso deixou os mais antigos agoniados. Eles não querem ser filmados. Não querem que alguém faça uma live dentro do colégio de líderes, por exemplo. Estão correndo a toque de caixa para proibir as lives dentro da Assembleia. Eles não suportam gente. É nojento.

Por que a sra. decidiu disputar a presidência da Assembleia Legislativa de São Paulo?
Quando me lancei candidata, meu intuito era o de dar mais independência para a Assembleia. Acho que o órgão é muito subserviente ao governador (João Doria, do PSDB). Digo isso sem querer falar mal dele. Acontece que esse não é o papel constitucional do Legislativo. O Legislativo não é para ser do contra, mas também não pode virar um braço do Executivo. Tem que ter autonomia para fiscalizar, para cobrar. Porém, conforme fui conhecendo melhor como as coisas funcionam por lá, passei a sentir que a minha participação na mesa diretora da Casa se mostrou ainda mais necessária. Muitas coisas podem ser melhoradas.

Por exemplo?
Hoje, da maneira como a Casa funciona, não são necessários 94 deputados. Vinte seriam suficientes. Isso porque tudo é decidido pelo colégio de líderes. Não existe discussão em plenário. Não há debate. No colégio de líderes, cada partido tem um lugar. A desproporcionalidade é gritante. O PSL elegeu 15 deputados, sendo que eu tive 2 milhões de votos. Mas nós teremos só uma cadeira nesse colégio de líderes. Outro partido, que só conseguiu eleger um deputado, com cento e poucos mil votos, também terá um lugar no colégio de líderes. Então os 4 milhões de votos do PSL terão o mesmo peso de 100 mil votos de outro partido. Isso não é democracia. Não há nenhuma representatividade. Há deputados antigos, praticamente sozinhos, que mandam completamente na Casa. O regimento afirma que as decisões devem ser tomadas por consenso no colégio de líderes. Mas eles interpretam “consenso” como unanimidade. Acham que, para qualquer projeto ser levado a plenário, é necessário que todos os membros do colégio de líderes sejam favoráveis a ele. Quando o projeto chega ao plenário, o que acontece é uma ficção. Isso é muito grave.

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