LeandroNarloch

Uma Lei Rouanet para saúde e educação

08.03.19

Imagine se, ao declarar o Imposto de Renda, você pudesse escolher para onde vai parte de seus impostos. Não só para qual área (segurança, educação, saúde ou cultura), mas especificamente para a escola, creche ou hospital que você gostaria de financiar. E se ainda pudesse escolher não só entre instituições públicas, mas fundações privadas que organizam, por exemplo, mutirões de cirurgia de catarata ou escolas de inglês em bairros pobres.

Parte disso já existe – é a simples doação com renúncia fiscal. Em geral, pessoas físicas podem doar até 6% do que devem de imposto; empresas, de 1% a 4%. O Ministério da Saúde gerencia o Pronon (Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica). A Lei de Incentivo ao Esporte captou 241 milhões de reais em 2017. O Rio Grande do Sul tem uma Lei de Incentivo à Segurança: doadores bancam a compra de equipamentos e viaturas a policiais. E o Ministério da Cultura tem a famigerada Lei Rouanet – o maior de todos os programas de incentivo.

Bolsonaro tem irritado artistas ao dizer que ‘vai acabar com a mamata dos famosos’ patrocinados pela Lei Rouanet. De fato, o país está cansado de ver a lei de incentivo pagando cantores milionários ou produções que sairiam do papel mesmo sem ajuda do governo. Mas o modelo da renúncia fiscal, se aprimorado, pode dar impulso à livre iniciativa resolver (mais do que já resolve) um bocado de problemas – e pode até substituir serviços públicos.

É mais ou menos o que pretende a secretária de Educação do governo de Donald Trump, Betsy DeVos. Seguindo a experiência das ‘charter schools’ de diversos estados americanos, ela planeja um programa federal de 5 bilhões de dólares em bolsas para pobres em escolas privadas. O dinheiro virá da renúncia fiscal: cada dólar que doadores usarem para bancar as bolsas resultará em um dólar a menos de imposto ao governo americano.

No Brasil, as leis de incentivo não contemplam educação e só casos específicos de saúde (para entidades de assistência a crianças, idosos ou deficientes). Bolsonaro poderia se inspirar no governo Trump e expandir e facilitar a renúncia fiscal para escolas, hospitais e universidades.

Como toda ideia que parece boa, essa pode dar muito errado. Não é difícil imaginar – assim como peças de teatro caríssimas sem público – que apareçam mutirões de diagnóstico ou de cirurgia sem pacientes, ou escolas de inglês para ricos financiadas com renúncia fiscal. Na Lei Rouanet, poucos e grandes doadores financiam numerosas iniciativas. Essa dispersão facilita a fraude: é caro e difícil fiscalizar todos os projetos ao mesmo tempo.

É preciso um bom desenho de mercado para evitar as falhas habituais das leis de incentivo. Outra solução talvez seja apostar nas fundações de escolas e hospitais públicos – isso está mais fácil desde janeiro, quando o presidente sancionou a lei que reconhece fundos patrimoniais de escolas e hospitais públicos. É o modelo de ‘endowment’ das universidades americanas, que se financiam com o rendimento dos fundos de doações.

Os brasileiros já estão cansados de queimar dinheiro em universidades e hospitais geridos por burocratas: já passou da hora de pensarmos em alternativas.

Leandro Narloch é jornalista e autor do 'Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil'.

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