ReproduçãoMilitar venezuelano deserta para a Colômbia enquanto outros pediam asilo ao Brasil

Fila para desertar

A fuga de soldados da Venezuela pressiona Maduro, mas não abreviará a ditadura como se esperava
01.03.19

As Forças Armadas são sabidamente o pilar que sustenta a ditadura de Nicolás Maduro. Por isso, ao pressionar pela entrada da ajuda humanitária na Venezuela no sábado, 23, o presidente interino Juan Guaidó tinha como meta colocar os militares diante de um dilema. Eles poderiam seguir obedecendo ao ditador e ignorar a fome do povo ou aliar-se com o presidente interino e enfrentar seus superiores. A traição dentro da caserna levaria à derrocada da ditadura e ao fim de Nicolás Maduro. Não funcionou. Desde o dia 23, o que se viu foram centenas de militares escolhendo um terceiro caminho. Eles desertaram para a Colômbia e, alguns, para Brasil. A fuga dos fardados não abreviará o fim do ditador como se esperava, mas a dimensão que tomou ao longo dos dias começou a sacudir a instituição castrense — e isso logicamente não é bom para Maduro.

Os primeiros soldados a desertar deixaram a Venezuela atravessando a pé a ponte entre a cidade venezuelana de San Antonio de Táchira e a colombiana Cúcuta logo cedo, às 8 horas da manhã do sábado, 23. Cinco dias depois, mais de quinhentos oficiais haviam abandonado os seus postos. Eles são pouco representativos quando se leva em conta que há 360 mil militares no país, entre todos os níveis hierárquicos. Mas a cada dia que se passava o número precisava ser atualizado, expondo o racha num ambiente sempre marcado pela disciplina. Alguns soldados passaram calmamente pelas pontes com a Colômbia enquanto eram festejados pela população. Outros correram em meio às barreiras de metal colocadas pelas Forças Armadas. Um pequeno grupo cruzou a ponte em um veículo blindado e, na pressa, atropelou duas pessoas. Outros saíram com a família a tiracolo.

Pelo menos quatro pessoas morreram desde o sábado, 23. Em Santa Elena de Uairén, soldados atiraram contra índios pemones, que tentaram impedir que os comboios bloqueassem o acesso à fronteira com o Brasil. Os conflitos se estenderam por dias e policiais foram feitos de reféns. Segundo o prefeito da cidade, Emilio González, que fugiu para o Brasil por um caminho pela mata, 25 índios foram assassinados. Inconformados com o papel que tiveram de assumir, atirando contra o povo, doze militares cruzaram a divisa com o Brasil. Sem armas, mas com seus uniformes, eles levantaram os braços assim que avistaram brasileiros. O gesto de rendição lembra as guerras de verdade. Foram recebidos por integrantes da Operação Acolhida, jornalistas e membros de ONGs e da ONU. “Há muitos militares que querem escapar e isso terá um efeito dominó nas tropas”, disse um deles.

Apesar das deserções diárias, o alto comando permaneceu leal. Só membros dos escalões mais baixos deixaram o país. Ainda no sábado, 23, Maduro estava tão confiante que, num comício em Caracas, dançou salsa com sua esposa, Cilia Flores. Um dia depois, a vice-presidente Delcy Rodríguez resumiu a situação. “Ontem vocês viram somente um pedacinho do que nós estamos dispostos a fazer para defender os direitos legítimos da Venezuela”, disse ela.

ReproduçãoReproduçãoMaduro com a mulher, Cilia Flores: salsa e repressão
Fora dos círculos chavistas, a indignação foi acompanhada de frustração. A fome, a tortura de opositores, a prisão de dissidentes e o massacre de civis não irão acabar em questão de horas ou dias. A lição que se pode tirar da semana passada é de que há muito chão pela frente. “Nenhum dos dois lados dá demonstrações de que pode capitular. Esta será uma longa crise, para a qual não existe receita mágica, apenas o tradicional repertório da diplomacia”, diz o embaixador Marcos Azambuja, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro.

A postura dos governos da região parece entender esse dado da realidade. As declarações que pediram uma medida extrema para resolver logo a crise partiram principalmente dos americanos e da oposição venezuelana. “Devemos passar a uma etapa superior para aumentar a pressão sobre o regime e trabalhar todas as opções – todas as opções – para alcançar a liberdade do nosso povo. Estamos indo bem. Viva a Venezuela livre”, disse Guaidó, em áudio publicado na tarde da quarta-feira, 27, no Twitter.

 

Flick Casa BrancaFlick Casa BrancaGuaidó, o presidente colombiano Iván Duque e o vice-presidente americano Mike Pence, no encontro do Grupo de Lima, em Bogotá
O venezuelano participou da reunião do Grupo de Lima em Bogotá, na segunda 25. A organização, integrada por catorze países, foi fundada com o objetivo de solucionar a crise na Venezuela. Na declaração final, contudo, o grupo afastou qualquer solução militar, embora o vice-presidente americano Mike Pence tenha dado a entender, assim como Guaidó, que a opção de intervenção militar externa continue na mesa. Na capital colombiana, o Brasil foi representando pelo vice-presidente, o general Hamilton Mourão. “Após conversa particular com o presidente interino Juan Guaidó, posso garantir a todos que estamos no caminho certo ao defender uma solução pacífica para a reconstrução da democracia na Venezuela”, tuitou o vice, colocando panos quentes na crise. O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, também estava na reunião, mas foi Mourão quem deu o tom. Qualquer ação militar foi descartada. “Os militares brasileiros não embarcariam em uma guerra na Venezuela porque não há um objetivo político claro. Uma intervenção militar apenas responderia a setores radicais e, motivada pelos Estados Unidos, traria um desgaste muito grande, com consequências de longo prazo”, diz o cientista político Eduardo Heleno, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.

Aos poucos, o Brasil dá sinais de que deseja diminuir a tensão. Na fronteira, militares passaram a dizer que a situação é de calma. Protocolos diplomáticos que poderiam indicar um maior apoio a Juan Guaidó foram deixados de lado. O venezuelano chegou a Brasília na madrugada da quinta-feira, 28. Nesse dia, teve um encontro rápido com o presidente Jair Bolsonaro. Apesar de o governo brasileiro o ter reconhecido como o presidente interino da Venezuela, Guaidó não foi recebido com honras de estado e dormiu na base aérea, em Brasília. Além disso, embora Maduro tenha sido considerado ilegítimo, negociações indiretas com a ditadura foram retomadas. Na quarta-feira, 27, o governador de Roraima, Antonio Denarium, que é do mesmo partido de Bolsonaro, o PSL, aceitou um convite para entrar na Venezuela, a fim de negociar a reabertura da fronteira com os ministros e governadores indicados pelo ditador.

Adriano Machado/CrusoéJair Bolsonaro e Juan Guaidó, em Brasília: sem honras de estado
Sem possibilidade de intervenção militara externa no horizonte próximo, restam as ferramentas diplomáticas e a pressão política para tentar isolar o ditador e enfraquecê-lo. Segundo informou Igor Gadelha em Crusoé, a deputada federal Joice Hasselmann, agora também líder do governo no Congresso, pediu para a Procuradoria-Geral da República solicitar à Justiça o confisco de possíveis bens de Maduro e familiares em território brasileiro. Para a venezuelana Mercedes de Freitas, diretora e fundadora da ONG Transparência Venezuela, em Caracas, o país poderia fazer ainda mais. “O Brasil deveria divulgar tudo o que tem sobre a atuação da Odebrecht e outras construtoras, como a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa, na Venezuela. Só a Lava Jato investigou quarenta contratos. Não temos nenhuma informação a respeito de muitos deles”, diz Mercedes.

Outra esfera de ação é a Corte Penal Internacional. Em 2017, quatro advogados brasileiros entraram com um pedido no tribunal para que Maduro fosse investigado por crimes contra a humanidade. A solicitação dos advogados citava a prisão, a tortura e o assassinato de civis de forma sistemática e generalizada. Mas há ainda outro delito. “Ao impedir a entrada da ajuda humanitária no dia 23, o ditador negou assistência a seu próprio povo. É um crime contra a humanidade muito evidente, em que a ordem de comando está muito clara”, disse a advogada Maristela Basso, professora de Direito Internacional na USP e uma das autoras da ação de 2017.

Entre as determinações do Grupo de Lima está a de pedir à Corte uma investigação contra Maduro. A nova demanda poderia se juntar às anteriores ou correr em paralelo. Como os governos nacionais são os mantenedores da Corte Penal Internacional – ou seja, pagam a conta da instituição –, a chance de uma condenação aumenta. Se uma sentença for dada, Maduro poderia ser preso se deixasse a Venezuela. Mas, antes disso, a simples abertura de investigação poderia ser utilizada como ferramenta de pressão, empurrando Maduro a aceitar uma saída honrosa. Ele poderia escolher um país amigo da ditadura para refugiar-se, levando consigo algum patrimônio. Turquia, Rússia e Cuba seriam possíveis destinos.

Incertezas também pairam sobre o futuro de Guaidó. Do Brasil, ele segue para o Paraguai e, de lá, volta para Caracas, onde vive sua filha pequena. O venezuelano espera retornar ao seu país no final de semana ou na segunda-feira, 4. Maduro já ameaçou prendê-lo. “Guaidó pode sair e voltar, mas terá de dar explicações à Justiça, porque foi proibido de deixar o país”, disse o ditador. A Justiça de Maduro, claro.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. NÃO SE TRATA DE UM EXERCITO, SEGUNDO A ACEPÇÃO DA PALAVRA... MAS DE UMA FORÇA DE APÔIO A UM NARCO-ESTADO!!!! OS CENTROS DE REFINO E DISTRIBUIÇÃO ESTÃO DEVIDAMENTE MAPEADOS! NO MOMENTO ADEQUADO, SERÃO SELETIVAMENTE ANULADOS!

  2. E uma vergonha, as forças armadas da Venezuela apoiarem um ditador opressor do seu povo. Os comandantes das organizações militares venezuelanas também deveriam ser processados por traição à pátria por apoiarem um ditador sanguinário.

  3. Infelizmente, isso não tem como terminar bem. Esses ditadores morrem mas não largam o osso (nesse caso, os esqueletos dos pobres venezuelanos)

  4. Os "generais" hoje na Venezuela, não são como os nossos que fazem carreira através de muito estudo e dedicação. Os de lá são generais promovidos por conveniência, uma tática dos vermelhos de manter o poder, e colocados em postos chave onde podem furtar à vontade. Razão porque a Venezuela tem quatro vezes mais generais que o Brasil e um exército muito menor. Eles assumem estatais, diretorias por onde passam muito dinheiro, etc. Esta é a razão de não desertarem. Eles não são patriotas.

  5. Duda, presta atenção, te dou de graça. Não é o exército que apoia o Maduro, é o contrário. Maduro é só um laranja. Quem manda é o alto comando. É velha ditadura sem ditador inventado pelo Brasil. Maduro só sai o dia que o exército cansar de mandar. Já podes melhorar o seu "aprouch".

    1. Escreveu obviedades e foi deselegante, e ainda por cima escreveu errado uma palavra em inglês. Melhor tentar português mesmo!

  6. O Jornalista Jamil Chade denunciou nesta semana, o mesmo sistema de propinas implantado aqui pelos governos petistas e com a mesma Empreiteira Odebrecht, tendo sido pagos milhões de dólares ao sr. Chavéz e com certeza para o sr. Maduro também. Só que lá a Justiça nas mãos do governo não vai poder fazer nada para apurar as denúncias. Deveríamos exportar uma Lava Jato para lá. Talvez algum órgão se manifeste com ajuda dos EE.UU.

  7. Acho que chegou a hora de armar o povo venezuelano e criar um Exército que dê mais sustentação ao novo presidente. A solução ali não vai ser simples como pensam. O narcotráfico manda e faz parte do "governo".

  8. As Forças Armadas da Venezuela não têm atuação diferente das Forças Armadas do Brasil, já que estas apoiam firmemente o Bolsonaro. Se o mesmo problema da Venezuela afetasse o Brasil a situação não seria diferente.

    1. Felizmente meu prezado correspondente posso discordar de você, porque as nossas forças armadas não tem partido e nosso Presidente e extremamente democrata. Brasil acima de tudo é Deus acima de todos. Fique com Deus.

  9. Infelizmente, falta um militar venezuelano para liderar a reação armada. Lamentavelmente, os oficiais venezuelanos se venderam aos privilégios concedidos pela ditadura socialista.

  10. Maduro está louco. Acha que há uma invasão nos caminhões de ajuda, tipo cavalo de tróia (e isso diz algo sobre os castros). O narcotirano enumerou pessoas nos braços e marcou casas de opositores, como Hitler fez com os judeus. E como o alemão, adotará terra arrasada, estilo 'eu vou, mas levo comigo'. A História sempre está se repetindo - incluído aí a demora do Ocidente em reagir.

  11. Quem manda na Venezuela não é o exército e sim a camuflada milícia . A família dos militares corre risco de vida . Lembram da guerra das malvinas ? No primeiro tiro dos Gurgas , mercenários Nepaleses a serviço de vossa majestade , e os argentinos levantaram as mãos e se renderam . Mais 30 dias mostrando mais um pouco quem é o Maduro pro povo Venezuelano , e aguarde o exército da Venezuela quando os EUA chegarem . Pressiona o comando militar (vice americano ) e aguarde .........

  12. Os militares de Maduro são priveligiados quando o país é seu povo é massacrado de fome. Quando acabar a Ditadura como esses militares serão perdoados? Que não venham para o Brasil pedir refúgio.

  13. Alguém achava que ia ser fácil derrubar este facínora? Ele tem cobertura de Cuba e Rússia, que aliás tem muito interesse em ter a Venezuela nas mãos.

  14. Venho pedir meu desligamento de assinante e ex- leitor da crusoe e do Antagonista por não Compartilhar das Ideias"dos "FABIANOS" enrustidos

    1. Acertou na môsca! Paulo! Partido Novo é esquerda progressista’! Não renovarei a assinatura ‘

    2. Que teatro...corre lá ver se ganha um Oscar que a gente desintetiza aqui

Mais notícias
Assine agora
TOPO