ReproduçãoJair Bolsonaro e Jaci, o motorista: van por 10 mil reis e amizade em comum com Queiroz

A van de Bolsonaro e o amigo de Queiroz

Quem é Jaci dos Santos, o ex-soldado que "ganhou" uma van de Jair Bolsonaro e foi apresentado à família presidencial por Fabrício Queiroz
01.03.19

Em 19 de fevereiro, uma nota publicada no Diário de Crusoé mostrou que o presidente Jair Bolsonaro, ao registrar sua candidatura no ano passado, declarou ser dono de duas vans de transporte de passageiros. No somatório de seu patrimônio, as duas Mercedes Benz Sprinter, uma de 2004 e outra de 2014, não representavam pouca coisa.  Chegavam a 10% do total de bens declarados pelo então candidato. Indagada sobre o uso que Bolsonaro fazia das duas vans, a assessoria do gabinete presidencial respondeu que não comentaria o assunto.

Das duas vans, Crusoé apurou que a mais nova segue em nome de Jair Bolsonaro até hoje e a outra foi transferida para um ex-militar, de nome Jaci dos Santos. Ele é mais um personagem levado à família Bolsonaro pelas mãos do policial aposentado Fabrício Queiroz, o velho amigo do presidente e ex-motorista de Flávio Bolsonaro que se transformou no pivô da investigação aberta a partir da descoberta, pelo Coaf, de movimentações atípicas que totalizam, na soma de entradas e saídas, 1,2 milhão de reais em suas contas.

Reprodução/Google Street ViewReproduçãoA van de Bolsonaro na rua de Jaci no início de 2016
Ex-soldado da Brigada Paraquedista do Exército, onde o próprio Jair Bolsonaro e Fabrício Queiroz serviram nos anos 1980, Jaci começou a trabalhar há alguns anos para os Bolsonaro. Chegou a ser motorista do hoje presidente da República. Também foi assessor do gabinete do agora senador Flávio Bolsonaro nos tempos em que ele era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Quem o introduziu no círculo da família, diz ele, foi Fabrício Queiroz, de quem é amigo.

Disse Jaci a Crusoé: “Independente que o Queiroz seja (sic) meu colega ou não, a gente sempre vive em eventos de Exército e quartel, passagem de comando, festas, essas coisas todas, final de ano. Então a gente sempre se encontrava, ficava juntos nas comemorações. Eu nunca fui esquecido. Eu não procurava. Mas houve necessidade, e então ele me indicou”. E completou: “Ele (Queiroz) levou ao conhecimento do capitão e o capitão, como me conhecia, me empregou”.

Bolsonaro com Jaci pescando, em foto postada por Queiroz
De dezembro de 2011 a julho de 2012, Jaci figurou como assessor do gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Por um período, ele chegou a acumular o cargo com um outro, de assessor de Flávio Bolsonaro na Alerj. Na Assembleia, foi nomeado em março de 2012 e ficou até 2016. Por quatro meses, portanto, ele esteve nas duas funções. Na Alerj, seu salário era de 2,5 mil reais.

Jaci nega que tenha usado os veículos — seja o que ele comprou, seja o que ainda está em nome do presidente — para fazer transporte irregular de passageiros, algo comum na região onde ele mora, o bairro de Realengo, na Zona Oeste do Rio, onde quadrilhas de tráfico de drogas disputam espaço com as milícias. Afirma ainda que nunca dirigiu os utilitários de Bolsonaro a serviço do amigo Fabrício Queiroz.

A data do negócio que Jaci diz ter feito com o então deputado Jair Bolsonaro – afirma que a “van” foi quase um presente do presidente para ele, vendida a parcos 10 mil reais – não batem com outros registros. Quando ainda estava em nome de Bolsonaro, em 2016, a van já vinha sendo utilizada por Jaci. Costumava ficar estacionada em frente à casa dele, em Realengo. Chegou a ser até fotografada, no local, pelo Google Street View. A imagem é de fevereiro de 2016 – um ano antes, portanto, de a transação ser oficialmente registrada.

ReproduçãoReproduçãoQueiroz com Bolsonaro a bordo do mesmo bote, o Selva 105
Bolsonaro, Jaci e Queiroz pescavam juntos. Em 21 de janeiro de 2013, Queiroz chegou a publicar em seu Instagram duas fotos com a dupla, a bordo de um bote inflável amarelo, batizado de Selva 105. Um ano antes, Jaci estava na companhia de Jair Bolsonaro quando o então deputado foi autuado pelo Ibama por pesca irregular no mar de Angra dos Reis. Jaci chegou a ser arrolado como testemunha de defesa do presidente no processo.

Jaci aparece ao lado de Bolsonaro em um vídeo postado na internet quando o presidente ainda era deputado. Ele está ao volante e o agora presidente, no banco do carona. Na gravação (veja mais abaixo), em que criticava a obrigatoriedade de acender os faróis em rodovias, Bolsonaro apresenta o amigo. “Do meu lado está o Jaci, que foi soldado da Brigada de Infantaria Paraquedista, meu soldado em 1984. E por 20 anos foi motorista de ônibus no Rio de Janeiro.”

No ano passado, Jaci trabalhou pedindo votos para Jair e Flávio Bolsonaro por 45 dias. Ganhou de 600 a 700 reais por semana. Foi, segundo ele próprio, contratado pelo comitê do filho do presidente. “Eu fui um dos coordenadores de uma equipe de rua”, diz. A admissão do serviço, aliás, pode ser um indicativo de caixa dois na campanha do senador Flávio Bolsonaro, uma vez que não há qualquer menção a Jaci na prestação de contas do então candidato, seja como doador ou prestador de serviços. O próprio Jaci disse a Crusoé que o acerto foi “informal”. Eis o que ele disse, em conversa gravada:

O sr. trabalhou na campanha?
Jaci — Trabalhei na campanha de 2019. É 2018 para 2019.

Na campanha para quê?
Jaci — Trabalhei para o Flávio, né. Trabalhei para o Flávio e para o presidente também. Era tudo de um partido só, né? Eu fui dos coordenadores de uma equipe de rua.

O sr. trabalhou em que área? Foi na sua região mesmo?
Jaci — Andamos em todo o Rio de Janeiro.

O sr. usava a van?
Jaci – Não. Eu usava o meu carro.

Fez o serviço de graça?
Jaci – Não, não. Me pagou. Eu preciso, né, meu irmão? Se não estivesse precisando, eu ia fazer na boa, tranquilo, na paz. Tinha que sair um cascalhozinho para colocar um combustível no carro, fazer uma comprinha no final do mês. Me ajudou bastante. Ajuda.

Quanto o sr. ganhou. mais ou menos?
Jaci — Uns 700, 600 reais por semana.

Foram dois meses?
Jaci — Eu comecei a trabalhar duas semanas antes. Antes não, depois (do início da campanha). Já tinha começado e me chamou para trabalhar com ele.

O sr. trabalhou como pessoa física?
Jaci — Exatamente.

Havia contrato assinado com a campanha ou foi algo informal?
Jaci — Foi mais informal.

O ex-motorista diz que, quando Jair Bolsonaro lhe vendeu a van por 10 mil reais (ao TSE, o presidente atribuiu ao veículo o valor de 89 mil), entendeu que era uma espécie de agrado. “Ele (Bolsonaro) ia desfazer da van. Ia vender a van. De um modo ou de outro, como vou dizer, ele queria me dar tipo um prêmio. Então ele me vendeu por um valor que eu pudesse pagar”, afirma. O morador de Realengo, que em um processo judicial de 2009 se apresentava como “motorista de ônibus”, conta que hoje dirige um Uber. A van, afirma, não é utilizada para serviços de transporte porque está velha. “Essa van, presta atenção, não tem como botar para lucros financeiros porque o ano dela é 2004. Está com 15 anos de uso e a lei de trânsito não permite isso, o que eu acho um crime. Se uma aeronave pode voar 40 anos, por que um veículo de transporte terrestre não pode trabalhar 20, 30 anos?”, diz, em tom queixoso.

Indagado por Crusoé sobre suas relações com Fabrício Queiroz atualmente, Jaci diz que não o vê desde a campanha do ano passado. Ele evita perguntas sobre os percalços em que o amigo está metido. A lealdade a Jair Bolsonaro, a quem chama até hoje de capitão, segue firme. “Eu sou soldado dele até a morte. Se ele for para a guerra hoje e me convocar, eu vou junto.”

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