RuyGoiaba

O Tiozão do WhatsApp é legião

22.02.19

“Cobras têm pernas”, diz o personagem de uma animação do americano Danny Casale. Ele lê isso na internet e conta a um amigo, que trata de espalhar a “notícia”. Nisso, aparece uma cobra. O personagem, então, diz a ela: “Ei, cara, soube que vocês têm pernas”. A cobra responde: “Que ideia mais cretina. Você leu isso em alguma fonte confiável?” “Sim, li no Testículo Diário.” “Então você acredita em uma coisa que leu no Testículo Diário?”

Lembrei dessa história por causa daquela foto em que Jair Bolsonaro posa com Paulo Guedes e assessores no Palácio da Alvorada depois de uma reunião para discutir a reforma da Previdência, na semana passada. A princípio, a imagem foi muito comentada graças ao outfit do presidente –chinelão Rider, calça de abrigo e camisa do Palmeiras (falsificada) sob um casaco.

Depois alguém –não sei quem; é difícil saber ao certo onde essas coisas começam– chamou a atenção para a tapeçaria de Di Cavalcanti diante da qual Bolso e sua turma aparecem na foto. Tratava-se, disseram nas redes, de um “presidente de extrema direita, moralista e retrógrado, tirando foto sob a tela de um pintor comunista, com mulheres se masturbando”.

É verdade que Di Cavalcanti era do PCB –assim como Oscar Niemeyer, que projetou o próprio Palácio da Alvorada; não é muito fácil fazer fotos em Brasília sem que alguma obra do comunistão apareça com razoável destaque. Mas e a “masturbação” das figuras femininas do quadro? A história foi reproduzida, com status de verdade, nas redes de jornalistas sérios e em uma coluna do Estadão, veículo geralmente considerado mais confiável que um Testículo Diário da vida.

Foi preciso a curadora Denise Mattar, especialista em Di Cavalcanti, vir a público para dizer que a tal masturbação era “uma ideia bastante fantasiosa e inteiramente fora das características das obras monumentais do artista no período”. Não contei quantas pessoas compartilharam o artigo de Denise na Folha, mas aposto –apostaria até dinheiro– que ele foi menos compartilhado que a história fantasiosa. É o que se chama, em inglês, “bullshit asymmetry principle”: “A quantidade de energia necessária para refutar uma idiotice é de uma ordem de grandeza maior que a da produção dessa mesma idiotice”.

Os profissionais de imprensa que divulgaram o caso certamente odeiam fake news e acham um absurdo os tiozões do WhatsApp espalharem boatos como o da “mamadeira de piroca” que o PT estaria distribuindo nas escolas. Aí surge uma “notícia” que casa direitinho com o que eles querem ouvir e pronto: não importa se é verdade. Assim como o Diabo, o Tiozão do WhatsApp é legião.

(Ah, sim: a animação de Danny Casale termina com o personagem “desamigando” a cobra nas redes. E repetindo: “Cobras têm pernas”.)

Bolsonaro, seu chinelão Rider e os assessores diante da obra de Di Cavalcanti

***

A GOIABICE DA SEMANA

É muito pouco descrever como “goiabice” a sucessão de tiros no pé do governo –sem NENHUMA participação da oposição– nesse episódio em que Carlos e Jair Bolsonaro demitiram Gustavo Bebianno em câmera lenta. Mas a “macumba psicológica” que Bebianno acusou Carlos de fazer com o pai talvez seja a melhor parte. Tomara que Carluxo tuite as dicas algum dia: o Brasil quer saber se basta mentalizar a farofa, a pinga e a galinha preta ou se o lance é mais trabalhoso.

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