Agência CãmaraJair Bolsonaro foi entregar a proposta de reforma aos presidentes da Câmara e do Senado

A reforma salvadora

Por que a aprovação das mudanças nas regras da Previdência é determinante para o sucesso do governo e de um país no fundo do poço
22.02.19

“Terceiro trilho” é uma expressão usada na política americana para denominar assuntos que, se mencionados, podem significar a morte de quem ousa abordá-los. É uma alusão ao risco que corre quem pisa no trilho extra, o terceiro, que há em redes de trens movidos por eletricidade. Propor mudanças nas regras da Previdência é, há tempos no Brasil, uma espécie de terceiro trilho. Não por outro motivo, a necessária reforma no sistema de aposentadorias — que, do jeito que está, pode levar o país à bancarrota — vem sendo adiada há anos. Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro foi até o Congresso Nacional triscar no terceiro trilho. Ele entregou uma proposta de emenda constitucional para reformar a Previdência que, para muitos especialistas, é a mais ousada já apresentada. Se for aprovada, será o grande legado do governo na área econômica, assim como o pacote de leis contra o crime entregue um dia antes pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, pode ser um marco relevante no combate efetivo à violência e à corrupção, outra promessa da campanha do presidente.

Bolsonaro não parece ter eletrocutado sua carreira política. Pelo contrário. Ante a necessidade premente da reforma para o equilíbrio das contas públicas do país, a alta voltagem carregada pelo problema parece ter dissipado. Só o fato de a proposta estar em discussão já é uma conquista para o governo e para o comando do Congresso, hoje nas mãos de dois parlamentares, o deputado Rodrigo Maia e o senador Davi Alcolumbre, que reconhecem a importância do tema. Trata-se de um passo largo na “curva de aprendizado” mencionada pelo secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, na explicação de cinco horas que ele e sua equipe deram aos jornalistas sobre a reforma na mesma quarta-feira em que o presidente a levou ao Congresso. Marinho se referia às tentativas frustradas de realizar reformas amplas do sistema. A “Nova Previdência” proposta pelo governo se apoia nos ombros de derrotas gigantescas. A começar pela incapacidade crescente de todas as administraçōes, em nível federal, estadual e municipal, efetivamente fornecerem serviços de qualidade aos cidadãos, em virtude do sufoco progressivo causado pelas obrigações com pensões e aposentadorias do serviço público.

A explanação de cinco horas faz parte de uma estratégia fundamentada justamente no aprendizado crucial derivado dos erros passados: a comunicação. Antes, predominavam no debate público os discursos de que o governo queria que as pessoas morressem trabalhando ou de que não havia déficit, mas rombo provocado pela falta de empenho em combater fraudes e devedores. Algumas vezes, a batalha da comunicação foi perdida pelo fogo amigo. O presidente Jair Bolsonaro pode não ser o melhor exemplo de declarações públicas ponderadas. Mas foi Fernando Henrique Cardoso quem mais tumultuou a reforma que ele mesmo tentou aprovar em seu segundo governo, ao chamar de “vagabundos” os brasileiros que se aposentavam antes dos 50 anos. A oposição e as corporações contrárias à mudança ressaltaram a expressão pejorativa, lembrando que o próprio Fernando Henrique havia aproveitado o benefício aos 37 anos. Com o alarido, impediram qualquer discussão sobre algo que deveria ser óbvio: não é sensato alguém passar a receber pensões antes dos 50 anos, para, provavelmente, continuar trabalhando.

Na apresentação da nova reforma, mais de uma vez foi dito que se busca “combater privilégios” e “os que ganham mais vão pagar mais e os que ganham menos vão pagar menos”. São enunciados simples e fáceis de serem absorvidos pelo cidadão comum. Podem se contrapor facilmente a palavras de ordem abstratas e já gastas, como “triunfo do neoliberalismo”, usado pela esquerda contra qualquer risco de ajuste nas contas públicas que parta do princípio de que dinheiro não brota do chão. Em um país recém-saído de uma recessão, a tese de que a reforma previdenciária vai extinguir direitos soa vazia para um vendedor de quentinhas, ofício que ganhou relevância a partir do momento em que a expansão de gastos do governo Dilma Rousseff quebrou o país. No caso do vendedor de quentinhas, por sinal, não haverá perda de direitos, pois ele já não tem nenhum, uma vez que não contribui com a Previdência. Essa realidade pode ser multiplicada por 12,2 milhões, que é o número de pessoas que procuravam emprego no fim do trimestre terminado em novembro do ano passado, segundo as últimas estatísticas do mercado de trabalho do IBGE. E por 11,7 milhões, o número de trabalhadores sem carteira assinada no mesmo período. Também pode ser encontrada no cotidiano de boa parte dos 23,8 milhões de brasileiros que trabalham por conta própria, ainda segundo o IBGE. O fracasso do Brasil em garantir na vida real os direitos que ele promete no papel é outro sustentáculo do discurso da reforma da Previdência.

Uma das inovações da proposta elaborada pela equipe econômica do governo é a criação de alíquotas progressivas de contribuição, seja para trabalhadores do setor público como do privado. “Não tem relevância do ponto de vista fiscal”, afirma o economista Fabio Giambiagi. “Foi introduzida para enfatizar a ideia de que os pobres foram beneficiados e os ricos vão pagar mais, mas o resultado prático não é tão impactante”. Incluir e limitar a aposentadoria dos políticos na reforma é outro item que ajuda bastante a conquistar a simpatia da população na batalha dos discursos. Com a PEC entregue, o governo Bolsonaro tem de olhar para trás mais uma vez para evitar a repetição de outras falhas na negociação política. Um cuidado elementar é saber votar. Entrou para a história o voto do ex-deputado Antonio Kandir que retirou a idade mínima para a aposentadoria na reforma debatida em 1998. O ex-ministro de Fernando Henrique votou por engano e a oposição ganhou a parada por causa desse tropeço. Parece ser o tipo do raio que não cai duas vezes no mesmo lugar.

Não é segredo para ninguém que o líder do governo na Câmara escolhido por Bolsonaro, Major Vitor Hugo, é rejeitado quase pela unanimidade dos seus pares. Assim, ajuda a disposição de Rodrigo Maia e Alcolumbre de fazer a reforma andar, e a experiência de Rogério Marinho como parlamentar e relator de outra reforma espinhosa, a trabalhista, no governo Temer. Na quarta-feira, ao apresentar o projeto aos jornalistas, o secretário especial da Previdência foi cuidadoso e realçou a autonomia do Congresso para discutir a matéria, ao mesmo tempo em que a defendia. Ao agir dessa maneira, evitou sinalizar de que o Executivo quer mandar no Legislativo. A abertura às críticas é necessária até porque elas são inevitáveis. Feita a apresentação da proposta, governadores e parlamentares já atacaram algumas medidas sugeridas, mesmo ressalvando serem a favor da reforma. Até que ponto a Nova Previdência de Bolsonaro será retocada é o que se verá, mas é certo que mesmo esses críticos estão interessados em mudar o sistema, porque todos têm algo a ganhar e tudo a perder se deixarem o regime como está, como se mostra a seguir.

POR QUE FAZER

Déficit crescente. O déficit da Previdência Social no Brasil foi de 266 bilhões de reais em 2018, resultado de despesas de 693 bilhões de reais contra uma receita de 427 bilhões de reais, para pagar aposentadorias de trabalhadores urbanos, rurais, militares e servidores públicos. Nesse número não entram os 55 bilhōes de reais gastos nos benefícios de prestação continuada, o BPC, correspondente a um salário mínimo por mês dado a idosos com mais de 65 anos que não consigam se sustentar ou serem mantidos pela família. Em 2019, a previsão é de aumento do déficit: 292 bilhões de reais. Novamente, nessa conta não entram os gastos com BPC, que também sobem para 59 bilhões de reais. O número vai ficando ainda mais salgado com o passar do tempo e pode atingir 15 trilhões de reais até 2060. “Estamos sacando contra nossos netos e filhos”, alertou o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao resumir a necessidade da reforma em uma entrevista que fez à TV Brasil no dia em que a proposta foi recebida no Congresso.

Um sistema feito para não dar certo. Em um país onde o roubo de dinheiro público é parte integrante da realidade, é sedutora a ideia de que se há déficit da Previdência é porque não se vai atrás de sonegadores e grandes devedores. Mas a estrutura da Previdência é responsável pela sua inviabilidade: quem trabalha paga o benefício de quem não trabalha. As projeções demográficas indicam um Brasil com cada vez mais pessoas idosas e aposentadas dependendo de um número cada vez menor de trabalhadores ativos. Atualmente, os idosos representam 10% da população brasileira, chegando a 20 milhões, e para cada um deles, há dez pessoas em idade ativa que pode contribuir – ou não, se for informal – para o sistema. Em 2060, eles serão 58,2 milhões, ou 25,5% do total dos brasileiros. Mantido o sistema atual, a aposentadoria de cada idoso seria paga por apenas quatro pessoas, caso estejam todos na economia formal e com carteira assinada. O que já é improvável hoje, como avisa a economista Vilma Pinto, pesquisadora de finanças públicas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. “A ‘pejotização’ não existe como palavra, mas é uma realidade”, diz a economista, para lembrar a grande quantidade de trabalhadores especializados absorvidos no mercado como pessoas jurídicas. “Há um esvaziamento na base em que incide a contribuição para a Previdência”, constata. Não é só o vendedor de quentinhas que está deixando de contribuir: profissionais com ensino superior também deixam de pagar ao governo, ao constituírem empresas de uma pessoa só.

Distorções. A Constituição de 1988 autorizou a absorção pela Previdência Social de trabalhadores rurais que não contribuíam para o sistema, em outro caso gritante de criação de uma despesa sem que se soubesse de onde viria a receita para cobri-la. Essa é uma, mas não é a pior das distorções que fizeram da Previdência Social uma forma legal de desvio de gastos. O limite de cinco salários mínimos para a aposentadoria de trabalhadores do setor privado não existe no setor público. Assim, os funcionários públicos aposentados não estão entre os 83,4% dos beneficiários da Previdência que recebem até dois salários mínimos. O déficit para o pagamento das aposentadorias de pouco mais de 1 milhão de servidores inativos previsto para este ano é de 54 bilhōes de reais. Já o déficit dos trabalhadores rurais e urbanos aposentados na iniciativa privada, cerca de 30 milhões de pessoas, deve alcançar 218 bilhões. A divisão por indivíduo mostra como os servidores custam mais. Em 2016, o déficit por trabalhador urbano do INSS era de 1,8 mil reais. Em relação aos servidores públicos civis, o valor per capita subia para 63,3 mil reais. No caso dos militares reformados, o buraco era ainda maior: 127,6 mi reais de déficit per capita. Algumas categorias conseguem se aposentar mais cedo porque se considera que seu trabalho é especial, como a dos policiais militares, que ficam anos pesando na folha de pagamento depois de irem para a reserva. Há casos escandalosos, como a permissão para que mesmo oficiais expulsos tenham direito à aposentadoria – essa exceção foi aprovada no ano passado no Rio de Janeiro, por exemplo. Nesta semana, em mais uma mostra dos privilégios vigentes, o primeiro condenado com foro privilegiado na Lava Jato, Nelson Meurer, ganhou o direito de receber 28 mil reais de aposentadoria mensal por seus seis mandatos consecutivos como deputado federal.
Ao permitir aposentadorias por tempo de contribuição, o sistema privilegia os mais ricos: são eles, por terem mais estudo e maior acesso ao mercado de trabalho formal, que conseguem se aposentar mais cedo com vencimentos no teto permitido. Trabalhadores mais pobres comumente passam períodos sem assinar a carteira, ganhando mal, e só se aposentam pelo limite da idade, ganhando menos.

O mito do calote. Um argumento muito disseminado para se manter o atual sistema é o de que ele é deficitário porque não se cobram os “grandes devedores” do INSS. O conceito embute uma série de enganos. O principal é pensar que os 490 bilhões de reais reconhecidos contabilmente na dívida ativa da Previdência podem ser todos pagos. Nesse bolo, entram empresas estatais, prefeituras e empresas que simplesmente faliram e não mais existem. No caso dos entes públicos, o efeito para as contas seria nulo. No das companhias desaparecidas, como as companhias aéreas Vasp e Transbrasil, não há esperança de que o débito vá ser saldado. Assim, o que o governo considera dívida “recuperável”, como disse o procurador-geral adjunto de Gestão da Dívida Ativa da União, Cristiano Neuenschwander, é um total de160 bilhões de reais. Não é um dinheiro fácil de entrar nos cofres da União e, para isso, será enviado ao Congresso um projeto endurecendo as regras com os devedores, que também faz parte da Nova Previdência.

O mito do trabalho até morrer. O discurso de que o trabalhador vai morrer antes de se aposentar ou somente ter direito ao benefício quando estiver perto de falecer é comum e já chegou a ser usado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Na primeira entrevista após a posse, para o SBT, o presidente criticou a idade mínima de 65 anos para se aposentar, afirmando que “a expectativa de vida no Piauí é de 69 anos”. Na verdade, é menor: 67 anos. Mas essa é a expectativa de vida ao nascer. Essa estimativa é pressionada por fatores como, por exemplo, um índice anormal de mortes de homens jovens no Brasil, por violência, uso de drogas, álcool ou simples falta de cuidados com a saúde. Ou por problemas relacionados à miséria que atingem indistintamente todos os sexos, e talvez pudessem ser minorados se dinheiro gasto com o déficit na Previdência sobrasse para o saneamento básico, por exemplo. A expectativa média de vida dos brasileiros que chegam aos 60 anos é a que importa para os cálculos relacionados à aposentadoria. E ela é de 80 anos para homens e 84 anos para mulheres. No Piauí citado por Bolsonaro, chega perto dos 78 anos para homens e dos 82 anos para mulheres. E a previsão é de que a longevidade aumente: se existe um rumo predominante no desenvolvimento da humanidade é que ela sempre procurará aumentar o seu bem-estar, pesquisando curas para as doenças existentes ou prevenindo situações de violência e acidentes, por exemplo. Não se sabe ainda de uma sociedade que se esforça coletivamente para que todos vivam menos, e a do Brasil não é exceção, apesar de tudo.

O déficit que atrapalha o trânsito, mata gente e trava a educação. Uma consequência do déficit da Previdência na nossa vida, curiosamente, pode ser vista quando andamos de carro nas grandes cidades. Giambiagi aponta como exemplo o viaduto na Marginal Pinheiros, em São Paulo, interditado por falha estrutural no ano passado. É uma amostra palpável e grave da falta de dinheiro que os governos têm para investir em infraestrutura, por causa do dinheiro tragado para se pagar aposentadorias e pensões do setor público. Se a máquina de arrecadação estatal servir cada vez mais para esse fim, ficam sem verba obrigações com saúde, segurança e educação, para citar outros deveres básicos da administração pública. “Não se pode andar a mais de 90 quilômetros por hora na Linha Vermelha, por causa dos buracos: você quebra o carro”, acrescenta Vilma, recorrendo à via expressa carioca como outro solavanco proporcionado pelo abandono da infraestrutura por falta de dinheiro público. “Estamos na rota da falência fiscal”, alerta Giambiagi, no caso de tudo continuar como está. Entenda, a seguir, as principais mudanças sugeridas na PEC do governo para evitar a catástrofe.

O QUE MUDA

Idade mínima

Regra atual — Não existe para aposentadorias no setor privado, e no setor público é de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres.

Mudança proposta — Todos passarão a se aposentar aos 65 anos, se homens, e 62 anos, se mulheres. Aprovada a reforma, a idade mínima para mulheres na iniciativa privada será de 56 anos, e a dos homens, de 61 anos, para quem se aposentar por tempo de contribuição, que seria de 30 anos para mulheres e de 35 anos para homens. A cada ano, até se chegar às idades de 65 e 62 anos, a idade mínima aumenta seis meses. Quem estiver a dois anos de se aposentar, a partir da aprovação da reforma, depois de 35 anos de contribuição (homens) ou 30 anos (mulheres), terá de pagar um pedágio de 50% sobre o tempo que faltar. Assim, caso estejam faltando dois anos, inclui-se um ano a mais. No caso de um ano, seis meses a mais de trabalho para pedir o benefício.

Contribuição

Regra atual – As alíquotas dos trabalhadores inscritos no INSS variam de 8% a 11%. Para o servidor público, é de 11%, caso ele não tenha ingressado no funcionalismo até 2013 e aderido ao fundo de previdência complementar, o Funpresp.

Mudança proposta – Haverá alíquotas progressivas de desconto entre 7,5% a 14% para o INSS e que vão até 22% para servidores públicos. Copiando um modelo usado no imposto de renda, elas mudam de acordo com a faixa de renda do segurado. A alteração vai tirar dos cofres públicos, na verdade, 27,6 bilhões de reais em dez anos. Mas essa diminuição vai ser compensada pelos 29,3 bilhões de reais a mais que virão da alteração da regra com o serviço público, aponta Giambiagi. O economista avalia que a reforma se presta a sustentar a tese de que, com a mudança, quem ganha mais paga mais e quem ganha menos paga menos. Sem isso, aprovar o pacote fica mais difícil do que já é.

Benefícios

Regra atual – São baseados em 80% dos maiores salários de contribuição do trabalhador ao INSS. No caso do servidor público, os que ingressaram até 2003 têm direito a receber um valor igual ao último salário da carreira e aos reajustes que forem concedidos aos funcionários ativos. Os admitidos depois de 2013 têm benefício limitado ao teto do INSS, atualmente de 5.839,45 reais, mas podem contribuir com o fundo de pensão complementar.

Mudança proposta — Os benefícios serão baseados na média dos salários de contribuição para trabalhadores do setor privado. A partir dos 20 anos de contribuição, o segurado terá direito a 60% do valor do benefício. Ficando na ativa daí em diante, haverá um acréscimo de 2% até atingir o valor integral, o que seria obtido com 40 anos de contribuição. Os servidores públicos precisarão atingir a idade mínima de 65 anos, no caso dos homens, e 62 anos, no caso das mulheres, para terem direito ao benefício integral e aos reajustes de acordo com aumentos concedidos à categoria.

Pensão por morte do segurado

Regra atual — A pensão paga ao herdeiro é no valor integral no caso do INSS, respeitando o teto de 5,8 mil reais. Viúvas e viúvos de servidores públicos recebem 70% da parcela que superar o teto.

Mudança proposta — O valor passará a corresponder a 60%, mais 10% por dependente – incluindo a viúva ou viúvo que têm direito a receber. Quando os beneficiários deixarem de ser considerados dependentes, o pagamento cessa. A mudança não atinge quem já recebe pensões, mas valerá a partir da aprovação da PEC tanto para os servidores públicos quanto para os trabalhadores do setor privado.

Acúmulo de benefícios

Regra atual — Permite o acúmulo de aposentadoria e pensão.

Mudança proposta — O segurado ficará com o benefício de maior valor, e uma parte do outro de valor menor, em percentuais que mudam por faixa de salário. Ele receberá uma parcela de 80% do benefício se este for igual a um salário mínimo. Se for de até dois salários mínimos, o índice cai para 60%. Entre dois e três salários mínimos, o acréscimo é de 40%. E entre três e quatro salários mínimos, de 20%. Acima desse limite, não será permitido o acúmulo. Carreiras com sobreposições previstas por lei, como professores e médicos, ficam de fora da mudança, mas cada benefício a mais terá um teto de dois salários mínimos.

Aposentadoria por invalidez

Regra atual — É pago o valor integral do benefício correspondendo à média do salário de contribuição.

Mudança sugerida — A origem do problema que levou ao afastamento do mercado de trabalho vai determinar o valor do que será pago. Se for acidente de trabalho, continua valendo o valor integral. Nos outros casos, será pago 60% da média do salário de contribuição. Mas quem tiver mais de 20 anos de contribuição ganha mais 2% por cada ano que ultrapassar esse período. Para quem tiver direito a somente um salário mínimo, não haverá desconto.

Benefício de prestação continuada

Regra atual — O auxílio é dado para idosos a partir de 65 anos e deficientes a partir de qualquer idade, que sejam de famílias cuja renda mensal de cada integrante não supere um quarto do salário mínimo, ou o patrimônio total não fique acima de 98 mil reais. O valor é de um salário mínimo.

Mudança proposta — Idosos poderão receber o benefício cinco anos antes, a partir dos 60. Mas ele seria de 400 reais, chegando ao salário mínimo integral somente a partir dos 70 anos.

Exceções

Policiais federais, policiais civis e agentes penitenciários — Hoje os profissionais dessas categorias se aposentam com 30 anos de contribuição, no caso dos homens, e 25 anos de contribuição, no das mulheres, e tempo de atividade no serviço de 20 anos para homens e 15 anos para mulheres. A reforma propõe a instituição de idade mínima de 55 anos para homens e mulheres.  Tempo mínimo de contribuição mantido.

Policiais militares e bombeiros — Atualmente, as regras variam de estado para estado. A Ideia, com a reforma, é fazer a equiparação com as regras das Forças Armadas. O tempo na ativa exigido será de 35 anos, com abertura para cobrança da contribuição previdenciária para inativos, pensionistas e quem ainda estiver na academia de formação. Continuarão sem idade mínima.

Políticos — Para eles, a aposentadoria hoje é permitida a partir dos 60 anos, com 35 anos de contribuição, incorporando uma parcela do salário do Legislativo. A reforma prevê a inclusão da classe na regra de 65 anos para homens e 62 anos pra mulheres. Atingida essa idade sem os 35 anos de contribuição, será cobrado um pedágio de 30% sobre o tempo restante. Novos ocupantes de cargos eletivos seguirão as mesmas regras válidas para o restante dos trabalhadores do INSS.

Professores do ensino infantil, médio e fundamental — Hoje podem pedir aposentadoria após 30 anos de contribuição para homens e 25 anos de contribuição para a mulheres, nas escolas particulares. Na rede pública, há idade mínima de 55 anos para homens e 50 anos para mulheres, mas é possível se aposentar por tempo de contribuição, nos mesmos prazos da rede privada. Pela proposta, a idade mínima passa a ser de 60 anos para ambos os sexos e 30 anos de contribuição.

Trabalhadores rurais — Hoje eles se aposentam com idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres, sem obrigação de contribuir para a Previdência, mas com comprovação de ao menos 15 anos de trabalho rural. A reforma prevê que homens e mulheres terão a mesma idade mínima, de 60 anos, e deverão demonstrar ao menos 20 anos de contribuição, que poderá corresponder a um percentual obtido com a venda da produção ou a um valor de 600 reais anuais por núcleo familiar.

Anistiados políticos — Passarão a contribuir para a seguridade social nos mesmos termos da contribuição, não podendo mais receber cumulativamente aposentadoria e reparação mensal pela sua condição: terão de ficar com o maior benefício.

Aposentado que ainda trabalha — O empregador não terá mais a obrigação de recolher a contribuição do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, e nem de pagar a multa rescisória de 40% do FGTS em caso de rescisão.

O QUE AINDA FALTA

Militares — A equipe econômica ainda vai mandar para o Congresso um projeto de lei para mudar as regras relacionadas aos militares, que não fazem parte da Constituição.

Devedores — No caso das dívidas, o projeto deve proibir parcelamentos em prazo superior a 60 meses do débito e criar alternativas para recebimento de créditos considerados irrecuperáveis ou de difícil pagamento, além de facilitar a alienação judicial de bens e medidas punitivas contra o chamado “devedor contumaz”: este seria, por exemplo, o caso de uma empresa criada com o propósito específico de dar calote na Previdência.

Capitalização — O governo ainda vai mandar um projeto de lei complementar para o Congresso permitindo que trabalhadores optem por um regime de capitalização para as suas aposentadorias. No regime, os benefícios serão pagos de acordo com as contribuições que eles mesmos terão feito, e não pelas contribuições de quem estiver na ativa, como é o atual sistema brasileiro.

O QUE AINDA PODE SER ALTERADO

É certo que haverá mudanças no projeto do governo, e as críticas começaram pelo lado “social”. Vilma põe em dúvida a eficácia na mudança das regras do BPC, ressoando reprovações já ouvidas no Congresso Nacional, especialmente na oposição. A equiparação das idades de aposentadoria para trabalhadores rurais é outro ponto que gera controvérsia. Mas Giambiagi lembra que quando o BPC foi criado, em 1993, a idade para obtê-lo era de 70 anos. “O que o Brasil fez? Reduziu em dez anos, ao mesmo tempo em que a expectativa de vida aumentou outros cinco”, rememora, para apontar como essa operação onerou ainda mais os cofres sem criar uma nova fonte de arrecadação que a compensasse. O mesmo vale para as aposentadorias rurais, que não são sustentadas por contribuições, argumenta. “A aposentadoria rural é quase um benefício assistido”, define. “O país não tem mais recursos”. O economista não vê com bons olhos outro ponto: as aposentadorias diferenciadas de algumas categorias profissionais. “Outras categorias vão começar a se perguntar: por que não nós?”, diz.

DEPOIS DA REFORMA

O viaduto interditado não será subitamente consertado, os buracos na via expressa não se fecharão imediatamente, os gargalos na educação ou na saúde não desaparecerão da noite para o dia depois da aprovação da reforma da Previdência. Mas a economia prevista vai liberar dinheiro para os governos começarem a consertar esses problemas e prevenirem outros. E dará instrumentos para que eles arrumem a casa: as novas regras não só valerão para estados, municípios e o Distrito Federal, como eles deverão ampliar as alíquotas dos servidores por 180 dias em 14%, caso registrem déficit financeiro e na previdência.

Além disso, a simples negociação e o avanço da reforma cria perspectivas positivas em empresas e outros agentes da economia privada. Eles se mostrarão mais dispostos em investir num país onde os gastos públicos são controlados, há mais previsibilidade no comportamento da inflação e menor risco de aumento da dívida com juros pagos para o governo tomar dinheiro como forma de cobrir seu rombo. Diz Giambiagi: “Sem a reforma, as expectativas pioram e o colapso do conjunto dos serviços prestados pelo governo é iminente”. Esse, sim, é o verdadeiro terceiro trilho.

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