O ministro de 20 milhões
Não é de hoje que o ministro Gilmar Mendes se queixa de perseguição. Também não é de hoje que, ante questionamentos sobre sua conduta como juiz da mais alta corte do país, ele se defende alegando ser alvo de abusos. Não faz muito tempo, Gilmar chegou a acusar arapongas da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, de espioná-lo. Na última semana, eclodiu mais uma dessas situações. Na sexta-feira, 8, a coluna Radar, da revista Veja, publicou dois trechos de um documento que revelava a existência de uma “análise de interesse fiscal”, em curso na Receita Federal, na qual auditores estariam escarafunchando as movimentações financeiras e o patrimônio do ministro e de sua mulher, a advogada Guiomar Feitosa Mendes. O papel mencionava “possíveis fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência”. Coube ao próprio Gilmar dar o primeiro tiro. Ele logo disse estar sendo, mais uma vez, vítima de abusos. “A Receita não pode ser convertida numa Gestapo ou num organismo de pistolagem de juízes e promotores”, acusou, referindo-se à polícia que servia ao regime nazista de Adolf Hitler.
O ministro enviou um ofício ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, pedindo a “adoção de providências urgentes”. Ato contínuo, Toffoli repassou a cobrança de explicações à própria Receita e ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Dias depois, em nota, a Receita anunciou não haver uma investigação sobre Gilmar, mas apenas um procedimento preliminar que pode ou não evoluir para uma fiscalização mais rigorosa. Informou ainda que irá apurar o vazamento das informações e o eventual abuso de auditores que levantaram suspeitas de crimes sobre as movimentações do casal. Mas por que, afinal, o patrimônio de Gilmar Mendes e Guiomar Feitosa chamou a atenção?
Um dos imóveis adquiridos pelo casal é um apartamento de 137 metros quadrados e nove cômodos situado em uma das regiões mais nobres do centro de Lisboa, a capital de Portugal. Uma das cinco unidades de um prédio construído no século 19 e recém-reformado no Príncipe Real, área que virou objeto de desejo de milionários, o imóvel foi comprado pelo casal há pouco mais de dois anos. O contrato, assinado por Gilmar e Guiomar, registra que o negócio foi fechado por 550 mil euros – hoje, de acordo com estimativa de especialistas ouvidos por Crusoé, apartamentos similares na mesma região chegam a custar 1 milhão de euros (cerca de 4,2 milhões de reais).
No prédio lisboeta cercado por palacetes e bem perto da zona boêmia da cidade, Gilmar e Guiomar têm vizinhos conhecidos. Dos cinco apartamentos, quatro são de propriedade de brasileiros – e todos foram adquiridos recentemente. A unidade térrea foi comprada, um mês antes de o casal Mendes fechar negócio, pelo milionário Marcos Antônio Molina dos Santos, controlador do frigorífico Marfrig. Investigado nas operações Greenfield e Cui Bono, destinadas a apurar corrupção em bancos públicos e em fundos de pensão de empresas estatais, Molina fechou acordo com o Ministério Público para pagar 100 milhões de reais como compensação aos cofres públicos. Ele foi acusado de pagar 10 milhões em propina em troca da liberação de um financiamento pela Caixa.
Gilmar Mendes é a grande estrela da família. Dono de faculdade e um dos mais influentes ministros do Supremo, ele concentra seu patrimônio sobretudo em Brasília e Diamantino, sua cidade natal, em Mato Grosso. Mas boa parte do dinheiro (e dos bens) do casal vem de sua mulher, a advogada Guiomar Mendes. De família rica com negócios no Ceará, ela é sócia de uma das bancas mais requisitadas (e caras) do Rio de Janeiro, a do advogado Sergio Bermudes. Documentos obtidos por Crusoé mostram que Guiomar recebe cerca de 280 mil reais por mês do escritório.
Se foi Guiomar quem custeou a expansão da área onde está a casa da no Lago Norte de Brasília, é no nome de Gilmar que estão as duas propriedades vizinhas, compradas uma em 2006 e outra em 2012 da família Graeff – o negócio mais recente foi fechado com Eduardo Graeff, secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso. Em Brasília, o ministro ainda é dono de terrenos em duas áreas que se valorizaram com a expansão da cidade e de um apartamento de 1 milhão de reais localizado na Asa Norte, outra zona nobre da cidade. Gilmar também é conhecido por colecionar obras de arte. Ele é dono de quadros e esculturas de artistas celebrados. Um de seus prediletos é Alfredo Ceschiatti (1918-1989), o escultor mineiro cujas obras ornamentam os mais importantes palácios de Brasília.
Além de arrecadar com os cursos de graduação e pós-graduação, nos quais costuma contar com professores que também são juízes de tribunais superiores, o IDP acumulou receitas nos últimos anos com eventos, muitos deles com a presença de sua maior estrela, Gilmar Mendes. Como Crusoé revelou em maio passado, o instituto faturou pelo menos 7 milhões de reais desde 2011 com patrocínios. Parte do valor, conforme destacou a reportagem àquela altura, vinha de empresas que não faziam questão de exibir suas marcas. Eram patrocínios ocultos.
De nomes como Santa Cecília, Jaó e Estreito do Rio Claro, as fazendas de Gilmar Mendes têm cerca de 5 mil hectares – algo como 5 mil campos de futebol. Uma parte dos imóveis o ministro herdou e outra, ele comprou. Gilmar divide as fazendas com familiares, entre eles o irmão Francisco Mendes, ex-prefeito da cidade. A soma das parcelas das propriedades que cabem ao ministro chegam a 3 milhões de reais. O cálculo é conservador e não contempla benfeitorias, animais (Gilmar é dono de ao menos mil cabeças de gado) e plantações. Crusoé procurou o gabinete do ministro para ouvi-lo, entre outras coisas, sobre a relação entre a evolução patrimonial de sua família e a análise iniciada por auditores da Receita Federal, mas não obteve resposta.
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