Moro versus PCC
Foi uma operação de guerra para evitar uma batalha: a partir da madrugada de quarta-feira, 12, policiais, agentes penitenciários e soldados do exército foram mobilizados para uma operação de transferência de 22 líderes da mais importante facção criminosa do país, o Primeiro Comando da Capital, conhecido pela sigla PCC. Eles foram retirados de prisões em Presidente Bernardes e Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, e levados para três presídios federais de segurança máxima — em Brasília, na capital de Rondônia, Porto Velho, e em Mossoró, no Rio Grande do Norte.
A operação foi planejada no momento em que se descobriu um plano para libertar o principal chefe da facção, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. O plano iria praticamente transformar em um campo de batalha a cidade de Presidente Venceslau, onde fica a penitenciária em que Marcola estava encarcerado. Até mercenários africanos seriam usados para atacar tanto a unidade prisional como o quartel da PM da cidade e outras bases policiais próximas, em uma ação que incluiria o corte dos serviços de energia e de telecomunicações do município.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, agiu mais rápido. Com a ajuda de equipes da Polícia Federal e do Exército à polícia e agentes penitenciários de São Paulo, garantiu as transferências para presídios federais que já haviam sido determinadas pela Justiça paulista. Os presos só souberam que seriam transferidos para presídios federais quando embarcaram no avião. Com isso, Moro abriu a prometida guerra com um adversário mais capilarizado e perigoso do que os empresários e políticos conectados pela rede de corrupção desenrolada pelas investigações da Lava Jato, a operação que o catapultou para o estrelato.
O confronto direto contra autoridades de segurança foi o que tornou o PCC famoso. A estreia foi uma rebelião em 29 presídios distribuídos em 16 municípios de São Paulo, em fevereiro de 2001. Àquela altura, a facção já contava com oito anos de expansão. Em maio de 2006, o PCC conseguiu paralisar a capital paulista por meio de uma série de atentados — o feito criminoso o transformou numa organização que forja lendas, discursos e estatutos para exercer o seu poder.
Entre os mitos, estão os de “batismo” de novos integrantes com pactos de ingestão de sangue. Inequívocos são os métodos escolhidas para execuções: rivais são decapitados, traidores têm os olhos arrancados, delatores acabam com um cadeado na boca. E ex-líderes podem escolher entre morrer com golpes de facão ou se suicidar por enforcamento. Rogério Jeremias de Simone, o “Gegê do Mangue”, iniciou-se no crime fornecendo drogas à zona boêmia da Vila Madalena, em São Paulo, e tornou-se o líder da facção em liberdade. Há quase um ano, o corpo de Gegê foi achado ao lado do de um comparsa em uma área indígena em Aquiraz, na região metropolitana de Fortaleza. Estava com os olhos perfurados. Morreu por ser considerado um traidor do PCC.
Foi o primeiro embate, na prática, do ministro contra o PCC, mas de uma maneira indireta. Na madrugada de quarta-feira, quando os líderes da facção foram retirados de suas celas ao mesmo tempo em que fiscalizações de surpresa eram realizadas em outros presídios paulistas, para conter rebeliões como forma de reação, o confronto tornou-se direto. Entre a manhã de quarta-feira, 13, e a madrugada de quinta-feira, 14, a Polícia Militar de São Paulo prendeu 326 pessoas em blitzes realizadas em todo o estado, para sufocar a possibilidade de ataques em reação à transferência de Marcola. Do total de presos, 100 já tinham mandado de prisão expedidos.
A vigilância redobrada vai continuar em São Paulo, assim como nas cidades em que estão os presídios federais para onde foram levados Marcola e os outros 21 chefes da facção. As três penitenciárias estão cercadas por tropas do Exército armadas de metralhadoras e outras armas apropriadas para repelir um cerco de um batalhão inimigo. Os militares devem permanecer por pelo menos mais dez dias fazendo a segurança das unidades. Ao menos por um tempo, os chefes do PCC deverão ficar isolados.
Na quarta-feira em que Porto Velho recebia uma parcela de líderes da organização criminosa, a Polícia Civil de Rondônia realizou uma operação que abrangeu o Mato Grosso do Sul, para desbaratar uma rede de criminosos que praticava assaltos, assassinatos e explorava rotas de tráficos de drogas comandadas pelo PCC. Articulado com os governos estaduais, Moro terá de estar sempre um movimento à frente de um inimigo que não perdoa deslizes. Esse jamais foi um problema para o ex-juiz da Lava Jato.
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