Adriano Machado/Crusoé

Moro versus PCC

Ao transferir os chefões da facção que comanda o crime dentro e fora dos presídios, o ministro dá início a uma guerra que se anuncia cruenta
15.02.19

Foi uma operação de guerra para evitar uma batalha: a partir da madrugada de quarta-feira, 12, policiais, agentes penitenciários e soldados do exército foram mobilizados para uma operação de transferência de 22 líderes da mais importante facção criminosa do país, o Primeiro Comando da Capital, conhecido pela sigla PCC. Eles foram retirados de prisões em Presidente Bernardes e Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, e levados para três presídios federais de segurança máxima — em Brasília, na capital de Rondônia, Porto Velho, e em Mossoró, no Rio Grande do Norte.

A operação foi planejada no momento em que se descobriu um plano para libertar o principal chefe da facção, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. O plano iria praticamente transformar em um campo de batalha a cidade de Presidente Venceslau, onde fica a penitenciária em que Marcola estava encarcerado. Até mercenários africanos seriam usados para atacar tanto a unidade prisional como o quartel da PM da cidade e outras bases policiais próximas, em uma ação que incluiria o corte dos serviços de energia e de telecomunicações do município.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, agiu mais rápido. Com a ajuda de equipes da Polícia Federal e do Exército à polícia e agentes penitenciários de São Paulo, garantiu as transferências para presídios federais que já haviam sido determinadas pela Justiça paulista. Os presos só souberam que seriam transferidos para presídios federais quando embarcaram no avião. Com isso, Moro abriu a prometida guerra com um adversário mais capilarizado e perigoso do que os empresários e políticos conectados pela rede de corrupção desenrolada pelas investigações da Lava Jato, a operação que o catapultou para o estrelato.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressComboio de viaturas durante a transferência: um avião militar foi usado para transportar os chefes do PCC
Se para escapar da punição os antigos alvos de Moro lançavam e ainda lançam mão de recursos protelatórios na Justiça e a disseminação do discurso de perseguição política, o PCC recorre à violência pura e simples. No plano abortado com a transferência de Marcola e dos outros 21 bandidos, estavam previstos os assassinatos de um deputado estadual, de um promotor e do ex-secretário de Administração Penitenciária de São Paulo Lourival Gomes.

O confronto direto contra autoridades de segurança foi o que tornou o PCC famoso. A estreia foi uma rebelião em 29 presídios distribuídos em 16 municípios de São Paulo, em fevereiro de 2001. Àquela altura, a facção já contava com oito anos de expansão. Em maio de 2006, o PCC conseguiu paralisar a capital paulista por meio de uma série de atentados — o feito criminoso o transformou numa organização que forja lendas, discursos e estatutos para exercer o seu poder.

Entre os mitos, estão os de “batismo” de novos integrantes com pactos de ingestão de sangue. Inequívocos são os métodos escolhidas para execuções: rivais são decapitados, traidores têm os olhos arrancados, delatores acabam com um cadeado na boca. E ex-líderes podem escolher entre morrer com golpes de facão ou se suicidar por enforcamento. Rogério Jeremias de Simone, o “Gegê do Mangue”, iniciou-se no crime fornecendo drogas à zona boêmia da Vila Madalena, em São Paulo, e tornou-se o líder da facção em liberdade. Há quase um ano, o corpo de Gegê foi achado ao lado do de um comparsa em uma área indígena em Aquiraz, na região metropolitana de Fortaleza. Estava com os olhos perfurados. Morreu por ser considerado um traidor do PCC.

Rogério Cassimiro/FolhapressRogério Cassimiro/FolhapressMarcola, o número um da facção: rodízio nas penitenciárias federais para evitar plano de fuga
O mesmo Ceará é o estado onde o PCC mostrou que sabe negociar com rivais, especialmente quando o objetivo era aterrorizar a população. Feita uma aliança com o Comando Vermelho, organização nascida no Rio, começaram os ataques em janeiro. Atentados a delegacias, explosão de pontes, incêndios de veículos pipocaram em resposta à decisão do governo cearense de não respeitar a divisão dos presidiários  do estado de acordo com as facções a que pertencem cada detento. A onda de crimes levou a um pedido de socorro a Brasília. Moro respondeu prontamente, enviando tropas de Força de Segurança Nacional.

Foi o primeiro embate, na prática, do ministro contra o PCC, mas de uma maneira indireta. Na madrugada de quarta-feira, quando os líderes da facção foram retirados de suas celas ao mesmo tempo em que fiscalizações de surpresa eram realizadas em outros presídios paulistas, para conter rebeliões como forma de reação, o confronto tornou-se direto. Entre a manhã de quarta-feira, 13, e a madrugada de quinta-feira, 14, a Polícia Militar de São Paulo prendeu 326 pessoas em blitzes realizadas em todo o estado, para sufocar a possibilidade de ataques em reação à transferência de Marcola. Do total de presos, 100 já tinham mandado de prisão expedidos.

A vigilância redobrada vai continuar em São Paulo, assim como nas cidades em que estão os presídios federais para onde foram levados Marcola e os outros 21 chefes da facção. As três penitenciárias estão cercadas por tropas do Exército armadas de metralhadoras e outras armas apropriadas para repelir um cerco de um batalhão inimigo. Os militares devem permanecer por pelo menos mais dez dias fazendo a segurança das unidades. Ao menos por um tempo, os chefes do PCC deverão ficar isolados.

Agência BrasilO recém-inaugurado presídio federal de Brasília recebeu parte dos detentos
Para Marcola, o rigor será especial. A ideia é que ele fique 22 horas do dia isolado e sem ponto de energia na cela. Visitas, só por parlatório ou videoconferência, segundo uma portaria assinada por Moro na mesma quarta-feira da transferência, endurecendo as regras para os internos dos presídios federais. Está previsto, ainda, que o chefão do PCC troque de endereço de seis em seis meses, fazendo uma espécie de rodízio por penitenciárias de segurança máxima do governo federal, para que seus aliados do lado de fora não tenham tempo de arquitetar um plano de fuga.

Na quarta-feira em que Porto Velho recebia uma parcela de líderes da organização criminosa, a Polícia Civil de Rondônia realizou uma operação que abrangeu o Mato Grosso do Sul, para desbaratar uma rede de criminosos que praticava assaltos, assassinatos e explorava rotas de tráficos de drogas comandadas pelo PCC. Articulado com os governos estaduais, Moro terá de estar sempre um movimento à frente de um inimigo que não perdoa deslizes. Esse jamais foi um problema para o ex-juiz da Lava Jato.

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