Jorge Araújo/Folhapress

25 anos, e contando…

Lula é mais uma vez condenado, agora no caso do sítio de Atibaia. As penas do ex-presidente petista já somam duas décadas e meia em regime fechado. Mas em breve podem passar de meio século
08.02.19

Desde a prisão de Lula em 7 de abril do ano passado, 307 dias se passaram. Descontando as poucas situações em que ele saiu da prisão sob escolta para compromissos no tribunal, nada menos que 7.300 horas se passaram. É bastante tempo, embora isso não signifique nem a décima parte da pena de 12 anos e 1 mês a que ele foi condenado no processo do tríplex do Guarujá. Mas ainda há muito mais por vir. Na quarta-feira, 6, as contas do ex-presidente com a Justiça foram reajustadas. Agora são duas condenações, e um total de 25 anos de prisão. A longa sentença de 360 folhas da juíza Gabriela Hardt no processo do sítio de Atibaia coloca no limbo o político que já foi o mais popular da história do país e, até o ano passado, gozava de um capital eleitoral relevante. Lula agora é um presidiário duplamente condenado por receber cerca de 3 milhões de reais em propinas, em dois imóveis diferentes, com inúmeras testemunhas e documentos. Ante tantas provas, as tentativas petistas de colocá-lo como vítima de perseguição da Lava Jato soam cada vez mais vãs. Ou será que empreiteiros reformam sítios de amigos de um ex-presidente da República apenas por afeto?

O primeiro capítulo da derrocada de Lula veio na forma de dois dispositivos da legislação penal que definem os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, quando o então juiz Sergio Moro o condenou a 9 anos e meio de prisão. Depois, três desembargadores aumentaram a pena. Ali, o objeto da acusação era um apartamento reformado e mobiliado pela empreiteira OAS, o famoso tríplex com vista para o mar do Guarujá. Embora tenha visitado as obras e apontado as benfeitorias que deveriam ser feitas no imóvel, Lula não chegou a usufruir do mimo da empreiteira porque a Lava Jato chegou antes: o comando da OAS foi preso e o plano, interrompido.

Não é o caso da condenação assinada por Gabriela Hardt, a substituta de Moro. O processo do sítio de Atibaia tem todos os elementos de uma investigação clássica, com provas e testemunhos à exaustão. A trama de corrupção que levou a juíza a decidir pela pena de 12 anos e 11 meses é didática. Há de tudo: laranjas, pressão para agradar o “chefe” e muitas, muitas provas, de quem era o verdadeiro dono do recanto. Lula se lambuzou da boa vontade das empreiteiras que multiplicaram seus lucros com os desvios na Petrobras. Em Atibaia, a propina chegou a cerca de 1 milhão de reais em benfeitorias executadas pela OAS, pela Odebrecht e pelo fazendeiro José Carlos Bumlai, que triangulou recursos provenientes de outra estrela do petrolão, a construtora Schahin.

ReproduçãoReproduçãoA juíza Hardt: a vantagem indevida em decorrência do cargo é agravante
Para chegar à decisão, a juíza fatiou a história. Primeiro, deixou claro como OAS e Odebrecht valeram-se dos diretores da Petrobras nomeados pelo governo Lula para desviar dinheiro e distribuir propina. Hoje, depois de tantas fases da Lava Jato, processos, condenações, delações e provas levantadas, chega a soar como uma obviedade o consórcio entre políticos e empreiteiros às custas da Petrobras. Restava, então, mostrar como os empresários agraciados beneficiaram Lula pessoalmente. E é aí que entra o sítio.

De nome Santa Bárbara, na estrada Clube da Montanha em Atibaia, o sítio é um local discreto e aprazível, com lagoa e piscina, envolto por matas e até com sinal de celular garantido pela operadora Oi (mas essa é outra história). O ano era 2011 e Lula estava no auge. Em vez de abrir o bolso e comprar uma propriedade, como qualquer cidadão honesto e com capacidade financeira faz, passou a usar o sítio que está em nome dos sócios do filho dele, Fábio Luís, o Lulinha. E não se tratava de curtir um fim de semana de vez em quando. A lista de itens apreendidos pela Polícia Federal é longa e mostrava quem de fato usava a propriedade: rótulos de remédios em nome de Marisa Letícia, presentes destinados a Lula, agenda da Presidência da República, caixas de mudanças vindas do Planalto, uma embarcação com a inscrição “Lula & Marisa” e até pedalinhos em forma de cisnes com os nomes dos netos do casal.

Caía por terra o argumento da defesa do ex-presidente de que ele não era, no papel, o proprietário do imóvel. Isso, aliás, tornou-se irrelevante diante das provas. Tanto que a juíza fez questão de escrever na sentença que não se tratava de discutir quem é o dono da propriedade. “Reputo que restou amplamente comprovado pela instrução dos autos que a família do ex-presidente Lula era frequentadora assídua do imóvel, bem como que o usufruiu como se dona fosse, inclusive mais do que seu proprietário formal, Fernando Bittar. Este inclusive confirmou que este fato ocorreu ao menos a partir de 2012. Portanto, sendo proprietário ou não do imóvel, é fato incontroverso que foram efetuadas reformas e comprados objetos para atender interesses de Luiz Inácio Lula da Silva e de sua família”, escreveu Gabriela Hardt.

Os próximos capítulos

Confirmado que, de fato, Lula era o dono do sítio, coube então à juíza analisar as obras. No processo, pelo menos quatro delatores foram citados como forma de corroborar o que os investigadores já haviam descoberto sobre o esquema. Mas há mais do que isso. Os executivos da OAS e Odebrecht admitiram que custearam as reformas. E, de novo, as provas não se resumem a depoimentos. Há notas fiscais, e-mails tratando da obra e testemunhas. Um caso envolvendo a Odebrecht ilustra a pressa em finalizar o upgrade no sítio. Era 15 de janeiro de 2011. Lula havia deixado o Planalto duas semanas antes. E-mails trocados na véspera entre engenheiros e um executivo da Odebrecht informavam que aquele seria o último dia da obra. Depois, o “cliente” faria um pedido de alguns ajustes que seriam executados por funcionários locais. Havia um alerta: “O mais importante é que estamos tirando nosso pessoal de lá amanhã”.

A investigação avançou com um novo depoimento. Não era um delator, não era um inimigo político, não era um interessado em reduzir pena. Era o caseiro do sítio, conhecido como Maradona. “O presidente esteve no sítio pela primeira vez, em 15 de janeiro de 2011”, disse. Pela narrativa petista de perseguição, até o caseiro teria que ter sido cooptado pela Lava Jato para dar tanta precisão ao caso.

Na sentença, a juíza Hardt usou a palavra propina 222 vezes para explicar o caso. Corrupção, outras 236. Ela ainda percebeu um ato falho de Lula. Primeiro, o petista disse em seu depoimento que a mobília da cozinha foi “oferecida” por um arquiteto da OAS. Depois, que “não sabia” quem custeou a obra. Um dos trechos destaca outro ponto do depoimento de Lula – aquele em que a juíza fez o ex-presidente gaguejar. Era uma amostra de como Lula achava que, sendo ex-presidente, ainda tinha plenos poderes (e benefícios). Gabriela Hardt perguntou por que ele ocupava o quarto principal do sítio que não era dele, inclusive com objetos pessoais. Lula, acredite, comparou suas estadias no sítio às visitas que fazia a outros países como chefe de Estado.

ReproduçãoReproduçãoLula sob interrogatório: as provas são contundentes
Disse ele: “Isso era uma deferência que eu recebia tanto lá na chácara quanto recebia no palácio da rainha da Inglaterra, no palácio da rainha da Suécia, em vários lugares que eu frequentei, inclusive no Kremlin. Sabe, eu tive o prazer de ser convidado a dormir no Kremlin. Eu não sei o que que o Ministério Público viu de absurdo nisso”. O absurdo que Lula não quis ver guiaria a decisão da magistrada: o homem que um dia gozou de tantas deferências topou se deliciar à custa do dinheiro de empreiteiras que roubavam na Petrobras.

No processo, a defesa do ex-presidente tentou algumas chicanas. Chegou a pedir suspensão do julgamento do processo para que um comitê ligado à ONU decidisse o caso – como se, para processar Lula, o Judiciário brasileiro devesse antes se submeter a um órgão estrangeiro. Um delírio. Ao definir a pena, Gabriela Hardt considerou o cargo outrora ocupado por Lula como um agravante. Não era só mais um caso de corrupção. Não era mais um político se aproveitando do poder. Era o ex-presidente da República recebendo benesses. “A culpabilidade é elevada. O condenado recebeu vantagem indevida em decorrência do cargo de Presidente da República, de quem se exige um comportamento exemplar enquanto maior mandatário”, escreveu.

Uma explicação para a queda de Lula e o apego aos agrados dos empreiteiros veio de um amigo de longa data. Não está no processo de Atibaia, é verdade, mas é um exemplo cabal do que Lula se tornou após oito anos de poder. Em sua delação premiada, o ex-ministro Antonio Palocci disse que o velho companheiro não queria pagar pelo tríplex no Guarujá. “Um apartamento na praia não cabe em minha biografia”, contou Palocci, reproduzindo o que ouvira de Lula. De fato, gastar alguns milhões com tríplex na praia ou sítio no interior poderia pegar mal para quem se orgulhava da origem pobre. Lula fez uma escolha e agora está preso, com grandes chances de ficar na cadeia por muitos anos ainda. Poderia dizer não às ofertas de agrados. Poderia pagar do próprio bolso. Mas preferiu as deferências dos amigos multimilionários. No meio do caminho, havia a Lava Jato. E a biografia que não podia comportar a compra de um imóvel, ou de dois, já foi tisnada por duas condenações. E, ao que tudo indica, há outras a caminho. Ao todo, ele pode ser condenado a mais de meio século de cana.

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