Agência Brasil

O guru ataca a farda

Por que os tiros de Olavo de Carvalho contra o núcleo militar do governo são respondidos com o silêncio. Ao menos por enquanto
01.02.19

No último sábado, 26, o escritor Olavo de Carvalho, tido como o “guru” de Jair Bolsonaro, postou em seu canal no Youtube um vídeo intitulado “Injustiça Monstruosa”. Era mais uma gravação com declarações polêmicas. Só que o vídeo chamou mais atenção pelos alvos escolhidos: o vice-presidente Hamilton Mourão e os demais generais que compõem o núcleo duro do novo governo. Ainda durante a campanha, ele já havia desferido alguns ataques ao grupo. Agora, voltou à carga. Olavo sabe que os militares não simpatizam com alguns de seus pupilos na Esplanada, como o chanceler Ernesto Araújo. E, assim, demarca território.

Mourão foi o destinatário principal dos petardos mais recentes. No vídeo de sábado, Olavo disparou críticas às declarações do vice-presidente sobre a celeuma armada em torno do deputado Jean Wyllys, do PSOL do Rio, um dos principais adversários políticos de Bolsonaro. Dois dias antes, Wyllys havia anunciado que renunciaria ao mandato na Câmara para o qual fora reeleito em outubro e deixaria o Brasil por estar sofrendo ameaças. Mourão disse ver uma fala “genérica” do parlamentar do PSOL, mas contemporizou, ao afirmar que “quem ameaça um parlamentar está cometendo um crime contra a democracia”.

Olavo rebateu. “Ameaçar um sujeito que se tornou o símbolo do movimento que elegeu o presidente da República sem que ele tenha o menor meio de defesa. Isso não é um perigo para a democracia, general?”, dissse, acrescentando que sofre “ameaças e insultos”. “Desde o tempo do Orkut, que havia 5.000 pessoas escrevendo contra mim diariamente.” Olavo não parou por aí: “Mourão, você não tem vergonha de puxar o saco desse Jean Wyllys e nada fazer em minha defesa?”, acrescentou.

Na terça-feira, 29, o escritor retomou a artilharia. Por meio de sua página no Facebook, atacou o encontro do vice-presidente com o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, e outras autoridades no dia anterior. “Enquanto os israelenses estavam socorrendo as vítimas da tragédia de Brumadinho, o Mourão estava trocando beijinhos com a delegação palestina, prometendo que a nossa embaixada não vai mudar para Jerusalém”, escreveu.

Vivi Zanatta/FolhapressVivi Zanatta/FolhapressOlavo de Carvalho em Richmond, na Virgínia: tiros em direção a Brasília
Olavo aproveitou o ensejo para atirar contra mais um general ligado a Bolsonaro: Paulo Chagas, que concorreu ao governo do Distrito Federal pelo PRP, mas acabou em quarto lugar, com 7,35% dos votos válidos. “Se dependermos de tipos como Paulo Chagas e Mourão, em menos de um ano a quadrilha petista estará de volta ao poder, amparada nos serviços secretos da Rússia e da China.”

Outro alvo foi Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional. Desta feita, o motivo das críticas era a atenção que Heleno costuma dispensar aos jornalistas – categoria que, para Olavo, mente sobre as Forças Armadas e o presidente da República. “Vejam se todo esse pessoal da mídia escreveu alguma coisa contra algum general nos últimos meses. Nada”, afirmou o escritor, a partir de seu rancho na Virgínia, nos Estados Unidos. Ele ainda fez um desabafo: disse que está a ponto de desistir de falar da política brasileira em razão dos ataques que sofre.

Nenhum militar rebateu publicamente Olavo. O argumento é de que não vão “perder tempo” ou dar palanque ao escritor, que consideram não estar no mesmo nível dos generais. Por enquanto, a resposta será o silêncio. Em conversas reservadas, porém, não sobram críticas. Aliados de Mourão, por exemplo, dizem que o vice-presidente nunca chegou a ler um livro do “guru” de Bolsonaro e só o acompanhou quando ele escrevia artigos no jornal O Globo criticando o PT. “O Olavo nem sequer é formado. E todos nós sabemos que ele não passa nem no teste psicotécnico do Detran”, brincou um interlocutor do vice-presidente.

Por trás da guerra entre Olavo e os militares está uma disputa por influência no governo. Os generais nunca engoliram a escolha do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tido como indicação do escritor. Mourão já deixou isso claro ao colocar em dúvida, publicamente, a capacidade do ministro de conduzir a política externa brasileira. “Terá Ernesto condições de tocar e dizer o que é a política externa do Brasil? Porque ele não falou o que pretende fazer”, afirmou o vice em entrevista recente. A crítica foi sentida no Itamaraty e na Virgínia. Os militares também veem com reservas o que seria o excessivo protagonismo dos filhos de Bolsonaro — muito próximos de Olavo. O combate, ao que tudo indica, será de longa duração.

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