Adriano Machado/Crusoé

O grande teste

Os bastidores das articulações que definiram a sucessão no Congresso. Os resultados, tanto na Câmara quanto no Senado, põem à prova a disposição dos novos parlamentares de virar a página da velha política. Crusoé acompanhou de perto uma "reunião secreta" dos senadores que se uniram para derrotar Renan
01.02.19

O grupo de senadores que tentava construir uma candidatura única de peso contra Renan Calheiros na eleição para a presidência do Senado recorreu até a Deus para derrotá-lo. Na quinta-feira pela manhã, eles se juntaram para uma reunião que se pretendia secreta. Para não chamar atenção, marcaram o encontro para um hotel de luxo às margens do Lago Paranoá. Na business room do Golden Tulip, logo após a chegada, um deles observou, em tom solene: o lugar “favorece a oração”. Outro senador lembrou que todos estavam ali pelas mãos dos eleitores, mas “autorizados por Deus”. A reunião secreta dos candidatos anti-Renan logo ganharia mais uma marca religiosa. Antes de entrarem propriamente na prosa, eles se deram as mãos e rezaram o Pai Nosso. Estavam presentes Alvaro Dias (Podemos), Angelo Coronel (PSD), Davi Alcolumbre (DEM), Esperidião Amin (PP), Major Olímpio (PSL), Simone Tebet (MDB) e Tasso Jereissati (PSDB). Ao fim da oração, após dizerem “amém”, pausa para uma piada: alguém lembrou que todos haviam acabado de dizer “amém” e não “Amin” – e que o novo senador catarinense não deveria se animar porque ele não estava, naquele instante, sendo ungido o candidato de consenso do grupo para enfrentar o velho cacique alagoano. Sim, caro leitor: a depender das circunstâncias, nem as piadas em Brasília costumam ter muita graça.

O encontro durou três horas e serviu para mostrar que, mesmo quando se trata de derrubar Renan, um monumento aos velhos costumes do poder, os hábitos e vaidades que movem as engrenagens da política não se dissipam. Há projetos pessoais que se sobrepõem aos coletivos, bem como estratégias partidárias que se impõem sobre as vontades da maioria da sociedade. O encontro, enfim, terminou sem que os senadores definissem um nome de consenso que, fortalecido, pudesse ter mais chances na disputa. Nem Amin, nem Tebet, nem Tasso, nem Alvaro, nem os demais. Apesar dos esforços espirituais, eles saíram como chegaram. E a confusão seguia firme.

Foi assim durante os dias que antecederam a eleição destinada a definir o novo  presidente do Senado, que comandará a casa nos próximos dois anos. As articulações foram marcadas por elementos inéditos. Nunca houve tantos candidatos, nem tantos candidatos contra um candidato, nem um governo tão pouco influente em um processo interno no Congresso. Tampouco um cacique multi-investigado que conseguisse firmar-se como um dos favoritos, a despeito de todas as reações a sua figura. Já na Câmara, nada de novo. Prevaleceu o toma lá dá cá, com muitas promessas de cargos na mesa diretora. Tudo oferecido em troca de voto.

Nas duas casas, sobraram lições sobre a propalada transformação na política brasileira. Por que os adversários de Renan que clamaram a Deus por uma vitória do grupo, mesmo somados, não conseguiram antecipadamente se unir para enfrentá-lo? Mais do que isso, por que Renan ainda conseguiu chegar na disputa com força, a despeito do recado das urnas de 2018 pela renovação? Na longa e inconclusiva reunião no hotel, algumas das respostas a essas perguntas chegaram a ser ensaiadas. “Eles (o grupo de Renan) não são a chefia do Senado, eles são donos do Senado. Eles fizeram favores a vários senadores. Todo tipo de favor, legítimos e ilegítimos”, disse Tasso Jereissati, sugerindo que Renan tem muitos políticos em suas mãos. “Foi chantagista. Se elegermos o Renan, voltamos para o chão e de bruços”, afirmou Alvaro Dias. Simone Tebet foi a que mais falou. E expôs o “projeto Renan”, apontando como seu correligionário do MDB pretende atuar em relação ao governo Bolsonaro: “(Ele vai dizer:) Eu te entrego as reformas, mas na hora que acontece o que saiu hoje de manhã, como a delação da Transpetro (uma alusão à operação da Polícia Federal com base em uma delação que revelou novos esquemas na subsidiária da Petrobras), ele vai chegar e falar: ‘Presidente, tira o Moro do meu cangote que eu faço tudo para você’”.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéRenan, o resistente: desde o começo, o homem a ser batido
A portas fechadas, os adversários de Renan foram abrindo o jogo sobre suas reais intenções ao permanecer na disputa, e deixando evidente que muitas vezes as candidaturas são oficializadas seguindo uma lógica que não mira necessariamente a vitória. Major Olímpio afirmou, sem meias palavras, que estava ali porque seu partido, o PSL, não queria que o DEM tomasse conta da Esplanada. “A candidatura (de Davi Alcolumbre ao Senado) tem um pecado capital que se chama DEM”, afirmou. Olímpio sugeriu ainda que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, descumpre orientação do presidente: “Bolsonaro pediu absoluta isenção (do governo) nesse processo. Se isso não está sendo entendido por qualquer um, foge à determinação explícita do Bolsonaro”.

Amin em nenhum momento defendeu sua candidatura. Designado pelo grupo para estudar a melhor estratégia regimental para o embate com Renan na eleição, limitou-se a dizer que “se não houver convergência antes, o final é imprevisível”. “O segundo turno dos sonhos do Renan é contra Davi”, observou. Davi é Davi Alcolumbre. Aos 41 anos e em seu primeiro mandato de senador, ele construiu sua candidatura longe dos holofotes. Ao longo da campanha pela presidência do Senado, ele não disse publicamente o que pensa sobre o Brasil ou mesmo sobre as reformas econômicas pretendidas por Bolsonaro. Preferiu sempre as conversas privadas com políticos, muitas delas com o uso de um jatinho alugado pelo DEM com recursos públicos do fundo partidário. Deixou correr a ideia de que é próximo do Palácio do Planalto.

Com tom de voz alto, Alcolumbre começou a falar e foi alvo de chacota, em outro momento de descontração no encontro: “Você fala muito alto, vai perturbar os cardíacos”, disse um. “Você fala muito baixo, eu não consigo te ouvir”, ironizou outro. Procurando mostrar que sua candidatura era um movimento sem volta, ele disse ter estado em 19 estados durante a campanha, onde firmou “muitos compromissos”. “Se algum aqui tiver mais votos do que eu para derrotar Renan Calheiros, terei o maior prazer (em apoiar). Conversei com muita gente, muitos parlamentares brigaram em seus estados com governadores e em suas bancadas a favor de mim. Está difícil fazer essa composição nesse momento.” Alcolumbre afirmou ainda que acataria todos os pedidos do grupo anti-Renan durante a eleição. Ela já sabia que, pelo regimento, poderia conduzir os trabalhos da sessão destinada a eleger o novo presidente. Em seguida, fez uma revelação: apontou que o presidente do Senado, Eunício Oliveira, pediu que ele se filiasse ao MDB e concorresse ao Senado pela legenda. A reunião não deu em nada e todos eles serão candidatos na eleição desta sexta-feira. A exceção é Tebet, que horas depois perderia para Renan, por 7 votos a 5, a disputa na bancada emedebista que definiu quem seria o candidato do partido.

Presidência da RepúblicaPresidência da RepúblicaMaia, entre conchavos e promessas, conseguiu reunir uma maioria confortável
Se Renan pode ocupar pela quarta vez a presidência do Senado, na Câmara o favoritismo já recaía sobre Rodrigo Maia, ocupante do cargo nos últimos quatro anos. Para dar sustentação a sua candidatura, o deputado do DEM costurou um bloco com 16 partidos. Foram incluídas no balaio desde legendas da oposição, como PCdoB e PDT, até o PSL do presidente Jair Bolsonaro. O grupo soma 405 deputados, o que já dava a Maia uma margem razoável de tranquilidade e a expectativa de eleição em primeiro turno.

Para negociar tudo isso, o cenário foi um imóvel mantido com dinheiro público: a residência oficial do presidente da Câmara. Foi lá que Maia recebeu nas últimas semanas parlamentares e dirigentes partidários para tratar de sua permanência no cargo por mais dois anos. No dia 23 de janeiro, por exemplo, ele recebeu ao menos 20 deputados do PSL de Bolsonaro. Na reta final, Maia saiu do casulo. E foi para a Câmara bater nas portas das lideranças dos partidos para cumprimentar os deputados, algo que não costuma fazer em sua rotina de presidente.

O toma lá dá cá garantiu seu espaço. Quem fechou primeiro com Maia garantiu as melhores posições no novo mapa do poder na Câmara. PRB e PSL terão, respectivamente, a primeira e a segunda vice-presidências. O PR do notório Valdemar Costa Neto deve manter a Primeira Secretaria, espécie de prefeitura responsável por gerir os contratos da Câmara. MDB e PP chegaram a ensaiar a criação de um bloco de centro-esquerda adversário a Maia. Mas pularam para o barco do deputado DEM, ao perceberem que ficariam isolados e sem cargos. Resultado: só conseguiram uma secretaria para o Progressistas e uma suplência para os emedebistas.

Na negociação, Maia fez acenos até para 2021, quando ocorre nova eleição interna. Para selar de vez o acordo com o PP, o presidente da Câmara sinalizou que poderá apoiar um nome do partido para sua sucessão no comando da Casa. O acerto foi feito com o senador Ciro Nogueira, presidente da sigla e um dos parlamentares mais enrolados em denúncias de corrupção na Lava Jato. Nogueira quis saber se as divergências iniciais na negociação poderiam significar algum veto à sigla na disputa pela presidência da Câmara daqui a dois anos. Maia disse que não. Ante a promessa, fez-se o acerto.

O eleitor foi às urnas em 2018 e pediu mudança na política. Elegeu um presidente da República com forte discurso contra o sistema político, com pouco tempo de televisão e sem pertencer a um partido tradicional. Renovou metade da Câmara, a mais alta taxa desde 1998. No Senado, fez com que, das 54 cadeiras em disputa, apenas oito ficassem com senadores que tentavam a reeleição – todos os demais estarão chegando à casa. Esperava-se que o recado tivesse sido bem compreendido, mas a construção das candidaturas e o jogo da sucessão no Congresso mostram que, ao menos por enquanto, uma parte das excelências ainda se faz de desentendida.

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