RuyGoiaba

Gosta de cultura, jovem?

01.02.19

“Quando ouço falar em cultura, saco logo meu revólver” deve ser uma das frases mais creditadas ao autor errado em todos os tempos. Se vocês jogarem na busca do Google, provavelmente vão encontrá-la atribuída a Goebbels, Himmler ou ao próprio Hitler –e parece, de fato, o tipo de coisa que só um nazista bem nazistão diria.

A frase também é bastante parodiada –no filme “O Desprezo”, de Godard, um produtor de cinema diz que ouve falar em cultura e saca logo o talão de cheques. Na verdade, é um trecho de “Schlageter”, peça de Hanns Johst, dramaturgo ligado ao nazismo –e o original é ligeiramente diferente, algo como “quando ouço a palavra ‘cultura’, solto a trava de segurança da minha [pistola] Browning”.

Tudo isso me veio à cabeça quando li, na coluna de Sonia Racy, que a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo terá um “assessor de hip hop”. Parêntese explicativo: o prefeito Bruno Covas, que é tucano, nomeou para o cargo Alê Youssef, “agitador cultural” do Baixo Augusta, ex-colaborador do programa de Regina Casé e, provavelmente, mais haddadista que a mãe de Fernando Haddad.

Em seus primeiros dias na secretaria, Youssef já chamou a jornalista e clubber Erika Palomino para dirigir o Centro Cultural São Paulo –o que faz supor que o próximo passo será chamar Facundo Guerra, outra figura da “night”, para transformar a Biblioteca Mário de Andrade numa balada— e instituiu o tal cargo de assessor de hip hop, para o qual convidou o rapper Xis, autor da obra-prima “os mano pow, as mina pá” (infelizmente, não é “os mano Poe, as mina Plath”).

A pergunta é óbvia: por que só o hip hop ganhou uma assessoria? É por causa da “importância do hip hop na periferia”? Ora, e o assessor especial para assuntos de pagode? Para a capacitação do sertanejo universitário? Para os tocadores de “Tears in Heaven” na flauta boliviana? Que discriminação é essa? E, se é para gerar emprego, por que não um assessor para o hip e outro para o hop?

Na verdade, não é que eu saque meu revólver nem meu talão de cheques quando ouço falar em cultura (não ando armado, muito menos com dinheiro). É que, quando esse pessoal hipster e descolado do Baixo Augusta e adjacências –região que uma amiga chama de Vila Blaselândia—chega pra mim gritando CULTURA!, a única reação possível é sair correndo, como a gente faz com aqueles caras da Vila Madalena que nos abordam perguntando “gosta de poesia, jovem?”.

Vou adotar como padrão a reação de um conhecido que certa vez, abordado por um desses “dramaturgos de rua” querendo vender suas criações, respondeu que não gostava de teatro. O Nelson Rodrigues da Mercearia São Pedro tentou argumentar algo como “teatro é cultura, hein, amigo?” –ao que meu conhecido respondeu “eu não gosto de cultura também!”.

Ninguém aqui gosta de cultura, talquei? A gente só finge.

***

A GOIABICE DA SEMANA

O vídeo da palestra que Damares Alves deu numa igreja em Mato Grosso do Sul em 2013 é uma overdose de goiabices. Além de se apresentar como “mestre em educação, direito constitucional e direito da família” sem ter mestrado –alegou depois que era um “título bíblico”–, disse que os pais na Holanda são instruídos a “massagear sexualmente” seus bebês (o que indignou os holandeses) e falou em hotéis-fazenda de “fachada” para quem quer “transar com animais”.

É o amor que não ousa zurrar, latir ou cacarejar seu nome.

ReproduçãoReproduçãoDamares adverte: nada de assediar as cabras quando você for ao hotel-fazenda

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