Adriano Machado/Crusoé

É você quem paga por isto

O dinheiro do fundo partidário, que sai dos cofres da União, bancou ajuda de custo para Dilma Rousseff, jatinhos para Aécio Neves, mesada para Ciro Gomes e transferências para o marqueteiro de Michel Temer
25.05.18

Fora da Presidência da República, Dilma Rousseff ganha um salário de 17 mil reais e mais uns trocados em dinheiro vivo para despesas comezinhas. Como presidente do PSDB, Aécio Neves gastou mais de 300 mil reais com jatinhos, incluindo voos na véspera do carnaval, e contratou uma varredura antigrampo – o partido diz que o serviço foi prestado antes de fevereiro de 2017, mas a nota foi emitida quatro dias após a operação da Polícia Federal que, na sequência da explosiva delação da JBS, resultou em seu afastamento do Senado e na prisão de sua irmã. O PMDB, hoje MDB, pagou 660 mil reais ao marqueteiro do presidente Michel Temer. O PSL, legenda do presidenciável Jair Bolsonaro, aluga em Recife uma sala de uma empresa cujo dono, por coincidência, é o homem que controla o partido há anos. Ciro Gomes, que tentará ser presidente da República pelo PDT, recebia uma mesada do diretório nacional da sigla: quase 30 mil reais.

Esses são alguns dos gastos de 2017 do multimilionário fundo do qual os partidos podem usufruir livremente. É dinheiro público, dinheiro do contribuinte, que os dirigentes partidários gastam livremente, sem serem obrigados a seguir normas da lei de licitação. Em suma, os partidos gastam, gastam como querem, e é você quem paga. Em 2017, as 35 legendas oficialmente registradas no país receberam 665 milhões de reais do fundo partidário, formado com recursos da União. Este ano, com as eleições, essa montanha de dinheiro público pode chegar a 2,6 bilhões de reais – além do fundo partidário, as siglas terão direito ainda ao chamado fundo eleitoral, criado pelas excelências que as comandam para compensar a proibição das doações de empresas. Um passeio pelas prestações de contas entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dá a exata dimensão de como.

Adriano Machado/CrusoéAécio: varredura antigrampo e jatinhos (Adriano Machado/Crusoé)
Em 18 de maio, o Brasil conhecia a outra face do senador Aécio Neves. Naquele dia, uma quinta-feira, ele era afastado do Senado por ordem do Supremo Tribunal Federal, depois da revelação do já histórico diálogo com o empresário Joesley Batista, dono da JBS, no qual o tucano pede 2 milhões de reais e detona a Lava Jato. A reação imediata de Aécio à ofensiva dos policiais e da Procuradoria foi atacar. Ele chamou a operação de “absurda” e se colocou na conhecida posição de perseguido. Isso na frente dos holofotes. No escuro dos bastidores, o partido comandado pelo senador mineiro autorizava o pagamento, quatro dias depois, de um serviço antigrampo. Tudo, repita-se, com dinheiro do contribuinte.

O valor da despesa, 19 mil reais, é baixo se comparado aos milhões do fundo partidário. Mas levanta uma questão: qual é o interesse público em caçar grampos? Evitar investigações da PF ou espionagem de adversários? O fato é que a despesa foi paga com recursos do fundo partidário. A nota fiscal, emitida pelo Instituto Brasileiro de Peritos é, como costuma ser no ramo da inteligência, genérica. “Prestação de serviços especializados em vistoria e avaliação da integridade e segurança dos recursos informáticos, ambientais e das telecomunicações”. O partido diz que os serviços foram prestados entre fevereiro de 2016 a fevereiro de 2017. A nota fiscal, contudo, é só de maio de 2017 – ou seja, 15 meses após o início do serviço.

A nota fiscal da varredura contratada pelo PSDB
Aécio caiu em desgraça dentro do PSDB após a revelação dos grampos da PF e acabou perdendo o controle da legenda. Mas até o dia da operação o senador vivia tempos de bonança com o dinheiro do partido. Em 2017, o PSDB gastou quase 400 mil reais para custear apenas oito voos em jatinhos particulares. Seis dos oito fretamentos ocorreram quando o senador mineiro presidia o partido. E todos, sem exceção, passaram por Belo Horizonte. Uma dessas viagens custou 62 mil reais. A nota fiscal da Líder Táxi Aéreo registra que o voo foi feito no dia 24 de fevereiro, às 9 horas da manhã. Era sexta-feira de Carnaval. O itinerário foi longo. O jatinho partiu de Congonhas, foi a Brasília, depois voltou a São Paulo para, então, seguir para Belo Horizonte e por fim retornar à capital paulista. Os documentos fiscais trazem outro elemento estranho. Em três dos fretamentos, embora os voos tenham acontecido em fevereiro, as notas só foram emitidas em 18 de maio – o mesmo dia da operação que atingiu Aécio. Teria sido parte de um esforço para oficializar algo que, até então, precisava ser mantido escondido? Crusoé perguntou ao o PSDB. O partido respondeu que a contratação foi de acordo com a agenda dos dirigentes, na forma da lei. Afirma, ainda, que esse prazo aconteceu em razão de negociações com a empresa. Aécio, por sua vez, também defendeu os gastos com jatinhos. “O presidente do PSDB cumpriu agenda oficial, participando de encontros públicos e agendas com prefeitos e dirigentes partidários, tratando de questões inerentes ao cargo”, disse em nota.

No PT, o fundo partidário rendeu uma boquinha para a ex-presidente Dilma Rousseff. Quando a petista sofreu o impeachment, em 2016, uma das justificativas para não cassar seus direitos políticos – como determina a Constituição – foi a de que ela ficaria inviabilizada financeiramente, com uma aposentadoria de 5 mil reais. Longe do Planalto, do poder e da megaestrutura oferecida na Presidência, Dilma de fato não vive mais o luxo dos banquetes oficiais, mas segue uma vida confortável – também com dinheiro público. A ex-presidente recebe salário de 17 mil reais da Fundação Perseu Abramo, braço acadêmico do PT. Na prática, sua função é a mesma que teria com ou sem cargo: defender seu governo e o partido. Os pagamentos mensais para a ex-presidente saem do caldo do fundo partidário despejado nas contas petistas. Dinheiro público, portanto. E não é só.

O recibo da ajuda de custo de 200 reais para Dilma
Além de fazer questão do salário, Dilma também espeta no fundo partidário despesas comezinhas, a título de “ajuda de custo”. Foi assim, por exemplo, quando ela viajou a São Paulo para participar de um encontro para tratar de um projeto sobre o legado de seu governo e do de Lula. O recibo, assinado por Dilma, tinha uma observação: “Será necessário entregar a ajuda de custo em dinheiro”. A prestação de contas não especifica em que, exatamente, ela gastou o dinheiro. Os documentos entregues ao TSE trazem até a nota fiscal de um buquê de flores de 182 reais comprado com dinheiro do fundo partidário para homenagear Dilma no dia de seu aniversário. Sim, você ajudou a pagar flores para Dilma.

Ciro Gomes, o pré-candidato do PDT, recebe mesada do partido (Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil)
Quem também não tem do que se queixar é Ciro Gomes, pré-candidato pelo PDT. Em setembro de 2015, ele se filiou ao partido já pensando em participar da corrida ao Planalto. Não demorou para que logo passasse a ter suas despesas pagas. Ciro recebe praticamente um salário do partido. Ao longo do ano passado, o PDT repassou ao pré-candidato 29 mil reais por mês. Ironicamente, o partido que se vende como defensor das causas trabalhistas recorre a um modelo, digamos, precário, para efetuar os pagamentos a Ciro. Ele recebe por meio de RPA’s, os recibos de pagamento a autônomo — um tipo de contratação largamente usado por empresas para pagar pelos préstimos de colaboradores informais. Ciro é, por assim, dizer um freelancer no PDT, bancado também com dinheiro público. Que tal?

O comprovante de um dos pagamentos a Ciro: “contratado” como autônomo
No nanico PSL, do pré-candidato Jair Bolsonaro, também há exemplo de despesas polêmicas com dinheiro do fundo. Controlado há anos pelo empresário pernambucano Luciano Bivar, que trata o partido quase que como uma extensão de seus negócios, o PSL aluga em Recife uma sala comercial cuja proprietária é uma das empresas do próprio Bivar. O aluguel custa 685 reais por mês. A Brasitec, de Bivar, funciona nas salas 504, 507 e 508. A sala 506 é alugada para o partido. O pagamento é feito à própria Brasitec.

Já no MDB de Michel Temer e do pré-candidato Henrique Meirelles, quem aparece como beneficiário da farra com o dinheiro do contribuinte é Elsinho Mouco, o marqueteiro do presidente – o mesmo que ensaiou lançar, a propósito dos dois anos de governo, o primoroso slogan “O Brasil voltou, 20 anos em 2”. O publicitário trabalha há anos para Temer. Desde 2017, para formalizar sua relação com o Planalto, ele foi contratado como diretor da Isobar, agência que detém desde 2015 um contrato para cuidar da comunicação digital da Presidência. O pedido foi feito pelo próprio governo, que providenciou uma sala para Mouco no Planalto. Embora receba da Isobar, o marqueteiro também ganha do partido do presidente. Ou seja: ele ganha duas vezes. Do partido, foram 660 mil reais no ano passado. A maior parte foi a título de “consultoria publicitária”, algo como 50 mil reais por mês.

Mouco é mesmo um sujeito de sorte. Em agosto do ano passado, o MDB contratou por 190 mil reais uma empresa para lançar um concurso que escolheria a nova marca do partido. O prêmio seria de 30 mil reais para o vencedor. A ideia, porém, ficou pelo caminho – os caciques do partido acharam melhor não inovar tanto assim. A marca ficou a mesma, com uma solução trivial: saiu o “P” do MDB. Quase três meses antes da ideia da campanha, o marqueteiro de Temer já tinha recebido 60 mil reais para tratar da nova marca. E quem pagou, como nos demais casos, foi você, seu azarado.

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