Para o país andar, é preciso privatizar a Petrobras

25.05.18

Há uma extensa lista de casos de ineficiência, corrupção e erros estratégicos na Petrobras, se analisarmos a empresa desde a sua fundação até os anos Lula-Dilma (2003-2016). Muitos deles foram denunciados, ao enorme preço de ataque à reputação e ao patrimônio pessoal, por gente como Roberto Campos ou Paulo Francis.

Essas críticas seguem atuais. Patrimonialismo, compadrio e corrupção atravessam a sucessão de décadas no Brasil. A Petrobras concentra e amplifica essas mazelas. Num balanço objetivo e intelectualmente honesto, é preciso reconhecer que a empresa tem gerado mais ônus do que bônus aos brasileiros.

O mal causado ao País pela natureza estatal da empresa pode ser classificado como “endêmico” — de 1953, ano da sua fundação, até o advento da coalizão política liderada pelo PT a partir de 2003. O que aconteceu a partir daí não deve, contudo, inspirar desculpas do tipo “sempre houve influência política na Petrobras”, ou “não foi o PT e seu grupo que inventaram a corrupção na empresa”. Os erros administrativos e os níveis de corrupção se vertebraram e cresceram com as alianças gestadas pelo lulopetismo. O mal teve um upgrade. Tornou-se epidêmico — e, então, sistêmico.

Muito disso está relacionado ao modelo de economia política — uma modalidade de “capitalismo de Estado à brasileira” — capitaneado pelo PT. Nesse ecossistema de negócios, a Petrobras ocupou espaço central. A empresa foi coração, sangue e músculos de um projeto autárquico de política industrial e protecionismo comercial . Gosto de chamá-lo de “Industrialização por Substituição de Importações 2.0” ou “ISI 2.0”. A sua implementação se deu contemporaneamente à descoberta de petróleo em águas profundas e às necessidades de geração de caixa para financiar as ambições políticas do PT e os seus associados. Isso exponenciou o impacto da Petrobras na economia e na política.

A “ISI 2.0”, ferramenta do cleptodesenvolvimentismo petista, disseminou-se, é verdade, para além da Petrobras. Alastrou-se no poder de indução de autarquias, empresas estatais, bancos oficiais, municípios, estados e União. Foi motor e filtro da interpretação que seus formuladores faziam do que deveria ser o interesse brasileiro na economia global. A ISI 2.0 estabeleceu o parâmetro de como o Estado no Brasil protege, incentiva e compra.

Tal modelo de economia política, de que a Petrobras tem sido epicentro, implica empregar elevadas alíquotas de importação e outras barreiras para blindar grupos nacionais e fomentar prioridades industriais brasileiras. À semelhança de sua matriarca dos anos 1950, a ISI 2.0 foi manifestamente “nacionalista”. No entanto, reinterpretou e atualizou o conceito de nacionalismo.

A ISI 2.0 convidou à “brasileirização” de empresas que quisessem aproveitar o potencial de nosso mercado. Toda a malha de incentivos-indução, como mostra o exemplo concreto da Petrobras de 2003 a 2016, foi posto a serviço dos que quisessem instalar-se no Brasil e aqui gerar impostos e empregos. Sua face mais poderosa foi a robusta ferramenta de indução de compras governamentais que ganhou plena expressão no período Lula-Dilma. No setor naval, por exemplo, a Petrobras poderia comprar um navio do tipo “Aframax”, com capacidade de transporte de 750 mil barris, na China ou na Coreia do Sul, por US$ 50 milhões. Preferia no entanto pagar mais de US$ 100 milhões por embarcação, desde que 70% do bem adquirido fossem produzidos no Brasil.

Wilton Junior/Estadão ConteúdoWilton Junior/Estadão ConteúdoLula, o artífice do cleptodesenvolvimentismo petista (Wilton Junior/Estadão)
Ainda que implementado por anjos incorruptíveis, esse modelo é bastante vulnerável ao longo do tempo. Precisa que poupança internacional na forma de IEDs (investimentos estrangeiros diretos) transfiram-se de forma volumosa e sustentada por muitos anos. Seus riscos poderiam ser mitigados, no entanto, por uma espécie de “hedge do pré-sal”: a noção de que efeitos multiplicadores das novas descobertas de petróleo para o Brasil e os que aqui estiverem seriam tão grandes nos próximos 30 anos que tal perspectiva “ancoraria” a decisão de montar operações no País.

Para que tudo isso funcionasse, além das reformas estruturais, seria preciso gerar rápidos ganhos de produtividade por ciclos de aprendizado mais curtos e assim promover a harmonização da capacidade brasileira de competir globalmente num setor como o da construção naval. Não foi nada disso o que se observou. O tal modelo apenas hipertrofiou a escala de ineficiências e fomentou condições laboratorialmente perfeitas para a sistematização da corrupção.

Os efeitos negativos disso tudo para a Petrobras e a nação jamais podem ser subestimados. A Petrobras lesionou a imagem do Brasil. Pior, ela dificulta a inserção internacional do País e de suas empresas. Para além do campo jurídico, onde a companhia teve de celebrar pesados acordos compensatórios, a capacidade da Petrobras em levantar recursos no exterior para planos de investimentos foi severamente mutilada. Fundos se veem restringidos em alocar recursos à empresa por seu alto nível de endividamento, investigações e processos legais.

Quando as atribulações jurídico-financeiras internacionais da Petrobras se agudizam, outro efeito colateral é o do emburrecimento do debate público no Brasil. Ganha tração o discurso nacional-populista de que o exterior sempre formula investidas para “enfraquecer a Petrobras” de modo a que seja “privatizada”, para que “potências estrangeiras explorem nosso petróleo”.

Muitos que defendem a continuação da Petrobras como estatal o fazem por considerarem o petróleo como bem “estratégico” — uma riqueza nacional para o bem de todos os brasileiros.

Duas perguntas, então. A primeira: será que neste alvorecer da Quarta Revolução Industrial ainda podemos considerar o petróleo como algo “estratégico”? A segunda: se nessa economia 4.0 em que estamos ingressando a informação e dados são mais estratégicos do que petróleo, não seria o caso de recomendarmos aos EUA a estatização de Apple, Google e Amazon?

Colocar Petrobras e essas gigantes da tecnologia num mesmo quadro comparativo parece despropositado. Nem tanto. Protagonistas na economia de Brasil e EUA, todas são “estratégicas” para os dois países.

A Petrobras responde à tradicional noção dos brasileiros (e latino-americanos) de que seu futuro assenta-se em riquezas naturais, cuja gestão soberana cabe ao Estado. Já o futuro das três gigantes de tecnologia reside essencialmente no caos perene da inovação. Por importante que seja, o petróleo não é mais estruturante do futuro do que tecnologias da informação. Já se disse que um ataque realmente devastador nos EUA não deveria ser endereçado ao Pentágono, mas ao Vale do Silício.

Adriano Machado/CrusoéPiquete de caminhoneiros na BR-040, em Goiás: eles emparedaram o governo exigindo redução no preço do combustível (Adriano Machado/Crusoé)
O leitor consegue imaginar se o critério para a escolha do responsável pelo planejamento logístico fosse a indicação de um apadrinhado da coalizão política que sustenta o titular da Casa Branca? E se a divisão de computação em nuvem do Google fosse delegada à “reserva pessoal” de outro cacique político do Estado de Kansas? Ou se contratos com fornecedores independentes dos hoje milhões de aplicativos do iOS — o sistema operacional móvel da Apple — fossem inflados de modo a fazer caixa para políticos?

A atual pressão de caminhoneiros é exemplo recente — e ínfimo — das corporações que se valem da sensibilidade política da Petrobras na condição de estatal para obter vitórias setoriais. Ganha a empresa e a maioria da sociedade? Não. E mesmo a terrível praga da corrupção tem efeito menos dilacerante para a economia da empresa e do Brasil do que seu modelo de negócios conducente a um anacrônico capitalismo de Estado.

Num sucesso musical dos anos 1980, Grace Jones cantava “I’m not perfect (But I’m perfect for you)”. Talvez um processo de privatização não seja perfeito — mas é perfeito para a Petrobras e a modernização do ambiente de negócios no Brasil.

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