René Dotti: elogios à Lava Jato e críticas aos advogados dos réus (Arquivo pessoal)

A Lava Jato e seu “benefício social”

O advogado da Petrobras nos processos da Lava Jato vê com satisfação os resultados da investigação sobre o maior esquema de corrupção da história nacional e festeja que pessoas do "andar de cima" estejam sendo levadas a prestar contas com a Justiça
25.05.18

Na audiência em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ouvido na Justiça Federal em Curitiba, um senhor octagenário interveio com veemência quando o advogado do petista, Cristiano Zanin Martins, tentava mais uma vez provocar o juiz Sergio Moro. “Proteste contra o juiz, recorra contra o juiz, mas não enfrente o juiz pessoalmente na audiência, para o público”, disse, em tom grave, dirigindo-se a Zanin. “Você fala sem pedir licença”, prosseguiu. Um dos decanos da advocacia nacional, o jurista paranaense René Ariel Dotti, 83 anos, é o advogado da Petrobras nos processos da Lava Jato. Como tal, representando a parte mais lesada pelo esquema do petrolão, funciona como assistente de acusação do Ministério Público Federal. Em entrevista a Crusoé, ele falou sobre a jornada dos advogados no curso da maior investigação anticorrupção da história do Brasil – e não poupou críticas àqueles que, a exemplo dos defensores de Lula, preferem atacar o juiz e os investigadores a fazer a defesa técnica de seus clientes.

Dotti é um conhecido crítico de Lula, embora tenha sido contratado para defender a Petrobras ainda nos anos de governo do PT. Ele recorre a um episódio relativamente recente para ilustrar o raciocínio de que há tempos o petista vinha dando sinais de que se desviara dos bons princípios. O sintoma a que o advogado se refere ocorreu em uma solenidade no Planalto em 2004. Àquela altura, como é do feitio de presidentes quando algo pode lhes trazer dividendos políticos, Lula chamou ao palácio um faxineiro que havia encontrado 10 mil dólares em um banheiro do aeroporto de Brasília e devolvido a quantia ao dono. O petista, talvez num ato falho, ironizou a atitude. Advogando para a estatal que foi depenada pela corrupção, Dotti é um entusiasta da Lava Jato e das delações e vê “benefício social” na prisão de pessoas do “andar de cima”. A seguir, a entrevista.

O que mais o surpreende na Lava Jato?
A engrenagem dos partidos políticos, seus adeptos e apóstolos diretos e indiretos. A ruína desses partidos.

A operação escancarou também a advocacia brasileira. Que lições ficam para a classe?
O processo da Lava Jato é uma revolução copérnica nos usos e costumes clássicos do processo penal. O processo penal, com um código que é de 1941, teve determinado tipo de franquias, de liberdades para a defesa que estão sendo reexaminadas. Uma delas, por exemplo, é a condução coercitiva. Claro que a pessoa tem o direito de ser intimada, com data, para se apresentar a uma autoridade. Mas isso não se exige quando existe uma busca e apreensão de objetos, de dólares, na casa de um suspeito. Não é preciso intimá-lo para isso. Então, isso criou, no meu entendimento, uma questão controvertida. Mas de modo geral, os advogados com quem tenho conversado não têm se insurgido nem contra o fenômeno das delações. E eu tenho dito que o problema da delação é comprometido em função das delações clássicas, como o de Judas Iscariotes (que delatou Jesus Cristo) e o de Joaquim Silvério dos Reis (delator de Tiradentes). A delação recebeu um tipo de preconceito.

Mas há advogados que protestam contra as delações.
Um número pequeno de advogados se insurge com relação a isso, quando a delação é obtida com o acusado preso. Veem como coação. Mas, na experiência prática, se o advogado entende que a melhor solução para o cliente é a confissão, isso pode ser comparado com a situação do médico que vê o paciente com uma perna infectada que poderá infectar todo o organismo — ele decide pela retirada da perna para o paciente não morrer. Da mesma forma, o advogado, vendo a situação concreta, pode concluir que é melhor fazer o acordo que, em matéria criminal, traz vantagens.

Há vantagens para além da liberdade do réu?
Não haveria vantagem para a economia da Petrobras e nem para a sociedade em geral se aqueles réus fossem presos por 20 anos, em vez de devolverem milhões e contarem o que sabiam. Pelo contrário. Haveria apenas a despesa do Estado, que o cidadão já paga. Para explicar esse tipo de solução, eu uso a imagem da revolução copernicana: é preciso mudar o eixo de rotação das coisas. Se você confessar, sua pena é tanto e você devolve tanto dinheiro. Socialmente, é mais oportuno do que a prisão pura e simples, não é?  Acho até que é um direito penal adequado.

Mas a sociedade brasileira não anseia também prender criminosos?
Eu penso que existem dois momentos. No momento em que é descoberto o crime, há, como é natural, a divulgação do fato criminoso e do seu autor. Nesse sentido, já ocorre uma punição social, e até punição enérgica. Passado um certo tempo, esse sentimento com relação àquele sujeito dilui-se. E se a sociedade tomar conhecimento de que, em vez de ele ir para a prisão, terá que pagar tanto, ela vai concordar. Mas essa saída depende de certas condições e não pode ser apresentada de imediato.

Por quê?
Veja como repercutiu mal o acordo feito pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot com os irmãos Batista. Aquilo foi horrível porque foi um tipo de delação unipessoal, contra o presidente. E com, digamos, uma anistia, sem nenhum tipo de punição. Tanto é assim que, pela primeira vez, o STF começou a revisar os expedientes de delação. Até há um tempo, o Supremo dizia: “Não, se o juiz homologou, não se abre mais”. Mas, em função daquele precedente dos Batista, o Supremo reabriu o caso e o Ministério Público está oferecendo denúncia em relação a eles. Portanto, a sociedade não pode aceitar qualquer tipo de acordo que não seja revertido em favor do Estado e, consequentemente, em favor da sociedade.

Reprodução/TRF-4O momento da altercação: o advogado da Petrobras repreende o advogado de Lula (Reprodução)
Faltou equilíbrio nesse caso?
Foi um desequilíbrio flagrante entre o perdão que está sendo dado para os réus e os volumes fantásticos de crimes praticados. E houve reação contra a desproporção do acordo da delação. A sociedade reagiu, a imprensa reagiu. Tanto que os benefícios que eles teriam foram suspensos, embora as provas tenham sido preservadas.

Mesmo com esse episódio, o instituto da colaboração premiada segue forte?
A delação continua (forte). Ao final, o que deve prevalecer é sempre o interesse público, não o interesse pessoal do réu.

Alguns advogados têm se concentrado em ataques à operação. Isso não empobrece o processo?
O processo não fica empobrecido. Empobrecida fica a defesa. A eventual arbitrariedade da Justiça deve ser combatida, evidentemente, também pelo advogado. Mas não deve ser um combate político.

Outro pilar da Lava Jato, a execução da pena após condenação em segunda instância, corre risco. Vê possibilidade de reviravolta neste caso?
Em princípio sempre pode haver, mas acho que não haverá condições institucionais para tanto. Porque já existe no Congresso movimento para votar uma emenda constitucional estabelecendo a execução provisória após o segundo grau. Penso que, no interesse de segurança jurídica, essa modificação não virá.

Qual é a posição particular do senhor em relação a esse assunto?
O cidadão tem, socialmente, o direito de não ser considerado culpado até o fim do processo. Mas essa garantia não se opõe necessariamente à execução da pena no caso de confirmação de segundo grau, assim como a presunção de inocência não impede a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária.

Como blindar outras estatais de crimes similares aos que aconteceram na Petrobras?
A Petrobras adotou controles internos e externos e já existe a solução de exigir para as estatais que a pessoa indicada não tenha condenação. Existem pelo menos normas nesse sentido. Defendo a experiência dos bancos. O seu gerente de hoje pode não ser o de amanhã. Na Petrobras, havia funcionário com 15, 20 anos no mesmo cargo. É um paralelo que não ocorre no sistema bancário. Pode ver que dificilmente há escândalos de bancos que envolvam funcionários. É por causa do revezamento que eles fazem. As estatais deveriam adotar esse procedimento.

Felipe Rau/EstadãoFelipe Rau / EstadãoLula preso: sentimento de imunidade absoluta enfraquecido (Felipe Rau/Estadão)
A Lava Jato prendeu o ex-presidente Lula. É um sinal importante contra a impunidade?
Não sei como a população está vendo a situação do ex-presidente, mas acho que o fato de poderosos serem investigados e punidos é um benefício social. Porque enfranquece o sentimento de imunidade absoluta em relação ao andar de cima. E é por isso que o STF já decidiu excluir deputados e senadores de seus julgamentos. Mandou baixar tudo para a primeira instância. Isso foi uma reação popular que o Supremo acolheu, através principalmente do ministro Luís Roberto Barroso.

O senhor criticou o ex-presidente Lula por um comentário irônico que fez, ainda no poder, a respeito de um faxineiro que devolveu dinheiro encontrado no aeroporto de Brasília.
“Não pensou em comprar um carro?”, ele disse. Vi ali um sintoma de afrouxamento ético.

Por falar no ex-presidente, o que fez o senhor repreender o advogado dele naquela famosa audiência com Sergio Moro?
Eu acho que, pelo código de ética, o advogado deve ser moderado nas suas reações contra o juiz. Na época da ditadura havia muito mais dureza e nós, advogados que fazíamos requerimentos ao tribunal militar, mantínhamos o respeito. O juiz sempre representa uma instituição. No caso específico da audiência a que você se refere, foi uma reação de momento. Ela ocorreu depois de duas horas de depoimento. Não havia nada pré-concebido. Mesmo porque incidentes com colegas são raros na minha história, em 50 anos de advocacia. Eu compreendo o esforço da defesa. Mas acho que esse esforço deve ser temperado pela moderação.

Qual o impacto financeiro das investigações sobre as contas da Petrobras?
O Ministério Público já recuperou um total de 16 bilhões de reais para a empresa.

Apontado como responsável e beneficiário do esquema de crimes na estatal, o ex-presidente Lula se coloca como candidato. Como o senhor avalia essa situação?
Eu vi o discurso do ministro (Luiz) Fux afirmando peremptoriamente que a Lei da Ficha Limpa é absolutamente impeditiva da candidatura do ex-presidente. Esse é o quadro. Não me parece que haja falhas na lei. Mas tenho impressão de que essa deve ser a esperança do candidato, não é? Minha situação é um pouco difícil porque, como advogado da Petrobras, fiz a acusação no processo. Opino, portanto, como cidadão.

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500
  1. Assisti o dia que o Dr René Ariel Dotti foi firme com o então Zanin...Virei admiradora desse advogado da Petrobrás...Exelente!!!

  2. Foi a maior alegria para quem já estava cheio da arrogância do Dr. Zanin Gumex. Esse "divogado" quer mesmo é evitar a prisão do sogro tentando melar todo o processo e provocando o Moro que não morou na dele.

  3. Dois pontos ressalto na entrevista do René Dotti: 1- Ele agiu corretamente ao criticar os modos do advogado petista, porque ele era constantemente desrespeitoso com o Moro, pois queria politizar visto que não tinha como provar a inocência do Mula. 2- O Mula não teve um afrouxamento ético naquela entrevista, pois não de afrouxa o que não se possui. Ele fingia que tinha ética porém nunca teve, como veio a ficar claríssimo para o mundo todo durante todo o processo na lava jato.

  4. Experiência, sobriedade, lisura e sabedoria. Essa carga moral e ética deveria compor o perfil da maioria dos membros do judiciário, principalmente da Suprema Corte, onde a ausência dessas qualidades transformou a instituição num circo de horrores.

  5. Esse senhor,desconhecido por mim até a data daquela audiência com Lula e seu advogado desrespeitoso,tem meu respeito e admiração,todas as audiências eram daquele jeito e o representante da OAB como ajudante dos advogados no tumulto da audiência,o Dr Dotti foi o único q honrou a profissão ,cheia de picaretas.

    1. Concordo. Como a defesa do Lula não tinha como defendê-lo, atacava o juiz.

  6. Sem nenhuma modéstia, só me faltam os detalhes, de resto , eu já sabia, e claro tem mais e muito mais. Imaginem quando Lula resolver o que sempre fez, cagoetar. O STF se pulveriza em 5 minutos.

  7. Tem que serem presos SIM !! as tais MULTAS etc deveriam considerar o LUCRO que esses verdadeiro$ HIPOCRITAS e LADROE$ dos dinheiros Públicos evserem devolvidos SIM ! E essa do ladrao mor voltar a concorrer apesar de tudo e ; ainda preso com Fatos e Prova$ fidedigna$ eeee ABJETO demais !! Força Brasil Força Lava Jato

    1. Juliano, concordo com vc, esse nome me soa muito estranho na fatura do meu cartão.

  8. Parecia o meu professor de matemática me repreendendo por ter errado em um raciocínio, e isso ocorreu quando eu tinha somente 15 anos de idade, ou seja, à 50 anos atrás.

  9. Muito obrigado pela entrevista. Dispensa credenciais para se apresentar . . . o "pito" dado ao defensor do corrupto/lavador de dinheiro público, é antológico.

  10. Quando é que OAB vai exigir que seus ordenados advogados exijam de sues clientes comprovantes da origem do dinheiro que irá pagar os seus honorários? Se lícita e comprovada seguem em frente, em caso de ilicitude ou desconfiança da origem devem se negar...e, principalmente quando aceitarem, que sejam responsáveis por uma "due dilligence" sobre esta origem, e se ainda aceitarem o caso, deverão ser responsabilizados e acusados formalmente em juízo pela origem ilícita do dinheiro de seus honorários,

    1. Boa Carlos, já assou da hora da OAB se preocupar com a origem dos recursos dos honorários. Tai uma pauta que deveriamos levar às ruas nas próximas manifestações.

  11. Apesar do Sr. René Dotti colocar panos quentes em relação a atuação de seus colegas perante o tribunal, é uma estratégia recorrente o advogado de defesa atacar as instituições em vez de defender o seu cliente.

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