MarioSabino

Renanus Calheirus

18.01.19

Não existe sistema de representação democrática perfeito, mas o Senado brasileiro é uma excrescência incomparável num país generoso em excrescências. Em teoria, serve para equilibrar o sistema federativo no Legislativo – não importa o tamanho da população de cada estado, todos têm direito a três senadores. Na prática, o Senado desequilibra ainda mais o sistema federativo, uma vez que, na Câmara Federal, os estados mais populosos são sub-representados, em favor daqueles menos populosos.

Enquanto vereadores, deputados, prefeitos, governadores e o presidente da República têm mandato de quatro anos, senadores têm mandato de espantosos oito anos. Quase uma década. E que pode ser indefinidamente renovado, ao contrário do que ocorre com integrantes do Poder Executivo, eleitos igualmente em pleitos majoritários. O privilégio serve para reforçar o poder oligárquico das famílias que dominam estados inteiros nas áreas mais pobres do país – como provam os Sarney, os Barbalho e os Calheiros.

Além de contar com outras funções exclusivas, o Senado revisa os projetos de leis dos deputados — com o adicional de propor projetos de lavra própria, usurpando a principal atribuição da verdadeira Casa do Povo, a Câmara Federal. Oitenta e um senadores têm, portanto, poderes ainda maiores do que os de 513 deputados. A usurpação custa caro: em média, um senador e sua corte custam 54 milhões de reais por ano aos cofres públicos, enquanto um deputado e seus sequazes de gabinete custam 12 milhões de reais por ano.

Como se tem visto com frequência, o Senado tem a capacidade de sequestrar pautas que são do interesse da Nação, aparelhar órgãos de controle, manter relações incestuosas com o Judiciário, chantagear a iniciativa privada – e, assim, enriquecer indevidamente integrantes seus de maneira ainda mais despudorada do que ocorre entre os deputados. Não existe senador de baixo clero, todos são cardeais.

Eu aboliria o Senado tranquilamente, sem prejuízo para a democracia. Já que parece impossível, conteria danos por meio da adoção do bicameralismo desigual, assim como ocorre na França e na Alemanha, mas com um senado com atribuições ainda menores do que os desses países. Os senadores — com mandato de quatro anos — teriam somente o papel de revisar projetos de emendas constitucionais, julgar pedidos de impeachment e aprovar nomes indicados para o Banco Central e tribunais superiores (com sabatinas de verdade). Se tivessem apenas tais funções, não precisariam morar em Brasília e não teriam necessidade – real ou fictícia – para manter estruturas imensas pagas pelos contribuintes. A minha reforma do Legislativo incluiria também a adoção do voto distrital misto para deputados federais (baratearia as campanhas e haveria um ganho em representatividade) e a diminuição de 513 para 400 integrantes da Câmara — uma economia de 1 bilhão e 350 milhões de reais por ano.

No seu desenho atual, repito, o Senado é uma excrescência num país generoso em excrescências. Se é para mantê-lo dessa forma, que os senadores sejam ao menos obrigados a usar toga, como na Roma Antiga. Eu adoraria ver o sempiterno Renanus Calheirus de toga, com implante capilar e fios pintados de acaju, destilando o seu incomensurável amor por Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff ou Jair Bolsonaro. Renanus Calheirus ama tanto o Brasil que acha que tudo deve mudar para que tudo fique como está.

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