Agência BrasilBolsonaro e Onyx: o plano de eliminar a influência petista não é tão fácil de executar quanto parecia

A difícil tarefa de despetizar

O governo promete eliminar a influência do PT na máquina, mas já percebeu que não será fácil. O Incra, histórico bastião petista, é exemplo de como a prometida implosão pode se transformar em problemas
18.01.19

Despetizar, verbo intransitivo. A palavra foi criada pelo chefe da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, e dispensa complemento para ser entendida. Significa retirar do estado militantes e simpatizantes do PT, partido que se orgulha de ser a nêmesis de Jair Bolsonaro. A medida é entendida como fundamental para evitar sabotagens internas contra a nova gestão. Mas a experiência das primeiras semanas mostra o quanto ela pode ser difícil.

No Palácio do Planalto, um grupo de servidores que trabalhou no governo passado se aliou a integrantes do PSL para esquadrinhar a vida de funcionários da Casa Civil e do gabinete presidencial e elaborar um dossiê, cuja existência foi revelada esta semana por Crusoé, com perfis políticos. O trabalho resultou num papelório que foi entregue depois a Onyx e ao secretário de Governo, Gustavo Bebianno.

Do rol constavam desde telefonistas e responsáveis pela agenda presidencial até a ex-chefe de gabinete de Michel Temer, Nara de Deus, descrita como alguém que “fala mal dos militares e do presidente Bolsonaro todos os dias” e que “votou em Haddad” — o que ela nega.

Em outras áreas do novo governo, o problema não são os detetives do PSL alertando para o aparelhamento e tentando ajudar no processo de despetização. Na verdade, é o aparelhamento em excesso, que torna impossível afastar um petista ou simpatizante, sob pena de o processo acabar gerando problemas colaterais para o próprio governo.

O caso do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra, é exemplar. Antes mesmo da chegada do PT ao poder, o órgão sempre teve um viés de desapropriação condizente com aquela visão negativa da propriedade privada no campo que faz parte do credo da esquerda.

A partir do primeiro governo Lula, em 2003, seu aparelhamento foi rápido, fácil e crescente. E sustentou com movimentos como o dos Trabalhadores Sem-Terra uma relação de troca: petistas controlavam politicamente o órgão, abasteciam os movimentos com recursos federais e davam a eles preferência na escolha dos lotes de terra a serem concedidos. Em contrapartida, os sem-terra dosavam as invasões ao sabor do atendimento de suas demandas no governo.

Marcelo Camargo/Agência BrasilMarcelo Camargo/Agência BrasilJosé Rainha após visita a Temer no Planalto, tempos atrás: tentativa de manter laços com o novo governo
Com a chegada de Michel Temer ao poder, em 2016, o mecanismo foi mantido, mas o aliado preferencial do governo passou a ser Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), de José Rainha Júnior. De principal estrela sem-terra no governo Fernando Henrique, Rainha tornou-se desafeto do MST e de seus líderes, como João Pedro Stédile, e aproximou-se do Solidariedade, o partido do deputado Paulinho da Força.

A aliança abriu caminho para que Rainha ganhasse espaço no Incra. Em troca, o governo Temer teria nele uma espécie de garantidor de que não sofreria problemas no campo. O presidente do Incra na gestão Temer, Leonardo Góes, foi indicado com aval de Rainha. Góes já era o vice-presidente da instituição na gestão de Dilma Rousseff e é um quadro formado no petismo: foi secretário de planejamento no Sergipe do governador Marcelo Déda, do PT.

Bolsonaro herdou o esquema sem ter pedido o legado. Quando chegou, Góes já havia saído — foi demitido em 28 de dezembro. Mas o novo governo pôs em seu lugar, ainda que temporariamente, outra figura ligada há muito tempo ao petismo: o chefe de gabinete do presidente do Incra que havia acabado de deixar o cargo, Francisco José Nascimento. O personagem foi chefe de gabinete de Rolf Hackbart, presidente do Incra durante praticamente todo o governo Lula.

A gestão de Góes e Nascimento no governo Temer, chamado de “golpista” durante dois anos e meio pelo PT e seus simpatizantes, indica que a despetização pode não ser só uma questão de mudar pessoas, mas também de alterar práticas.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéA ex-presidente Dilma Rousseff: petistas incrustados na máquina até hoje
O Incra do “golpista” Temer manteve a mesma estrutura anterior de favorecimento dos movimentos em troca da desejada paz no campo (e, por consequência, no palácio). A aliança incluía carta branca para gastar conforme os interesses de ocasião. A Bahia, de onde Góes é natural, foi, durante sua gestão, o estado mais privilegiado com as verbas do Incra. Com 30 mil assentados, em 2018, teve 32 milhões de reais em despesas empenhadas (quando o governo assume o compromisso de pagar). O pequeno Sergipe, onde Góes fora superintendente, tem 10 mil assentados e teve 14 milhões de reais em despesas empenhadas no ano passado. Para se ter uma ideia do quanto a conveniência mandava por lá, o Maranhão, estado com o maior número de assentados do país (130 mil, quase cinco vezes mais que a Bahia e 13 vezes mais do que o Sergipe), recebeu 6,2 milhões de reais.

Grande parte desses recursos acabou indo parar na mão dos movimentos de sem-terra, por meio de convênios que as superintendências estaduais têm autonomia para celebrar.

A área de eventos do Incra também foi amplamente utilizada para manter a boa relação com os grupos. Por ela, o instituto repassa os recursos para uma empresa, que por sua vez organiza encontros dos movimentos – sim, os eventos em que MST e assemelhados reclamam do governo são bancados pelo próprio governo. Há, aliás, suspeitas de que recursos destinados a eventos sejam, após chegar às empresas que recebem do Incra, repassados diretamente aos sem-terra. O controle sobre a prestação de serviços é praticamente inexistente. Trata-se de outra bomba herdada das gestões passadas.

Essa engrenagem orçamentária só é possível por ser acompanhada de uma engrenagem política. Os cargos no Incra que alimentam tal sistema são divididos entre os partidos que gozam de interlocução com os movimentos. Estes, por sua vez, moderam o ritmo das invasões em fazendas, na sede nacional do Incra em Brasília e nas superintendências nos estados, e do fechamento de estradas — isso, claro, a depender do bom desempenho do mecanismo.

Bolsonaro quer reverter essa situação, mas por enquanto não está muito claro como ele fará isso. O Incra agora está subordinado à recém-criada Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, cujo ocupante é Luiz Antônio Nabhan Garcia, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR). A promessa de Nabhan é endurecer com os movimentos. Ele exige, por exemplo, que todos sejam regularizados, com sede, estatuto e ata com representantes legais. Existência jurídica é tudo do que os sem-terra sempre fugiram, para não serem responsabilizados na justiça por invasões e depredações que promovem em nome da reforma agrária. “Somos a favor de reforma agrária com critério. Não será mais o MST invadir e o governo atender. Para invasor não haverá reforma agrária”, disse Nabhan a Crusoé. Ele garante que os movimentos não terão mais recursos federais: eles serão repassados diretamente aos assentados.

Os bancos estatais são outro front de despetização aberto pelo governo Bolsonaro. O novo presidente ordenou um pente-fino nas gestões dos bancos federais para levantar nomes de integrantes do PT — e do MDB também, para não perder a viagem — no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Banco do Nordeste e no Banco da Amazônia. Os levantamentos ficaram a cargo de funcionários de carreira dessas instituições, que elaboraram relatórios sobre os ocupantes de cargos com salários entre 30 mil e 60 mil reais.

O Banco do Brasil tornou-se alvo preferencial. A instituição aumentou o número de dirigentes na era PT, com a criação de 11 cargos de gerente-geral para se integrar aos 27 diretores e nove vice-presidentes que  já davam expediente. O objetivo era premiar os funcionários sintonizados com o governo, de preferência com salários acima de 30 mil reais. Ao todo, o governo Bolsonaro pegou um banco com pouco mais de mil executivos onerando em 28,9 milhões de reais a folha de pagamento.

O esforço de despetização do BB, no entanto, sofreu um revés. Ele veio com a nomeação, pelo novo presidente do banco, do filho do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, como assessor especial. O desconforto que o caso causou chama a atenção para outro cuidado necessário no processo de despetização: além de varrer os inimigos potenciais, é preciso não repetir seus erros.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO