RuyGoiaba

Que pena que a burrice não dói

11.01.19

Feliz ano novo, leitores. Já se irritaram em 2019? Eu já – e, como não quero me irritar sozinho, compartilho a exasperação para que vocês também comecem o ano de mau humor. (Não precisam agradecer.)

As pessoas estão cada vez mais incapazes de entender sátira. Especialmente nas redes sociais, esse lugar cujos frequentadores não conseguem captar ironia nem se ela vier com o aviso “isto é ironia” em néon piscante. Uma vez, fiz uma piada assumidamente idiota com o nome da loja Zara Home (“que absurdo, existe Zara Home mas não tem Zara Mulé, isso é machismo”, algo assim). Juro que uma distinta senhora apareceu para me EXPLICAR que “home” é “lar” em inglês.

E esse é só um exemplo (literalmente) anedótico. Quando o “Choque de Cultura” começou a fazer sucesso na internet – ainda antes de ser exibido na Globo -, surgiu um inteligentão para condenar o “humor hétero” do programa (sim: caso vocês ainda não saibam, “hétero” é defeito). Para quem não conhece o “Choque”, são quatro atores interpretando motoristas de lotação – “os maiores nomes do transporte alternativo” – numa mesa-redonda de crítica de cinema.

Ou seja, todo o humor do programa vem do contraste entre o jeitão dos motoristas, que são o estereótipo do machão tosco, e a atividade supostamente refinada que é analisar filmes – é como se a revista francesa “Cahiers du Cinéma” fosse escrita por caminhoneiros. É possível que não percebam a sátira aos “héteros”, mesmo esfregada na cara? Sim, é possível.

Nesta semana, um site metido a moderninho-e-descolado abordou a estreia, em fevereiro, do filme “Sai de Baixo”, baseado no seriado de comédia da Globo. “Quem ainda precisa de Caco Antibes? O personagem se orgulha de ter horror aos pobres e nordestinos, além de mandar sua esposa calar a boca por qualquer motivo”, escrevem os gênios moderninhos-e-descolados.

Por Deus: nem sou fã do “Sai de Baixo”, mas não é possível que não entendam que o personagem de Miguel Falabella é o vilão. Ele está ali justamente para sacanear os preconceitos e a arrogância de uma pretensa elite paulistana, e não há um espectador do programa – bastante popular – que não ache Caco Antibes ridículo. Essa gente do site daria à luz diariamente se as frases de Odete Roitman, vivida pela grande Beatriz Segall em “Vale Tudo”, fossem escritas hoje.

Lembro que, quando li “Uma Modesta Proposta”, do Jonathan Swift, pensei: “Não é possível que leitores tenham achado que ele propôs A SÉRIO vender a carne das criancinhas irlandesas”. Pois bem, quase 300 anos se passaram e continua sendo possível. E não acredito que a coisa se limite à incompreensão da sátira. Consigo imaginar um futuro de “safe spaces” em que filmes sobre a Segunda Guerra não façam nenhuma menção aos nazistas, para não dar mau exemplo.

Burrice não doer – muito – é mesmo um grande equívoco da natureza.

Gshow/DivulgaçãoGshow/DivulgaçãoOs atores do programa de humor “Choque de Cultura”, sucesso na internet

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A GOIABICE DA SEMANA

Se tem uma coisa em que o governo Bolsonaro está sendo brilhante nestes primeiros dez dias é a superprodução de goiabices: você pensa que acabou e, no mesmo dia, vêm mais. Mas estou curtindo especialmente as indicações técnicas. Por exemplo, a “indicação técnica” da amiga do Eduardo Bolsonaro para a Apex. Ou a “indicação técnica” do filho do Mourão para ganhar o triplo do salário no BB – o fato de o pai ter virado vice-presidente certamente foi coincidência.

Está bonito ver a meritocracinha bombando.

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