ReproduçãoGrabois em um de seus encontros com Francisco: tentativa de extrair dividendos políticos da amizade

O amigo do papa

Juan Grabois, uma espécie de Guilherme Boulos argentino, usa sua amizade com Francisco para se promover e, com alguma frequência, cria embaraços para o Vaticano
11.01.19

Marcada para outubro, a próxima eleição presidencial na Argentina tem tudo para ser um embate entre o atual presidente, Mauricio Macri, e a senadora Cristina Kirchner, que governou o país entre 2007 e 2015. Mas um terceiro elemento pode se somar ao duelo: o papa Francisco. Não ele, pessoalmente, mas o homem que se diz seu representante, porta-voz, enviado, consultor, encarregado, braço direito ou qualquer outro termo usado para tentar abarcar a familiaridade com o pontífice. Com 35 anos e pai de três filhos, o advogado Juan Grabois desenvolveu uma amizade com Francisco, então cardeal Jorge Bergoglio, quando a sociedade argentina ainda sentia os reflexos da crise de 2001. A relação íntima entre os dois tem tudo para ganhar mais visibilidade, à medida que Grabois se dedica mais à política. Em outubro, ele criou o movimento Frente Pátria Grande com a meta de levar a ex-presidente Cristina Kirchner de volta à Casa Rosada este ano.

A melhor forma de apresentar Grabois e suas ideias é recordar o que já aprontou no Brasil. Ele é aquele sujeito que, em meados do ano passado, foi barrado pela Polícia Federal em Curitiba quando tentou encontrar Lula na prisão. Ele queria dar de presente ao brasileiro um terço supostamente abençoado pelo papa Francisco. Não conseguiu e, em carta para Lula, publicada no site do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), lamentou o episódio. No texto, ele aproveitou para se gabar de seu vínculo com o Vaticano. Segundo suas próprias palavras, o papa o honra com sua amizade, apesar de ele não merecê-la. O pontífice conversa com Grabois de maneira frontal e direta, mas ele nunca revela o conteúdo dos encontros, porque é “leal, respeitoso e o admira muito”. Grabois ainda se declara consultor do Pontifício Conselho Justiça e Paz, que passou a fazer parte do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Os adornos que para a maioria significam pouco, ele ostenta como medalhas. Grabois se diz, ainda, “o coordenador do encontro mundial dos movimentos sociais em diálogo com o papa Francisco”. O ego foi desperdiçado. Toda a sua prepotência não foi suficiente para que ele passasse pelo funcionário que guardava a carceragem da PF em Curitiba. Com cara triste, Grabois deixou o terço em Curitiba e voltou para Buenos Aires. O Vaticano, indagado se Grabois de fato estava na capital paranaense representando Francisco, preferiu silenciar. Foi um constrangimento só. Até porque, para a Igreja, não era um bom negócio dizer que o papa estava afagando um condenado.

Lula foi sentenciado a doze anos de cadeia e está preso. Apesar de todo empenho do Partido dos Trabalhadores e de seus advogados, ele ficou de fora da eleição presidencial de 2018. Roubou, pagou. Na Argentina, o ciclo ainda não se fechou. Cristina Kirchner responde a sete processos na Justiça por corrupção, lavagem de dinheiro e organização de quadrilha. Seus casos estão na primeira instância e estão sendo conduzidos por seis promotores e cinco juízes diferentes. Mas ela exerce um mandato como senadora e conta com foro privilegiado. Com isso, continua solta. Em agosto do ano passado, Grabois começou a acompanhar Cristina em suas constantes idas e vindas aos tribunais de Buenos Aires para depor. O jovem, curiosamente, apresenta-se como um inimigo ferrenho da corrupção, mas se uniu àquela que é o maior símbolo da ladroagem em seu país. Na sua cabeça cheia de cabelos compridos, Cristina sofre uma perseguição política com o intuito de evitarem que saia candidata. “Juan Grabois era um dirigente social que, com a chegada de Mauricio Macri ao poder em 2015, acabou se radicalizando. Seu objetivo máximo agora é liderar uma frente de apoio à candidatura de Cristina”, diz o cientista político argentino Patricio Giusto, da consultoria Diagnostico Político, sediada em Buenos Aires.

Reprodução/Facebook Juan GraboisReprodução/Facebook Juan GraboisCom Lula, antes da prisão: depois, o argentino tentou visitar o petista em Curitiba, mas não conseguiu
O impacto que Juan Grabois poderá ter na eleição só será conhecido ao longo do ano. É aventada a possibilidade de ele se tornar vice da chapa de Cristina, que tem até o final de julho para definir sua pretensão. Grabois já confessou sonhar com a criação de um Ministério do Desenvolvimento Humano Integral. Ele começou a militar com catadores de papel depois da crise de 2001 e foi um dos responsáveis por uma lei que criou creches para os filhos desses trabalhadores (os cartoneros, em espanhol). É fundador da Confederação de Trabalhadores da Economia Popular (CTEP) e do Movimento dos Trabalhadores Excluídos, que conta com trezentas cooperativas e trezentas oficinas.

Grabois é figura frequente nos bloqueios de avenidas e estradas e invasões de prédios. Em dezembro, após voltar de uma viagem a Roma, ele liderou um protesto da CTEP no edifício de onde se emitem os sinais de dois canais de televisão aberta, o Canal 13 e o Todo Notícias. O portão foi forçado, os arruaceiros entraram na garagem e depois saíram. A justificativa para o ato foi a de que eles queriam a inclusão de dois canais alternativos, Barricada TV e PARES TV, na grade da operadora de cabo Cablevisión. Nada foi por acaso. O protesto por motivos banais funcionou mais como um expediente para importunar os inimigos declarados de Cristina Kirchner. A Cablevisión é uma empresa do grupo Clarín. Ao apoiar os protestos de fazendeiros ainda em 2008, a empresa passou a ser odiada pelo casal Néstor e Cristina Kirchner e sofrer constantes ataques, como dificuldades para entregar o jornal, venda forçada de ações a ameaças de fechamento de sua gráfica. “Em termos de votos, Grabois não conseguiria o mínimo de 1,5% para lançar-se como candidato a presidente”, diz o cientista político Lucas Romero, diretor da consultoria argentina Synopsis. “Mas, com sua legitimidade clerical, ele poderia abrandar a imagem de Cristina e ajudá-la a ganhar votos no centro do espectro político, principalmente entre os setores mais conservadores”. Pois é, abrandar.

Com Grabois, Francisco poderia dar sua cartada decisiva na política argentina. “O papa fala com muitos setores e políticos argentinos, mas seus interlocutores não fazem propaganda disso. Grabois é o mais inteligente em usar essa relação politicamente”, diz o cientista político Sergio Berensztein. Uma atuação política comezinha seria estranha para um pontífice que, em tese, não deve se imiscuir em assuntos mundanos. Só que Francisco é diferente. Como argentino, a política corre nas suas veias. Quando ainda atendia pelo nome de cardeal Bergoglio, o religioso entrou em disputas seguidas com o presidente Néstor Kirchner. Para o político, que morreu em 2010, o cardeal era o principal nome da oposição. A nomeação de Bergoglio para o maior cargo da Igreja Católica levou Cristina a correr para Roma com o intuito de selar uma amizade. A estratégia deu certo e os dois se encontraram quatro vezes. O papa até chegou a se encontrar com Daniel Scioli, o candidato de Cristina, em plena campanha para as eleições de 2015.

O terço que Grabois levou para Lula era daqueles que turistas encontram nas ruas de Roma
Quando Scioli perdeu para Macri, o céu se fechou. Francisco só se reuniu com o atual presidente uma vez, por breves 22 minutos, em 2016. E fez careta o tempo todo. O pontífice viajou para Chile, Brasil, Colômbia, Cuba, México, Equador, Bolívia e Paraguai, mas nada de pisar na Argentina. Também não para de mandar mensagens em código para Macri e para os cidadãos de seu país. Em 2017, quando o governo tentava aprovar uma reforma trabalhista, o papa disse: “Se não se protege adequadamente, o trabalho deixa de ser o meio pelo qual o homem se realiza e se converte em uma forma moderna de escravidão”. No ano passado, quando Macri mandou para o Congresso uma lei sobre o aborto, o papa veio com outra: “No século passado, todos estavam escandalizados pelo que faziam os nazistas para cuidar da pureza da raça. Hoje se defende fazer o mesmo, mas com luvas brancas”. No final do ano passado, Macri pensou em deportar migrantes que cometem crimes. “Que se ajude os que emigraram devido ao flagelo da pobreza e todo tipo de violência e perseguição, assim como a desastres naturais e transtornos climáticos, para facilitar as medidas que permitam a integração social nos países de recepção”, disse Francisco. O governo argentino vai comprar pistolas taser, não letais, para a polícia? Lá vem o papa: “É lamentável observar que o mercado de armas não parece sofrer contratempos”. Criticou também que há no mundo uma tendência generalizada para se armar, “tanto de parte dos indivíduos como de parte dos estados”.

Na Argentina e no Vaticano, 2019 será um ano eleitoral. Grabois será o homem do papa em Buenos Aires. Um Guilherme Boulos com água benta.

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