Raquel Cunha/FolhapressMarco Aurélio Vitale é testemunha dos negócios entre Suassuna e Lulinha

“Era uma quadrilha”

Ex-homem de confiança de Jonas Suassuna, sócio do filho de Lula, o publicitário Marco Aurélio Vitale diz que a parceria foi arquitetada para roubar. À Lava Jato, ele deu pistas que ajudaram a entender por que Suassuna figura como dono formal do sítio de Atibaia, epicentro de um processo cuja sentença será conhecida em breve
11.01.19

Os inimigos da Lava Jato que sustentam a cantilena rasteira de que as investigações são baseadas apenas no testemunho de delatores desesperados precisam conhecer Marco Aurélio Vitale. Ex-diretor do Grupo Gol, empresa de Jonas Suassuna, sócio do filho mais velho de Lula e proprietário formal do famoso sítio de Atibaia, Vitale viu e ouviu muita coisa por um longo período. A compra do sítio para o petista, o pagamento de contas pessoais de Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, a negociação de contratos de fachada com gigantes do ramo de telefonia. Ele acompanhou tudo de perto.

Depois de trabalhar no Grupo Gol (que nada tem a ver com a companhia aérea) por sete anos, Vitale viu seus patrões entrarem na mira da Lava Jato e, mesmo sem ser investigado, decidiu colaborar com as investigações no Rio e em Curitiba. Mais tarde, escreveu um livro, que publicou por conta própria. Nas 216 páginas de “Sócio do Filho – A Verdade Sobre os Negócios Milionários do Filho do Ex-Presidente Lula”, ele narra os bastidores da sociedade entre Lulinha e Jonas Suassuna. Nesta entrevista a Crusoé, Vitale fala mais sobre os negócios entre e a família Lula e seu ex-patrão, dos quais derivará a próxima sentença do ex-presidente — o processo do sítio de Atibaia está pronto para ser julgado, na Justiça Federal de Curitiba.

A seguir, os principais trechos da conversa.

Quando o sr. percebeu que havia algo errado no Grupo Gol?
Quando eu comecei na empresa, em junho de 2009, vi um luxo não condizente com o faturamento. Era uma quadrilha: o Fábio (Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho mais velho do ex-presidente Lula), o Kalil Bittar, o Fernando Bittar (filhos de Jacó Bittar, ex-prefeito de Campinas e amigo de Lula) e o Jonas (Jonas Suassuna). Mas existia um discurso de moralidade. O Jonas dizia que não queria negócio com o governo, nem com empresas estatais, bradava que ele era independente, mas por trás estavam as negociatas que faziam, sempre buscando negócios milionários que não tinham entrega de serviços.

Como funcionava?
Em 2008, o então presidente Lula assinou um decreto que permitia que a Oi comprasse a concorrente Brasil Telecom. Essa dívida de gratidão seria paga pela Oi com contratos com o Grupo Gol, que serviria de laranja para injetar milhões na Play TV, do seu filho Lulinha, por meio das empresas do Jonas. E foi isso que fizeram.

Os serviços só existiam no papel?
Exatamente. Fizeram uma negociata e resolveram dividir entre dois contratos. A Oi, durante quatro anos, colocou 1,2 milhão de reais por mês na Gol. Um contrato era de um portal de voz da Bíblia do Cid Moreira, em que o cliente da Oi ligaria para um número e seria tarifado pelos minutos em que escutaria as mensagens do Cid. Mas foi um projeto que nunca foi divulgado, gerou um prejuízo milionário à Oi. A Oi faturava em torno de 150, 200, 300 reais por mês, em alguns meses conseguiu 1.000 reais mensais. E a Oi pagava 600 mil reais por mês (à empresa de Jonas Suassuna). O outro contrato previa um serviço de SMS no qual o cliente da Oi recebia mensagens sobre beleza ou emagrecimento. A Gol chegou a divulgar que tinha 8 mil clientes, mas nunca chegou a 100. Por esse contrato, a Oi também pagava 600 mil reais por mês.

Como Lulinha, filho do ex-presidente, se beneficiava?
Existe um contraste na forma como o Lulinha se apresentava e alguns hábitos que foram revelados. Ele se veste de forma simples. Usa jeans e tênis. Mas morava em um apartamento alugado pelo Jonas, sem pagar nada. Depois, o Jonas comprou um apartamento para o Lulinha morar. Veio uma reforma de 1,6 milhão de reais desse apartamento. Pouca coisa foi paga pelo Lulinha. Ele sempre foi a chave para abrir as portas. Nas agendas que eram necessárias para o Suassuna, o Kalil Bittar e Fernando Bittar, o Lulinha era a chave. Sempre que existia alguma decisão a ser tomada, ficava evidente que quem decidia era o Lulinha. Principalmente quando a questão era financeira. Eu percebia que quem realmente mandava era o Lulinha.

Como era a rotina de Lulinha na Gol?
No início da sociedade, por volta de 2011, o Lulinha ia quase toda semana para a Gol (na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro). Ele tinha uma sala enorme, com obras de arte, do lado da sala do Jonas. Mas nunca quis ocupar essa sala. Sempre que ia, ficava na sala do Kalil Bittar. O Lulinha chegava e não avisava. Isso irritava o Jonas. No fim, em 2014, ele quase não ia. Mas não chegava a passar um mês sem ir. Quando ia, ficava dois ou três dias por lá. Periodicamente, com um espaçamento maior, de meses, o grupo fazia reuniões em São Paulo, com o presidente Lula. Chegaram a se reunir em Atibaia.

Jonas Suassuna: a parceria com o filho de Lula rendeu bons negócios ao empresário
Fernando Bittar e Jonas Suassuna são os donos formais do sítio de Atibaia, que segundo o Ministério Público pertencia de fato a Lula e Marisa. Isso era conhecido na empresa?
Uma coisa curiosa é que o Jonas viajava, dizia que ia para São Paulo, mas ninguém conseguia ligar no celular dele. E, quando conseguia, o sinal era péssimo. Na verdade, Jonas estava agilizando a compra do sítio para o Lula em Atibaia. Aí a Oi instalou a antena no sítio. As obras só foram feitas na parte do Fernando Bittar. O Bittar se destacou no caso do sítio, ganhou projeção, mas sempre foi coadjuvante. Quando a história do sítio estourou, o Jonas correu para verificar se tinham feito reformas do lado dele. Nem ele sabia. Tinha dúvida sobre até onde ia o terreno dele. Dentro da Gol, todos falavam no sítio do Lula, sítio do presidente. O Jonas é muito vaidoso com as posses que ele tem, mas nunca disse que tinha um sítio. Nas festas juninas, ele sempre falava que a dona Marisa, ex-primeira-dama, fazia questão de que ele fosse lá. Quem sabia da posse do sítio era o diretor financeiro da Gol, Alessandro Sargentelli, o cara que sempre executou as ordens do Jonas.

No livro, Suassuna é descrito como um sujeito irascível, que puxava os próprios cabelos e se esmurrava.
Em dias de assinatura de cheques, as pessoas na empresa ficavam mobilizadas. O secretário ligava para o Jonas para saber como ele tinha acordado. E ele dava gritos quando via as despesas pessoais do Lulinha, Kalil e Fernando. Puxava o cabelo, ficava vermelho, parecia que ia explodir. Gostava de andar pela empresa e gritar sobre o dinheiro que ganhava. Mas também sabia ser carinhoso. No livro, digo que o Lula sempre falou que o Jonas era o maior mentiroso que ele conhecia. O Jonas mente com uma empolgação absurda, de forma apaixonada.

Pode citar algum caso que não está contado no livro?
Na antessala dele, havia uma maquete super bonita, com arvorezinhas e tudo. Ele mostrava a maquete para políticos e executivos que chegavam e dizia que era um projeto social ligado a um dos negócios dele, a Nuvem de Livros, para crianças de áreas pobres do interior do Brasil. Nunca teve isso. Quem vendia a Nuvem de Livros, principalmente, era a Vivo. Em uma viagem à Espanha, Lula falou com o presidente da Telefônica e indicou a Gol para fazer o projeto da Nuvem de Livros por meio da Vivo. Tudo era virtual. Mas o nível de mentira do Jonas ia ao ponto de ele forjar uma maquete e falar alto, com todo mundo ouvindo. Nunca teve nada disso. Uma desfaçatez absurda, que envolvia crianças, educação. Uma grande mentira.

Como o sr. conheceu Jonas Suassuna?
Em 1998, eu era gerente de marketing no jornal Folha de S.Paulo e de jornais populares da empresa. Eles precisavam de projetos para alavancar as vendas da Folha da Tarde e do Notícias Populares. Aí eu tive a ideia de lançar a Bíblia em áudio. O Jonas Suassuna já vendia CDs de hinos de futebol, estava nesse mercado. Liguei para ele e ele deu a ideia de falar com o Cid Moreira para gravar a Bíblia. Fez isso e já fechou o contrato naquele dia. Foi um sucesso tremendo. O Jonas começou a vender a Bíblia em CD em jornais no Brasil inteiro e ficou milionário. Na época, ele me chamou para trabalhar com ele, quis me dar casa em Búzios, carro, tudo. Eu nunca recebi um real dele com isso. Eu era uma pessoa que trabalhava na empresa, mas era visto como o cara que o deixou milionário.

ReproduçãoReproduçãoLula com Lulinha e Kalil Bittar, durante visita ao Grupo Gol, no Rio
Quando surgiu a ideia de escrever o livro?
Fiquei de 2009 até 2016, quando veio a Operação Aletheia (operação deflagrada em março de 2016 em que a PF fez a condução coercitiva de Lula e realizou buscas na Gol e na casa de Jonas Suassuna). Um ano depois que eu saí da Gol, eu e os outros ex-diretores recebemos uma intimação da Receita Federal para prestar esclarecimento sobre uma empresa chamada PJA, da qual eu nunca tinha ouvido falar. E descobri que era uma empresa do Jonas. Eu fui até a Receita, fiquei duas horas e meia e ajudei a começar a montar o quebra-cabeça. Eles falaram que tinham indícios de lavagem de dinheiro. Fui de tênis e sem advogado, sozinho. Saí de lá e mandei e-mails e documentos que poderiam ajudar. E quando terminou o trabalho da Receita, falei: “Agora vou continuar”. Meus depoimentos ajudariam o fisco, mas havia mais. Comecei a pensar no livro. O coordenador do Ministério Público do Rio me ligou e perguntou se eu falaria. E falei com o Ministério Público do Rio e de Curitiba, também sobre o sítio de Atibaia. Depois a Polícia Federal em Curitiba entrou em contato comigo e também perguntou se eu colaboraria. Fui a Curitiba em novembro de 2017 e janeiro de 2018. Levei meus dois notebooks. Desde então, mantenho contato regular com eles.

A primeira frase do livro é “Sou o dono da testa que continua sob a ameaça de um tiro”. Que tipo de ameaças o sr. recebe?
Com o livro recém-lançado, uma pessoa que transita pela Gol foi lá em casa. Até dei a ela, de presente, um exemplar do livro. Ela me contou: “O Jonas me chamou na sala dele e perguntou se eu sabia de você, e eu falei que não. O Jonas falou que me dava um dinheiro para eu te ferrar. Eu não quis. Então ele disse que me dava todo o dinheiro dele para quem prejudicasse ou acabasse com você”. Comuniquei isso a Curitiba. Perto da minha saída da empresa, quando as investigações foram chegando perto, o Jonas, que nunca tinha ido à minha casa, começou a ir várias vezes, para tentar me monitorar, para ver se eu não seria um problema para ele. Sempre muito preocupado se estava sendo filmado. Uma vez ele falou: “Eu já sofri busca e apreensão na minha casa, na minha empresa. Não tenho medo de mais nada. Quem vier para cima de mim, pode ser você, um jornalista, quem vier para cima de mim vai levar um tiro na testa”. Depois, um advogado relacionado ao sítio de Atibaia me mandou uma mensagem estranha pelo WhatsApp, às 5 horas da manhã, falando que quem abandona os amigos morre e vai para o inferno. Semanas após o meu depoimento na Polícia Federal, ele me mandou um áudio pedindo desculpas. Não sei se eles sabem, mas eu continuo com o acompanhamento da Polícia Federal. Ando tranquilamente. Passeio com o cachorro, vou ao shopping, tudo.

Mesmo preso por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula ainda é um tabu?
Quando envolve o ex-presidente Lula, as pessoas têm medo. É incrível. Há um subconsciente coletivo de que quem mexer com eles vai morrer. A maioria das pessoas que eram importantes para o projeto do livro, para conversar, trazer informações ou ajudar, falou: “Você é maluco. Não tem medo?”. Não deveria ser assim num país livre e democrático. Eu escrevi o que vi e ouvi. Não tenho nada contra eles, exceto o fato de que roubaram e usaram o trânsito do ex-presidente Lula. As pessoas me dizem muito: “Nunca vi ninguém falar da corrupção do presidente Lula de forma tão direta, citando nomes de políticos”. Me dão parabéns pela coragem. Mas, sinceramente, não vejo como coragem. Eu simplesmente escrevi. Sou favorável à delação premiada e outros instrumentos jurídicos para as pessoas falarem. Não cometi crime e queria que as pessoas percebessem que não é só com a Justiça atrás, com a Polícia Federal entrando em casa, que as pessoas deveriam falar. Deveria ser um princípio.

Em algum momento o sr. teve de resistir à pressão para participar do esquema ou esteve diante do risco de cometer algum crime?
Na véspera da Operação Aletheia, um dos diretores da empresa me chamou à sala dele e falou: “Decidimos apagar as câmeras”. E eu respondi: “Roberto, você já matou alguém na sua vida? Isso é obstrução de Justiça, ocultação de provas. Vou sair por essa porta e o que vocês decidirem eu não quero saber”. Fiquei sabendo depois que eles apagaram, com consentimento do Jonas. As imagens mostravam toda a movimentação de provas para uma sala de reunião. Eu me recusei a colocar minhas pastas em uma sala de reunião em que eles queriam esconder arquivos e HDs. Até me mandaram um e-mail com esse pedido, que encaminhei para a Lava Jato.

O sr. encerra o livro com uma frase sobre ficar bem com Deus, e diz que tudo valeu a pena. Valeu mesmo?
Sim. Essa frase veio do Cid Moreira. Quando começam as reportagens com meus depoimentos sobre a Gol, o Cid me ligou: “Marco, o que aconteceu? Te sacanearam?”. Falei que não, que tinha resolvido lançar o livro. Ele disse: “Marco, te conheço há 20 anos, sei que você é um homem de Deus. Vou te dizer uma coisa. Prefira dizer a verdade e ficar mal com os homens a mentir e ficar mal com Deus”. Eu guardei essa frase. Depois, quando fui escrever o livro, pesquisei se era bíblico, mas não era. E usei essa frase. Valeu a pena, com certeza. Foi complicado. Poucas pessoas se dispõem a falar sobre algo que envolva o Lula tão diretamente. Fiz isso pela verdade. Dezenas de pessoas conheceram essa história, entraram naquela empresa, souberam de detalhes, mas se calaram. E eu resolvi falar. Esses caras formaram uma quadrilha, achavam que ninguém colocaria o dedo na cara deles e apontaria o que eles fizeram, diria quantos milhões levaram. E eu fiz isso. Eu ganhei em relação à consciência, ao trabalho que fiz. Alguém tinha que fazer isso. Quando entrei na Gol, eu pensava: “Um dia isso aqui vai estourar, a Polícia Federal vai entrar aqui, o Jonas vai aparecer no Jornal Nacional e vai ser preso”. Os dois primeiros já aconteceram. A Justiça vai determinar se ele deve alguma coisa ou não.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO