Antonio Cruz/ Agência Brasil

Pragmatismo à vista

Dono da segunda maior bancada entre os deputados, o partido de Jair Bolsonaro temia ficar sem cargos importantes na Câmara e decidiu apoiar a reeleição de Rodrigo Maia, outrora um exemplo da velha política. Será um sinal de que o discurso da campanha se dobrará à política real?
04.01.19

Em seu primeiro grande movimento político após a posse do presidente Jair Bolsonaro, o PSL mostrou que pretende jogar de forma pragmática. Em um ato que surpreendeu aliados e opositores, o partido de Bolsonaro anunciou oficialmente nesta quarta-feira, 2, que apoiará a reeleição de Rodrigo Maia, do DEM, para a presidência da Câmara. Citado na delação premiada da Odebrecht sob o codinome Botafogo e investigado pela Lava Jato, Maia é um parlamentar identificado até bem pouco tempo atrás, pelos próprios integrantes do PSL, como um legítimo integrante da “velha política”. A decisão do partido de Bolsonaro, noticiada em primeira mão no Diário de Crusoé, desencadeou apoios de outros partidos a Maia, como o PRB, o que tornou o parlamentar do DEM franco favorito na disputa. Sob nova direção, o Palácio do Planalto nega que a costura tenha sido avalizada por Bolsonaro, mas aliados do presidente festejaram o apoio como o primeiro grande passo para que o governo consiga aprovar suas medidas no Congresso.

O PSL tomou a decisão após fazer um cálculo político frio e simples. O partido avaliou que, com ou sem o seu apoio, Maia seria o favorito. Então decidiu, digamos assim, surfar na onda e garantir alguma vantagem. A primeira era evidente: o apoio dará dividendos ao governo Bolsonaro e amarrará Maia às propostas prioritárias do governo, em especial as da área econômica. A outra tem a ver com o varejão do Congresso Nacional. Em troca, Maia se comprometeu a garantir ao partido posições destacadas na futura configuração do comando da Câmara. Se tudo der certo, o PSL provavelmente ficará com a segunda vice-presidência da casa e ainda comandará duas das mais importantes comissões temáticas: a Comissão de Constituição e Justiça, a CCJ, e a Comissão de Finanças e Tributação.

Não fosse o acerto, o PSL correria o risco de ver Maia vencer sem ficar com qualquer bônus que sua condição – a de dono da segunda maior bancada – naturalmente poderia propiciar. O partido optou, portanto, por fazer a aliança formal e ficar com postos que darão visibilidade e protagonismo para sua bancada. A sigla de Bolsonaro temia repetir o destino do PT em 2015. Naquela eleição para a presidência da Câmara, os petistas ignoraram a candidatura de Eduardo Cunha, do MDB, que na época já despontava como favorito. Lançaram Arlindo Chinaglia. Cunha venceu, o PT ficou sem nenhum cargo na mesa diretora e ainda teve de lidar com um presidente da Câmara adversário do governo. Deu no que deu: Cunha patrocinou pautas bombas e, naquele mesmo ano, aceitou o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que acabaria perdendo o cargo em maio de 2016.

Agência BrasilValter Campanato/Agência BrasilBivar, o presidente do PSL: ele costurou e anunciou o apoio
Afora os lugares na mesa, Maia garantiu ao PSL apoio à pauta econômica de Paulo Guedes, especialmente à reforma da Previdência, a grande prioridade do novo governo. O atual presidente da Câmara, muito próximo do novo ministro, é um dos principais defensores da proposta. Ele também fez acenos na pauta de costumes, outra seara que os correligionários de Bolsonaro têm em alta conta. Maia afiançou, por exemplo, que mandará instalar uma nova comissão especial na Casa em 2019 para analisar o projeto Escola Sem Partido. Prometeu, ainda, que não deixará de pautar outros projetos de interesse do partido com chances de aprovação no plenário.

A negociação para o acordo entre PSL e Maia começou no início de dezembro. Uma das primeiras pessoas que Maia procurou foi a deputada eleita Joice Hasselmann, que, logo após a eleição, criticou a possibilidade de reeleição do atual presidente da Câmara. Ele também conversou com o presidente do partido, Luciano Bivar. O primeiro contato entre os dois foi intermediado pelo deputado Mendonça Filho, do DEM, que é pernambucano como Bivar. No dia 11 de dezembro, em um aceno mais geral, o presidente da Câmara convidou os novos deputados do PSL para um jantar de “boas-vindas” na residência oficial da Casa.

O principal obstáculo para Maia no partido era o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República. Em conversas internas no grupo da bancada, reveladas por Crusoé, Eduardo chegou a dizer que, a mando do pai, estava trabalhando contra o atual presidente da Câmara. “Se eu botar a cara publicamente, o Maia vai acelerar as pautas bombas no futuro governo. Por isso que tenho feito mais essa parte”, escreveu. Uma semana depois de as mensagens virem à tona, Eduardo almoçou com Rodrigo Maia para negociar um espaço físico maior para o PSL nas dependências da Casa. Maia prometeu atendê-lo. Estavam dadas, ali, as condições para a pacificação com aval da família presidencial.

As conversas continuaram e o acordo entre o PSL e Maia foi fechado na manhã da última quarta-feira, em uma reunião na residência oficial do presidente da Câmara. Além de Bivar e Maia, estavam presentes o atual líder da legenda na Câmara, Delegado Waldir, e o vice-presidente nacional do partido, Antônio de Ruêda. “Vamos apoiar a reeleição do presidente Rodrigo. Ele se comprometeu comigo com a pauta das reformas, que é a pauta que nos interessa, e os espaços para o partido na Mesa e nas comissões”, afirmou Bivar a Crusoé uma hora após o encontro.

Enquanto ele falava, o líder do PSL na Câmara chegava ao Planalto para comunicar oficialmente a decisão ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Os dois conversaram no gabinete do ministro, no 4ª andar do palácio. Embora seja do DEM, Onyx não gostou do que ouviu. Ele e Maia disputam protagonismo no partido há anos. À tarde, o ministro fez questão de dar entrevista dizendo que o governo não vai interferir na disputa e que continuará “dialogando” com outros candidatos ao comando da Casa – discurso que outros palacianos têm repetido, talvez como forma de não comprar briga com os demais postulantes e, assim, evitar problemas para Bolsonaro caso algo dê errado e Maia perca a disputa.

Reprodução/TwitterReprodução/TwitterEduardo Bolsonaro e Joice Hasselmann: ele silenciou sobre o apoio a Maia; ela defendeu a aliança como atalho para catapultar o governo
O anúncio do apoio gerou críticas imediatas de apoiadores de Jair Bolsonaro nas redes sociais. Mas os deputados que aprovaram a aliança não se furtaram a bancar publicamente a decisão. “Qual seria a opção? Afundar o governo? Não ter bloco para aprovar nada? Fazer beicinho de criança birrenta e prejudicar milhões de brasileiros por isso? Brincar de polainas? Ora, me poupe. Vamos pensar, minha gente”, reagiu Joice. “O apoio ao Rodrigo Maia irá proporcionar relevância e protagonismo ao PSL na Câmara e governabilidade ao nosso presidente”, afirmou o deputado eleito Felipe Barros. Eduardo Bolsonaro silenciou.

Ao mesmo tempo em que fechou com o partido do presidente, Rodrigo Maia segue conversando com o PT, partido com o qual manteve boas relações nos últimos anos e que o apoiou em suas duas últimas eleições para a cadeira de presidente. Ao fim e ao cabo, no dia da eleição pode surgir uma antes improvável situação: PT e PSL juntos em torno de um mesmo candidato. Os petistas criticaram a aliança de Maia com o partido que os derrotou na última eleição presidencial, mas não deram por encerradas as conversas com Maia. O deputado vem dialogando com a ala mais pragmática do partido. Ele tem falado também com os governadores do PT. Já se reuniu com Rui Costa, da Bahia, e na próxima semana deverá encontrar Camilo Santana, do Ceará. A lógica que pode levar os petistas a fechar questão em torno de Rodrigo Maia é similar à do PSL: o partido teme ficar sem espaços importantes na estrutura de comando da Câmara.

A história mostra que, em uma eleição como a marcada para 1º de fevereiro, primeiro dia da nova legislatura, o apoio oficial de um partido não garante todos os votos da legenda. Na Câmara, a votação é secreta, o que abre a possibilidade de traições. Bivar, o presidente do PSL, diz que seus correligionários vão votar majoritariamente no candidato que o partido escolheu apoiar. Chamado de “amigo” por Bolsonaro em seu discurso de posse no Congresso, Rodrigo Maia conta com a palavra dos novos sócios do poder para garantir mais dois anos na mais importante das 513 cadeiras da Câmara. A conferir.

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