Adriano Machado/CrusoéEunício de Oliveira, o "Índio" dos arquivos da Odebrecht: autopresente no apagar das luzes

O último golpe de Eunício

04.01.19

Depois dos atos secretos de José Sarney, Eunício de Oliveira lançou o ato cifrado. Rejeitado pela urnas nas últimas eleições, o presidente do Senado aproveitou o apagar das luzes de 2018 para tomar uma medida que, com dinheiro público, vai beneficiar ele próprio e outros 23 senadores que deixarão suas cadeiras daqui a algumas semanas, além de outras dezenas de políticos que passaram pelo Senado em legislaturas passadas. O emedebista derrubou uma regra em vigor há 15 anos que limitava os gastos de despesas médicas para ex-senadores.

A estratégia para formalizar o mimo foi, no mínimo, obscura. O ato, assinado em 20 de dezembro, só foi publicado no dia 28, a última sexta-feira do ano. Há mais. No documento, não há qualquer referência a despesas médicas ou a benefícios a ex-senadores. O texto é cifrado, como se tivesse sido elaborado para não ser entendido: diz apenas que “revoga a decisão constante do item 6 da Ata da Comissão Diretora nº 3, de 2003”. Só fica sabendo o que isso significa quem se dá ao trabalho de pesquisar. O trecho revogado, de 15 anos atrás, é justamente o que colocava limite para despesas médicas de ex-senadores.

Com o despacho codificado de Eunício, portanto, o limite deixa de existir. Ao assinar a medida, o presidente do Senado derrubou sozinho uma decisão colegiada. A regra de 2003 fora decidida por uma comissão formada por seis senadores. A novidade já está valendo. Desde o último dia 1º de janeiro, ex-senadores em geral já podem espetar nas contas do Senado toda e qualquer despesa médica, sem limite de valores. A partir de fevereiro, quando deixará a sua cadeira, o milionário Eunício estará, também ele, incluído entre os beneficiários. Segundo dados do próprio Senado, as despesas médicas de senadores e ex-senadores custaram aos cofres públicos cerca de 78 milhões de reais desde 2009. Só em 2017, os gastos foram de 10,3 milhões. Atualmente, há 507 beneficiários inscritos no generoso programa de reembolso de despesas.

Na posse de Jair Bolsonaro, na última terça-feira, Eunício praticamente se despediu da carreira de político. Falou sobre ser estadista e ensinou sobre gastos públicos. “Há muito precisávamos aplicar no Brasil a máxima de que o orçamento nacional deve ser equilibrado”, disse. E arrematou: “Deixo aqui o registro da minha eterna gratidão ao povo do meu querido Ceará e a todos deputados e senadores que me acompanharam nessa tão honrosa quanto difícil missão. O grande patrimônio de um estadista é a sua capacidade de apontar caminhos e convencer da justeza daqueles caminhos”. Seu ato cifrado fecha o ciclo com chave de ouro. O nosso ouro.

(Após a publicação da reportagem, a assessoria do Senado enviou nota afirmando que um ato em vigor, de 2014, estabelece limites para despesas médicas. Esse ato, porém, não impõe limites anuais ou teto de gastos para ex-senadores. Regulamenta apenas os valores de consultas, procedimentos e internações fora da rede credenciada do Senado. O limite de quanto cada ex-senador pode gastar por ano era estabelecido justamente no ato revogado por Eunício. Agora, com a canetada do senador, esse teto, estabelecido em 2003, não mais existe desde o primeiro dia de 2019.) 

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