José Cruz/Agência Brasil

Maduro por um fio

O ditador venezuelano inicia um novo mandato com apenas 16% de aprovação popular e rejeitado por mais de 50 países, mas o Brasil ainda terá de lidar com ele
04.01.19

O ditador venezuelano Nicolás Maduro iniciará seu segundo mandato de seis anos no próximo dia 10 de janeiro com um único sustentáculo para se manter no poder: o medo. Todos os demais já foram esfacelados. A economia está em queda livre. O PIB este ano deve cair 15%, depois de ter diminuído 18% no ano passado. A aprovação popular é de apenas 16%. Nas Forças Armadas, levantes têm sido abafados a todo momento, tanto que os militares de mais altos cargos são os mais torturados. Para completar o quadro catastrófico, dois novos fenômenos se apresentaram nos últimos meses: os rachas internos dentro do chavismo ganharam a televisão estatal e o isolamento internacional agora é praticamente total. A expectativa é a de que mais de 50 países não reconheçam sua posse.

O fechamento do cerco internacional ao regime de Maduro deu-se com a posse de Jair Bolsonaro. O presidente desconvidou a Venezuela para a cerimônia, assim como fez com Cuba e Nicarágua. Além disso, aproximou-se dos Estados Unidos e de outros países da América Latina com o intuito de ajudar os refugiados e o povo venezuelano. Para a ditadura, nenhuma concessão. Na quarta, 2, após uma conversa com o chanceler Ernesto Araújo, o secretário de estado americano, Mike Pompeo, contou qual foi o tom do bate-papo. “Nós conversamos hoje sobre as ameaças que emanam da Venezuela e sobre nosso profundo desejo de trazer a democracia de volta para seu povo”, disse Pompeo.

A força que outros países podem ter em mudar um regime fechado é relativa, como acaba de ser atestado pelo aniversário dos 60 anos da revolução cubana. Mas o fato de que o número de aliados da Venezuela só cai certamente não atrapalha os democratas. Nem os pequenos países do Caribe, que sempre ganharam dinheiro e produtos da Venezuela, garantem a claque para Caracas. No final de dezembro, um navio da Marinha venezuelana interceptou um grupo norueguês que fazia pesquisas de petróleo para a americana Exxon Mobil na costa da Guiana. Há décadas, a Venezuela afirma que sua fronteira com a Guiana precisa ser redesenhada, o que o pequeno país nega. No final do ano passado, um comunicado da Caricom, o bloco econômico que inclui quinze países do Caribe, declarou apoio à soberania da Guiana. “Não apenas a Caricom apoiou a Guiana como o governo cubano, que integra o grupo, seguiu na mesma direção. A Venezuela nunca esteve tão sozinha”, diz o cientista social Luis Daniel Alvarez, diretor de estudos internacionais na Universidade Central da Venezuela.

O pária internacional Maduro também tem sido alvo de fogo amigo em Caracas. O ditador já não conta com a subserviência do Legislativo que ele próprio moldou. Em 2017, Maduro criou a Assembleia Nacional Constituinte (ANC), com poderes supremos. À época, a decisão foi interpretada por governos do mundo todo como o ato definidor que instaurou uma ditadura na Venezuela. Todos os seus membros foram escolhidos a dedo por Maduro e a oposição ficou de fora. Pois eis que, menos de dois anos depois de ter sido fundada, críticas começaram a surgir em plena ANC. São falas enviesadas, que não citam diretamente Maduro, mas denotam insurgência e anseio por mudanças no Executivo. Em julho, o deputado Earle Herrera pediu propostas “revolucionárias” e audazes. “Para haver socialismo é preciso ter socialistas”, disse Herrera. “Tem gente na direção nacional que não sei por que está lá, não sei como chegou lá”.

ReproduçãoElías Jaua, um chavista histórico: antigos aliados já se insurgem contra o regime de Maduro
No dia 18 de dezembro foi a vez de o deputado Julio Escalona ser aplaudido. Com transmissão ao vivo pela televisão estatal, Escalona começou falando que a ANC é soberana e tem poder para demitir ministros. Não mencionou Maduro e negou que a sua fala fosse uma ameaça. A negativa precipitada, contudo, muitas vezes é só uma intenção não declarada. “O problema é que o povo está incomodado conosco, porque considera que não estamos fazendo nosso trabalho. Creio que se impõe uma revitalização desta Assembleia Nacional Constituinte”, disse Escalona. “Criou-se uma grande expectativa em torno da eleição desta ANC, mas nós não conseguimos cumprir isso até agora.”

Em novembro, Elías Jaua, que foi chanceler, vice-presidente e ministro de Educação, afirmou em entrevista para um site de esquerda, o Aporrea, que o povo deveria defender o legado de Chávez. “Os chavistas não vão acabar assim. Os chavistas estão de pé, defendendo nosso projeto bolivariano. Aqueles que acreditam que vão nos encurralar estão errados”, disse Jaua. Dois meses antes, ele foi destituído da pasta da Educação porque espiões de Maduro notaram que havia começado a falar mal do governo (Jaua é conhecido dos brasileiros. Em 2014, ele veio ao país para assinar um contrato com o MST e a babá de sua família foi presa ao tentar passar pela imigração com uma arma).

O fato de chavistas falarem abertamente das agruras do povo e pedirem mudança, ou uma nova “revolução”, é algo novo. Desde que Maduro recrudesceu a perseguição a todas as vozes dissidentes, tal rebeldia só acontecia entre os que já tinham deixado a Venezuela. Quando ainda eram poucos os que se aventuravam a falar, a repressão dava conta de sumir com eles e prendê-los por anos. Mas Herrera, Escalona e Jaua seguem livres – e dando opinião. A insatisfação é tal que ficou praticamente impossível contê-los.

Sem apoio em lugar algum, mas insistindo no erro, Maduro tem pouco futuro. Em outros países, vozes têm alardeado uma intervenção externa, mas a chance de algo assim acontecer é mínima. Todos sabem que as consequências seriam ainda mais catastróficas. A oposição doméstica tem se dividido entre os que aceitam negociar com o regime e os que incitam os militares e o povo a tentar uma saída drástica. “Até aqui, Maduro sempre usou as tentativas de diálogo para fortalecer seu governo e debilitar a oposição. Todas as negociações fracassaram e é improvável que a oposição volte a sentar-se à mesa”, diz o cientista político venezuelano Manuel Malaver.

Uma união da oposição neste momento de falta total de perspectivas, porém, seria fundamental para obter concessões do regime e de seus aliados. Apesar de fragmentados, os dissidentes possuem autoridade junto à população. Há três anos, foram eles os grandes vitoriosos nas eleições parlamentares. Desfrutam, portanto, de legitimidade. “O caminho da Venezuela deveria ser o mesmo de outros países, como o Chile, o Brasil, a Polônia e a Checoslováquia, que também tiveram ditaduras. O importante em um momento como esse é um acordo para estabelecer as regras que passarão a valer para o futuro”, diz o cientista político Christian Lohbauer, professor convidado do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Em um diálogo com Maduro e com os chavistas descontentes, a oposição poderia pleitear a libertação dos presos políticos e o fim das fraudes eleitorais. A contrapartida exigida dos governistas em muitos dos casos costuma ser dolorosa para os que defendem os direitos humanos. Ditadores muitas vezes só aceitam ceder o lugar quando têm alguma segurança de que não serão processados pelas violações que ordenaram. Nesse sentido, a pressão que tem sido feita pelo Tribunal Penal Internacional em Haia e pela Organização dos Estados Americanos tem sido contraproducente. Punir os responsáveis por crimes contra a humanidade é um imperativo moral, mas a estratégia melhor para obter a volta da democracia costuma ser a de deixar o acerto de contas para depois. Nos planejamentos para as tratativas com o governo, alguns opositores já aceitam até a ideia de que a Assembleia Nacional Constituinte (ANC), criada por Maduro, continue existindo, mas sem poderes plenipotenciários como tem hoje. Ficaria encarregada apenas de alterar a Carta. “Por sorte, não se pode ficar esperando por uma via fantástica, como uma intervenção externa, um golpe militar ou uma revolução social. Essas coisas não têm sentido. A única salvação é um acordo. Essa palavra tem sido satanizada na Venezuela, mas a verdade é que não existe outra solução”, diz o venezuelano Luis Daniel Alvarez.

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