Agora é com eles
As formalidades que marcam a inauguração de um novo governo costumam deixar pistas sobre o papel – e o tamanho do poder – de seus integrantes. Os primeiros dias de Jair Bolsonaro como presidente deram sinais claros de que o sucesso de sua gestão dependerá, em grande medida, de dois personagens: Paulo Guedes, o todo-poderoso do Ministério da Economia, e Sergio Moro, o xerife do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Alçados à condição de estrelas, os dois tocarão setores que, além de cruciais para a concretização de promessas de campanha de Jair Bolsonaro, englobam algumas das principais demandas dos brasileiros hoje. Na área econômica, a geração de emprego e renda. Já na seara de Moro, a redução da criminalidade e o combate à corrupção. Bolsonaro tanto sabe disso que deu a ambos superpoderes para exercerem seus cargos. Os dois tiveram carta branca para nomear quem quisessem — o que, claro, acabou sendo feito. Nesse cenário, é praticamente impossível o presidente fazer um bom mandato se a dupla fracassar. Por outro lado, se ela der minimamente certo, o governo terá tudo para ganhar o carimbo do sucesso.
No caso da Justiça, o juiz que liderou a Lava Jato chegou ao time de Bolsonaro levando o capital político de símbolo da maior operação anticorrupção da história nacional. Em seu primeiro dia no cargo, Moro destacou que o combate à corrupção, ao crime organizado e à violência urbana serão os principais eixos de sua gestão. Deixou claro que vai fortalecer a Lava Jato e incentivar operações conjuntas. Para isso, convocou alguns dos principais nomes da operação para ocupar postos relevantes no ministério. Em outra frente, o ex-juiz quer aprovar uma lei autorizando a prisão imediata de condenados em segunda instância, regra que está em vigor, mas que periga ser derrubada em breve pelo Supremo Tribunal Federal.
Além disso, medidas como a integração dos sistemas de segurança dos estados e a criação de um banco com o perfil genético de condenados por crimes dolosos também já estão no radar. É uma forma de agilizar investigações, proteger inocentes e inibir a reincidência de criminosos, diz Moro. O combate ao crime organizado será prioridade. Para tanto, o ex-magistrado não quer inventar a roda. Pretende repetir as estratégias bem-sucedidas nos Estados Unidos e na Itália. “O remédio é universal, embora nem sempre de fácil implementação: prisão dos membros, isolamento carcerário das lideranças, identificação da estrutura e confisco de seus bens”, afirmou o ministro no evento em que foi empossado.
Por sua vez, Paulo Guedes faz apostas altas e polêmicas na economia e não poupa palavras para defendê-las. O superministro, que assumiu o posto negando o título e exaltando a importância do trabalho em equipe, é crucial para o governo Bolsonaro porque está em suas mãos a saída do país da maior crise econômica de sua história. Mais do que isso: caberá a ele implementar uma agenda pró-privatização sem precedentes no Brasil.
O “Posto Ipiranga” da campanha tem na ponta da língua o diagnóstico e a receita para a situação econômica do país. Para ele, a crise decorre de um problema básico que nunca foi enfrentado por nenhum plano econômico recente no país: a expansão contínua dos gastos públicos em relação ao PIB nas últimas quatro décadas, para, muitas vezes, sustentar relações espúrias entre os setores público e privado. “Burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro”, afirmou no discurso de posse. Isso levou o país à inflação, às crises cambiais e ao baixo crescimento. A solução que ele oferece está baseada em um tripé: aprovação da reforma da Previdência, privatização de estatais e reforma do estado. Junto a isso, Guedes promete ainda a simplificação tributária, com o objetivo de criar um imposto único, e a abertura comercial do país.
A agenda soa como música para o mercado, outrora receoso com o nacionalismo econômico que Bolsonaro verbalizou ao longo de sua carreira. Ele pode não ter se convertido, mas escolheu um dos mais liberais economistas brasileiros para ser o fiador da prometida guinada do país. Nesse sentido, se Guedes fracassar, a confiança dos setores produtivo e financeiro no presidente ficará extremamente abalada – mas, a exemplo do que que ocorre em relação ao fator Moro, o seu sucesso poderá ser largamente faturado por Bolsonaro. É dessa equação que dependerá, de agora em diante, a popularidade do presidente e também os seus planos futuros, seja o de se reeleger-se ou o de fazer o seu sucessor.
Chamou atenção, ainda, a forma como Moro e Guedes pediram apoio para levar adiante seus planos de ação. Guedes pediu ajuda, falou em “construção conjunta”, disse que “os Três Poderes vão ter que se envolver”, e até enalteceu o papel da imprensa no processo de conscientização da opinião pública para as reformas. Moro elogiou o legado das gestões anteriores e declarou que “o ministério e o próprio governo podem não acertar sempre, mas sempre farão o melhor com a pretensão de fazer a coisa certa”. O aceno é, na verdade, quase que uma admissão de que o sucesso do governo nas duas frentes dependerá também de terceiros. Nem Moro, nem Guedes — e, consequentemente, Bolsonaro — conseguirão ser bem-sucedidos em suas tarefas sozinhos. Muitas das medidas nas áreas da Justiça e da Economia precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional. Moro, por motivos óbvios, não é popular no meio político, e sua agenda anticorrupção conflita diretamente com os interesses de grande parte das velhas cabeças do Parlamento. Há rejeição a ele também na ala anti-Lava Jato do STF, liderada por Gilmar Mendes. Já Guedes demonstrou, desde a vitória de Bolsonaro, não ter muito tato com a política e com os códigos de Brasília. Os gestos em favor de alianças só confirmam que, em nome do sucesso nas duas frentes, valerá até flexibilizar os discursos de outrora. E compor.
Foi por esse motivo que o próprio Bolsonaro, deputado federal por 27 anos, fez também acenos conciliatórios ao Congresso em seu discurso de pouco mais de dez minutos no plenário da Câmara, na terça-feira. Ao assinar o termo de posse, ele falou em “governar com vocês”, dirigindo-se aos parlamentares, e realçou a necessidade de um pacto nacional entre os três poderes. “Estou casando com vocês”, brincou. Se Moro e Guedes funcionarem como o esperado, o presidente poderá manter seu figurino de campanha, inflamando seus apoiadores e repetindo seus discursos e tuítes, porque o essencial estará encaminhado.
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