Bruno Miranda/Folhapress

O futebol (também) precisa de
uma devassa

28.12.18
Paulo Cezar Caju

Muitos me consideram nostálgico, sentimentaloide, arrogante e marrento. Sou realista. A garotada de hoje me define como raiz e me divirto. Bom, se ser raiz é execrar tudo que está aí, sou Raiz F.C. Vivi uma fase áurea do Rio de Janeiro, tirei onda no Píer de Ipanema, desfilei para várias grifes, namorei a cidade inteira, joguei pelada com Bob Marley, colecionei ilustrações de Picasso, Salvador Dalí e outros tantos mestres da pintura, curti Tropicália e Bossa Nova, fui amigo de Wilson Simonal e colunista do Pasquim. Na minha época, o teatro era melhor, o cinema era melhor, a música era melhor e, claro, o futebol era melhor.

Não sou nostálgico, sou realista. Joguei em um Botafogo mágico, na Máquina Tricolor, fui campeão no Flamengo e, sem ironias, fui vice no Vasco! Virei ídolo na França e brindei com o ator Jean Paul Belmondo, o tenista Yannick Noah e Daniel Stern, fundador do Paris Saint-Germain. Fui campeão de 70. Podia parar aí no “fui campeão mundial de 70”. Mas ainda joguei muito no 1 x 0 contra a Inglaterra, considerada a partida mais importante dessa Copa. Como não ser marrento? (Risos, gargalhadas) Mas a verdade é que pago um preço alto por não ficar em cima do muro e dizer o que penso. Os programas esportivos não me convidam para os debates, produtores querem me ver longe de seus eventos porque não sabem como me comportarei caso esbarre, por exemplo, com um Ricardo Teixeira da vida. Nem eu sei!

Na verdade, o que me assusta é o comportamento passivo da imprensa com relação aos dirigentes da Fifa e da CBF, que continuam dando as cartas. Sei que em final de temporada as pessoas ficam mais emotivas, lembram-se dos que partiram, dos que chegaram, e apostam todas as fichas no ano seguinte. Também sou um sonhador e sempre acredito em um país com mais amor, justiça, compreensão e menos roubalheira. Mas não gasto minhas energias canalizando isso para o futebol, minha grande paixão. Desse, já desisti. Está totalmente contaminado, e em todas as esferas. A CBF deveria ser cercada por uma tornozeleira gigante, e uma devassa deveria ser feita em sua administração.

A novidade da vez é a criação desse curso para treinadores sob sua própria chancela. Caríssimo: 10 mil reais! Quem não fizer estará impedido de atuar, ficará desempregado. Já elitizaram os estádios e, agora, criam um grupo de “professores riquinhos”. Na verdade, isso é um rebanho! O técnico da seleção é um pastor, a CBF uma igreja e os treinadores, agora, pagam seus dízimos para garantir seu lugar no céu. Por que eles não pensaram na categoria como um todo? Por que não pensaram naqueles profissionais que moram em um fim de mundo e nem sequer têm dinheiro para sustentar a família? Ou vai virar moda os técnicos ganharem 1 milhão por mês? Isso é uma covardia e não é possível que o Ministério Público continue deixando a CBF zombar de nossa cara dessa forma escancarada! E vem o Tite dizer que não aceita receber o presidente Jair Bolsonaro na Granja Comary! Isso é hipocrisia ao cubo.

Não quero saber de Bolsonaro e político nenhum, mas ele foi eleito presidente e, se quiser visitar a Granja, visitará! O Tite gosta de fazer esse jogo de cena. Deve ter um pesquisador ao lado ditando como deve agir. “Sorria!”, “Faça cara de malvadão!”, “Triste!”, “Indignado!”. O povo tem memória curta, mas existia um movimento de moralização do futebol chamado “Bom Senso”, liderado pelo Paulo André, Juninho Pernambucano etc. etc. etc. Todos sumiram, desistiram ou sei lá o quê. O Tite tinha voz ativa. Queridinho da imprensa, usava seu tom professoral para listar tudo de errado. Aí, a CBF resolveu o problema rapidinho o convocando para ser técnico da seleção. Hoje, ele se submete a tudo: amistosos medíocres, empresários dando as cartas e todo o resto que é noticiado diariamente nos jornais. O Tite já não aconteceu e pronto. O mais ridículo de tudo são as convocações. A última novidade foi o Alan, do Vasco. “É um jogador moderno”, constatou alguém da comissão técnica. Peraí, o Alan tem quase 30 anos e desde que, garoto, atuava no Vasco, jogava dessa forma, na lateral, no meio e até no ataque. O mistério é por que só agora foi convocado. Mudou de empresário?

Me digam o que foi feito após o 10 a 1 (além do 7 a 1, teve mais três da Holanda)? Respondam, sem pensar! Absolutamente nada! E, pior, em 2019 continuará tudo igualzinho. Vamos aturar uma Copa América ruim, com experiências toscas e a imprensa passando a mão na cabeça. Por falar em imprensa, outro dia liguei a TV e ouvi um desses comentaristas, sei lá de onde, elogiando a atuação do David Luiz. “Não acham que ele merecia uma nova chance?”, perguntou para os amigos da bancada. Olha, eu não tenho o poder de mergulhar na tela e sair lá do outro lado. Se tivesse, certamente vocês veriam o negão aqui causando um alvoroço tremendo na emissora. Ia preso, mas ia feliz! Feliz 2019!

Paulo Cezar Caju foi campeão de 70 e é um antagonista no mundo do futebol.

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