Adriano Machado/Crusoé

O rei do baixo clero

O deputado mineiro Fábio Ramalho, o Fabinho Liderança, quer ser presidente da Câmara. Ele defende quase tudo o que os eleitores em geral rejeitam, como aumento para os deputados e mais blindagem contra investigações. Famoso pelas festas animadas que dá em Brasília, Fabinho quer também construir mais banheiros no Congresso
21.12.18

Os corredores do Congresso Nacional estavam vazios na terça-feira à noite, mas um gabinete fervilhava. Estava repleto de deputados e assessores. Em um dos cantos, eram servidos pão com linguiça e galinhada. Na mesa de centro havia doces mineiros de todo tipo. As conversas variavam de anedotas sobre João de Deus a previsões catastróficas sobre a relação dos parlamentares com o futuro presidente, Jair Bolsonaro (“Ano que vem vai ter pancadaria e se deixar entrar com arma vai ter tiro”, dizia um deles). O papo era interrompido, vez ou outra, por vídeos de mulheres nuas que alguns convivas abriam sem constrangimento para apresentar aos demais. O “dono” do pedaço, o deputado Fábio Ramalho, do MDB de Minas Gerais, ficou conhecido no Congresso por oferecer banquetes e festas de arromba aos colegas. Agora, ele quer ser presidente da Câmara. Ramalho já é tratado, nos bastidores, como o principal desafiante de Rodrigo Maia na disputa. Muitos apostam que ele e Maia se enfrentarão no segundo turno da eleição marcada para 1° de fevereiro, mesmo dia da posse dos deputados e senadores eleitos em outubro.

Na semana passada, o deputado mineiro acertou com outros postulantes, como Alceu Moreira (MDB-RS) e João Campos (PRB-GO), de se apoiarem em uma eventual segunda fase do embate contra o atual presidente da Câmara. O movimento é similar ao que está sendo costurado no Senado, onde um grupo de senadores liderado pelo tucano Tasso Jereissati se articula para vencer o favorito Renan Calheiros. Conhecido como “Fabinho Liderança”, Ramalho é uma espécie de rei informal do baixo clero da Câmara. Folclórico, com jeitão caipira, ele verbaliza o que muitos parlamentares pensam, mas têm medo de dizer. Sua principal bandeira na corrida é justamente a defesa dos interesses corporativos dos políticos em geral, e dos deputados em particular: fala sem pruridos em aprovar a lei do abuso de autoridade, repete que deputado não pode ser preso e ataca as regras da delação premiada. Em tempos que exigem cuidado extremo com as contas públicas, defende ainda um generoso aumento salarial para os parlamentares e, veja só, a construção de mais banheiros no Congresso. A seguir, os principais trechos da entrevista do deputado a Crusoé.

No que o sr. difere de Rodrigo Maia?
Tem que ter coragem para tomar decisões.

Por exemplo?
Um deputado não pode ser cassado pela Mesa só porque o Judiciário mandou. Não pode. A gente não pode desobedecer ao Judiciário, mas também não pode desobedecer à Constituição. Estamos abrindo um precedente e acabando com a nossa soberania.

De qual caso o sr. está falando?
Maluf (refere-se a Paulo Maluf, cassado em agosto pela Mesa Diretora da Câmara após ser condenado à prisão por lavagem de dinheiro). Mas independentemente de ser o Maluf… O deputado João Rodrigues está preso com o crime prescrito (o Supremo Tribunal Federal entende que não houve prescrição dos crimes a que ele foi condenado, fraude e dispensa de licitação). A Câmara tem que mostrar a sua defesa em prol do Parlamento. Nós ficamos a reboque de tudo.

Maia agiu errado em situações como essas?
Sim. João Rodrigues está preso por um crime prescrito. O caso do Maluf é uma cassação inconstitucional. Um deputado só pode ser cassado pela Mesa (Diretora da Câmara) por faltas. Qual foi a alegação do ministro Fachin (Edson Fachin, do STF)? Que o Maluf ia ter faltas no futuro. A Constituição diz que só o plenário da Câmara é soberano para cassar o mandato de um deputado.

Mas esses dois parlamentares não erraram em suas condutas?
Não estou tratando da conduta deles. Estou considerando que, se um parlamentar é condenado por um crime prescrito e no outro caso se o parlamentar vai ser cassado pela Mesa sem que a Constituição brasileira e o regimento autorizem, falta coragem para a Casa. Não estou tirando a condenação de ninguém. O que estou falando é que não pode abrir um precedente inconstitucional. Se não, a cada dia um juiz vai pedir para cassar um parlamentar.

E o que o sr. acha que precisa ser feito?
A gente tem que avançar na lei de abuso de autoridade. Votar a lei de abuso de autoridade para você equilibrar as Casas (a Câmara e o Senado). A Câmara tem que ser um poder empoderado. Tem que ser o maior poder. Aqui são 513 deputados votados que vieram de diferentes regiões e o presidente da Câmara tem que cuidar da Câmara. A função dele não é ser líder do governo nem ser líder da oposição. Hoje está muito desigual. A Câmara é o poder mais desempoderado, bem mais que o Senado. Deputado vai preso por qualquer motivo.

O futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, pretende apresentar um novo pacote anticorrupção. O sr. é a favor ou contra?
Eu penso que hoje já tem medidas suficientes para o combate à corrupção. O que temos que avançar é na questão da delação. Delação tem que ter prova. Não pode ser sem prova. A delação é o caminho da prova, não pode ser a prova.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Delação não pode ser a prova”, diz o deputado mineiro
O que precisa mudar?
Por exemplo, o (ex-senador e ex-presidente da Transpetro) Sérgio Machado fez delação. Até agora não provou nada de ninguém e continua com 1 bilhão de reais na conta dele. Quem for fazer a delação tem que pagar. Você vai ficar livre, mas vai perder o dinheiro. Os caras estão fazendo a delação e o que está acontecendo? Ficam um ano preso e tudo bilionário.

Mas essa é a sua principal agenda?
Não. A principal agenda se chama reforma da Previdência. Mas tem que ser discutida com o parlamento. A gente não vai aceitar nenhum tipo de imposição, nenhum tipo de pacote fechado. Qualquer tema a gente pode votar. Mas tem que ser discutido. E vai vencer quem tiver o maior número de votos. O presidente da Câmara não pode ser líder do governo.

O sr. será da base de Bolsonaro ou da oposição?
Pretendo ser um presidente da Câmara com independência, ter reuniões periódicas da Mesa, ouvir todos os deputados.

Essa afirmação embute uma crítica a Rodrigo Maia?
Rodrigo Maia não trabalhou pela Câmara. Aqui na Câmara durante dois anos eu, como vice-presidente, nunca fui chamado para ir num almoço ou num jantar na casa do Rodrigo. Só soube de jantar na casa dele pela televisão, a não ser quando tinha uma reunião da Mesa que nós fizemos lá, mas era raro. A gente sempre se sente constrangido de ir até lá porque ele não convida. Ele tem um grupo pequeno de pessoas. Aqui tem 513 deputados e posso garantir que 490 nunca foram convidados. Ele não construiu uma relação com a Casa. Quis empoderar o partido dele, o DEM, dando palpite nas eleições, querendo ser candidato a presidente, querendo ser governador. Depois não sabia mais o que queria. Ele esqueceu da Casa. O presidente da Câmara precisa defender o parlamento em todas as instâncias, em todos os lugares. O parlamento é o maior poder que existe, mas é um poder rejeitado, acanhado, de joelhos.

Mas esse quadro decorre dos erros da própria classe política, não?
Não estamos discutindo isso. O que não pode é quem não erra pagar pelo erro (dos outros). Se errou, juridicamente, a pessoa tem que pagar. O que não pode deixar é que ela tenha seu direito atacado.

Há uma insatisfação grande com os políticos e os seus velhos métodos.
Isso é no mundo inteiro. As pessoas estão muito insatisfeitas.

E o sr. considera essa insatisfação injusta?
Penso que sim. A única porta aberta que o povo encontra é a do parlamento. É aqui que as pessoas vêm discutir as coisas.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéEle também defende salários mais altos no Congresso: “Político tem que ser bem pago”
Quais são suas propostas, para dentro e para fora da Câmara?
Uma ideia minha é mudarmos o regimento interno e a forma de trabalho. Podemos ter um trabalho muito maior durante três semanas seguidas aqui em Brasília e na quarta semana o parlamentar ficar na sua base eleitoral. Pretendo implementar isso discutindo com todo mundo. Também tem que acabar com essa questão de alto e baixo clero. Hoje temos aqui 87 gabinetes que não têm banheiro. Tem que arrumar uma solução para isso. Ter um banheiro para cada parlamentar. Ninguém está pedindo obra megalomaníaca. Mas precisa dar aos deputados um lugar melhor para trabalhar. Acho que se colocar banheiro fica bom.

O sr. defendeu recentemente a equiparação do salário dos deputados ao dos ministros do Supremo. O atual não é suficiente?
Acho melhor pagar o parlamentar bem. Político tem que ser bem pago. A paridade (salarial) tem que ser votada. Tem que ter um Parlamento bem remunerado para você poder cobrar mais dele. O que tem que fazer é economia e fazer com que a economia volte a crescer e você exigir mais do seu parlamentar.

O sr. esteve com Jair Bolsonaro depois que ele venceu as eleições?
Estive em três ocasiões. Ele não me apoia nem desapoia. Sou candidato da instituição para defender a instituição. Você nunca vai ver aqui (aponta para sua testa) escrito líder do governo ou líder da oposição. A democracia será mais forte quando tiver independência das duas casas do Congresso.

A oposição já fala em CPI para investigar as transações do ex-motorista de Flávio Bolsonaro. O que o sr. pensa sobre isso?
A hora agora é de recuperar a economia e tentar dar emprego para 13 milhões de desempregados.

O sr. não apoiaria a criação de uma CPI?
Na minha vida, só uma vez quando entrei aqui assinei uma CPI. Eu não assino CPI de nada. Todas que vi aqui foram para holofote, para os caras que querem aparecer. A pauta nossa tem que ser economia. Não pode ser pauta policial, não.

Bolsonaro pretende impor um novo modelo de relação com o Congresso, fazendo a interlocução com bancadas temáticas e não com líderes partidários. O sr. gosta da ideia?
Acho bom. Olha, todo mundo que está indo lá conversar com Bolsonaro está voltando muito satisfeito. Estou te falando com sinceridade. Acho que tem que acabar com isso mesmo de toma lá dá cá, até para valorizar mais o parlamentar e o Parlamento.

Esse novo modelo funcionaria bem?
Acho que funciona se falar com todas as pessoas. O diálogo tem que ser com todos aqui. Quanto mais diálogo, melhor.

Dará certo a ideia de colocar um general para negociar com parlamentares?
Tem muita gente boa entre os militares. Vamos esperar para ver. Todo mundo tem capacidade para tudo.

O sr. também é conhecido pelas festas animadas que dá em Brasília. O que é fato e o que é lenda nessas festas?
Quando eu cheguei em Brasília como deputado, eu fazia os jantares em casa. Sempre foram jantares de portas abertas, inclusive com muitos jornalistas, porque ia gente importante.

Mas a fama é que esses jantares também eram frequentados por profissionais do sexo.
As mulheres eram ministras, delegadas, desembargadoras, deputadas.

E as profissionais do sexo?
Vou te falar com sinceridade: eu nunca gostei de mulher profissional. Uma vez chegou uma lá e saiu.

E de onde vem a fama?
Foi criado algo nesse sentido. Mas estou falando, se tivesse algo assim eu falaria. Se você me perguntar se eu gosto de mulher, eu gosto. Mas gosto de mulher para mim. Eu nunca me casei, mas namoro. Mulher que olhou para mim, se me deu uma chance, eu vou em cima. Respeito toda mulher. Se eu gostasse de rua tudo bem, mas eu gosto de ficar em casa. Pode perguntar para os meus vizinhos. Todos são doidos por mim. As referências que tenho são dos meus vizinhos, que me adoram. Então isso foi criado acho que por uma brincadeira, depois queriam denegrir minha imagem, até porque, como era uma casa muito bem frequentada, você sabe que há inveja.

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