U. Detmar/STF

Investigar o Judiciário é um tabu

Seja para os órgãos oficiais, seja para jornalistas, apurar casos da turma da toga é uma missão delicada e, quase sempre, inútil. Em sete meses, Crusoé trouxe à luz algumas histórias envolvendo gente da cúpula do Judiciário. Nada aconteceu. Mesmo assim, seguiremos atentos
21.12.18

Em março de 2014, uma operação no Paraná investigou um doleiro de Londrina por um esquema de lavagem de dinheiro. Esse sujeito operava em várias frentes. Uma delas, ainda incerta naquele momento, era na Petrobras. Começava ali a Lava Jato. A estatal foi dragada para o maior escândalo de corrupção da história do país. Empresários multimilionários foram presos. Políticos do Legislativo e do Executivo passaram a ser alvos de batidas policiais. O ex-presidente mais popular da história do país está condenado e preso. Passados quatro anos, constata-se que boa parte do poder no país estava corrompida e funcionava à base de propina.

Até aqui, nem a Lava Jato, com apoio popular e estrutura inédita espalhada por diversos estados, conseguiu adentrar o Judiciário. Os togados seguem intactos. É como se dois terços do poder no Brasil fossem corruptos e o último terço fosse puro, casto e perfeito. Avançar sobre a Justiça no Brasil é um tabu – inclusive para as próprias autoridades. As razões dessa dificuldade são muitas. A começar pelo fato de que, como cabe aos próprios juízes autorizar investigações contra os colegas de toga, o sentimento de corpo muitas vezes fala mais alto. Um ministro do Supremo abriria um inquérito contra um par a partir dos mesmos indícios que considera suficientes para investigar um deputado?

Resultado desse tabu, o que se descobre sobre magistrados em geral vai, não raramente, para debaixo do tapete. Seja na própria Justiça, seja na imprensa. Não é preciso ir longe para encontrar exemplos de histórias que, até aqui, não resultaram em qualquer procedimento investigatório. Em sete meses desde sua primeira edição, Crusoé revelou algumas. No último dia 18, a Rede Global de Jornalismo Investigativo (GIJN, em inglês), um fórum internacional presente em 75 países, elegeu a reportagem “A mesada de Toffoli“, publicada em julho, como um dos principais esforços de investigação em língua portuguesa no ano de 2018.

A reportagem mostrou que o agora presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, recebia mesada de 100 mil reais de sua mulher, a advogada Roberta Maria Rangel. Em 2015, a área técnica do Banco Mercantil apontou como suspeitas as operações financeiras do casal, mas não reportou o assunto aos órgãos de controle. Até aqui, nenhuma apuração sobre a conduta do ministro e ou do banco foi realizada. E, provavelmente, nem será.

O ministro Gilmar Mendes tem uma instituto que, durante anos, recebeu dinheiro de empresas com interesses na corte da qual ele que faz parte. Foram ao menos sete milhões, como Crusoé mostrou em sua segunda edição. Uma parte desses patrocínios era repassada ocultamente — as empresas injetavam dinheiro na faculdade, mas não queriam aparecer. Também nesse caso, não há qualquer sinal de que o ministro será instado a dar explicações a quem quer que seja.

Crusoé revelou ainda os detalhes de uma investigação da Polícia Federal, condenada à gaveta eterna, que envolvia o uso da sede do instituto de Gilmar Mendes pela JBS para tramar a oferta de 200 milhões de reais a uma outra entidade, desta feita com o objetivo de se facilitar a aproximação de dois juízes de Brasília. O caso fez Gilmar se afastar de Dalide Corrêa, sua faz-tudo por 20 anos e personagem-chave do episódio.

Em maio, Crusoé apresentou um pedido da Procuradoria-Geral da República para investigar uma trama em que o ministro Napoleão Maia, do Superior Tribunal de Justiça, aparece citado em mensagens nas quais um executivo da JBS e uma advogada tratam de como obter decisões favoráveis ao grupo nas cortes de Brasília. Pouco depois, outra reportagem da revista foi citada pela força-tarefa da Lava Jato no Rio como argumento para afastar Gilmar Mendes de processos que envolvem Orlando Diniz, o ex-presidente da Fecomércio do Rio. O texto mostrava que a entidade patrocinou eventos do IDP, de propriedade de Gilmar. Apesar do relacionamento, Gilmar não se deu por impedido ao receber um pedido de habeas corpus em favor de Diniz e decidiu soltá-lo. Gilmar segue como relator dos casos do patrocinador de seu instituto.

Em novembro, outra reportagem iluminou um convescote de ministros de cortes superiores — incluindo o presidente do STJ, João Otávio de Noronha, e Marco Aurélio Mello, do STF — com advogados estrelados detentores de causas importantes nos dois tribunais. Internamente, houve muito burburinho entre os colegas. Mas, de novo, nada se fez, nenhuma explicação foi cobrada, ninguém foi chamado às falas. A despeito da aparente indiferença, Crusoé seguirá no seu papel. Ainda que siga falando sozinha.

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