Caio Guatelli/Folhapress

Battisti, o sanguinário

Um relato sobre os assassinatos cruentos que levaram o terrorista Cesare Battisti a se refugiar no Brasil, que tardiamente concordou em extraditá-lo para a Itália, onde foi condenado à prisão perpétua.
21.12.18

Em 5 de junho de 1978, o italiano Cesare Battisti viajou de trem de Milão até Udine para encontrar-se com outros membros do grupo terrorista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Levou consigo duas pistolas e objetos para disfarce. Na manhã seguinte, usando dois carros roubados da marca Simca, o grupo foi para perto de uma prisão local. Em uma calçada, Battisti, com bigode e barba falsos e uma peruca castanha, começou a abraçar Enrica Migliorati, que usava cabelos ruivos. Os dois simulavam uma cena de namoro quando, às 7h30, o policial Antonio Santoro passou por eles a caminho do trabalho. Battisti então lhe desferiu dois tiros pelas costas. Santoro caiu no chão sem esboçar reação. O terrorista agachou-se do lado do corpo e acertou mais duas balas na cabeça da vítima. Mais tarde, ao encontrar-se com sua namorada, a estudante Maria Cecilia Barbetta, um entusiasmado Battisti contou para ela sobre o que tinha acontecido: “Que efeito ver o sangue escorrendo”.

A morte de Santoro foi o primeiro de quatro assassinatos nos quais Battisti se envolveu. Foi, por assim dizer, seu batismo de fogo. Santoro viu-se escolhido porque era o supervisor da prisão em Udine, para onde Battisti tinha sido mandado após um assalto. Foi lá que ele passou a odiar Santoro. Foi lá também onde conheceu outros membros de extrema esquerda, com os quais voltaria a se reunir no PAC mais tarde. “Battisti cometeu crimes por vingança pessoal, aproveitando-se de sua experiência prévia na delinquência comum”, diz o promotor Walter Filho, que escreveu o livro “O caso Cesare Battisti, a palavra da Corte”, em 2011. Em Milão, Filho entrevistou testemunhas e consultou o processo no tribunal que julgou Battisti, o que lhe permitiu recontar os fatos com precisão.

Battisti se uniu ao PAC em 1977, um ano após o grupo ter sido criado. O primeiro-ministro da Itália, Giulio Andreotti, era do Partido Democrata Cristão. Para governar, ele fez uma aliança com o Partido Comunista Italiano. Para Battisti e seus comparsas, no entanto, eles não passavam de “fascistas” que deveriam ser derrotados para a construção de um estado proletário. O instrumento que eles usavam era a violência. O terror. Reproduziam o manual das Brigadas Vermelhas e outras organizações criminosas de esquerda.

Escolhidas por vingança ou motivos banais, as vítimas eram consideradas pelos terroristas como agentes da contrarrevolução e inimigos do proletariado. Como tais, mereciam ficar aleijados ou serem mortos. A sentença de cada um era definida em reuniões em Milão, onde não havia hierarquia nenhuma. Battisti, que era caçoado pelos demais por seu sotaque e por seu parco conhecimento político, era sempre o mais inclinado a ações mais duras e tentava silenciar as opiniões contrárias. Como regra geral, o método era escolhido para causar o maior impacto possível na sociedade. Após os crimes, os terroristas escreviam manifestos ou ligavam para jornalistas para assumir seus crimes e espalhar o medo.

Nas ações mais moderadas, por assim dizer, o grupo atingia as suas vítimas nas pernas. Os primeiros a sofrer essa atrocidade foram dois médicos que atuavam no sistema público de saúde e atendiam em prisões. Eram, segundo o olhar dos bandidos, “médicos policiais”. O primeiro foi o doutor Giorgio Rossanigo, que recebeu dois tiros nos membros inferiores. Dois dias depois, outro médico, Diego Fava, passou pelo mesmo ataque. As três balas que lhe atingiram foram disparadas por Battisti e seu colega Roberto Silvi. No final daquele 1978, já depois da morte do policial Santoro em Udine, os tiros nas pernas voltaram a ser empregados, desta vez contra o supervisor da prisão de Verona, Arturo Nigro. Os terroristas queriam lhe “ensinar uma lição”. Nigro foi forçado a deitar-se no chão, enquanto o terrorista Pietro Mutti descarregou sua pistola três vezes. Duas balas penetraram em suas pernas (Curiosidade: Mutti era grande amigo de Battisti. Mais que isso, eles dividiam a mesma cama. No livro “Minha fuga sem fim”, Battisti afirmou que transava com a mulher de Mutti na frente do amigo).

ReproduçãoReproduçãoA Polícia Federal brasileira divulgou os possíveis disfarces de Battisti, considerado oficialmente foragido
Os outros três assassinatos de que Battisti participou ocorreram no ano seguinte, em 1979. Dois deles se passaram no mesmo dia, 16 de fevereiro. O primeiro foi contra o joalheiro Pierluigi Torregiani, em Milão. Por volta das 15 horas, quando ele ia para a sua loja ao lado dos dois filhos, foi alvejado por vários disparos. Como estava armado e com colete à prova de balas, Torregiani resistiu e deu um tiro de volta, mas acertou o próprio filho, que ficou paraplégico. Na sequência, uma bala atingiu-lhe a cabeça e o matou. Battisti não participou diretamente desse crime, mas é apontado como o seu mandante. Ele estava em outro lugar, na cidade de Mestre. No final da tarde, disfarçado com barba e peruca, entrou no açougue de Lino Sabbadin com um comparsa, Diego Giacomini. Após se certificar de que era Sabbadin do outro lado do balcão, Giacomini tirou a arma e disparou duas vezes. Com a vítima no chão, o terrorista se aproximou e deu o tiro de misericórdia. A mulher da vítima estava ao seu lado e o filho de 17 anos correu em seguida para ver o que tinha acontecido. Battisti foi condenado por ter dado apoio e cobertura para o colega.

O joalheiro e o açougueiro entraram na lista de alvos do PAC porque tinham reagido a assaltos. Torregiani até tinha sido apelidado pela imprensa de “xerife”, depois que matou um ladrão durante um roubo a uma pizzaria. Sabaddin matou um dos dois assaltantes que entraram em sua casa de carnes. Na mente deturpada dos terroristas, as notícias o qualificavam como membros da burguesia que tinham feito um pacto com o estado que eles consideravam fascista. Na noite dos dois crimes, um jornalista da agência de notícias Ansa recebeu uma ligação de um homem reivindicando a autoria das mortes. O profissional identificou o sotaque do outro lado da linha. Os juízes do caso entenderam que provavelmente se tratava de Battisti, que nasceu em Cisterna di Latina, perto de Roma.

Battisti realizou seu último assassinato em 19 de abril, em Milão. Dessa vez, ele saiu de trás de um Fiat estacionado e atirou cinco vezes no peito do policial Andrea Campagna, que abria a porta do seu carro. Os disparos foram dados com uma Magnum calibre 357, à queima-roupa. O sogro da vítima, que estava do seu lado, tentou fazer algo. Battisti apontou sua arma para ele e tentou atirar duas vezes, sem sucesso. Campagna trabalhava como motorista do grupo antiterrorista da polícia, que tinha detido membros do PAC por suspeita de terem participado da morte do joalheiro Torregiani. Para os terroristas, isso o caracterizava como um “torturador de companheiros” e “inimigo dos proletários”. Campagna morreu antes de chegar ao hospital.

Seguindo pistas dadas por testemunhas e pela perícia, a polícia encontrou Battisti em uma célula terrorista, abarrotada de armas. Com base no depoimento dos presos, a Justiça italiana refez o roteiro dos crimes e identificou seus autores. Battisti, de início, pegou treze anos de prisão. Com a confirmação da sentença e a inclusão dos casos de homicídio, a pena passou a ser de prisão perpétua. Quando os juízes pediram que ele se apresentasse para uma das testemunhas para fazer acareação, Battisti se recusou. Temia ser identificado. Segundo os juízes, o terrorista se comportou no tribunal com arrogância, fez ameaças e ofendeu os magistrados.

Ao fugir da prisão, em 1981, o terrorista foi para a França e, de lá, para o México. Em 1990, voltou para Paris. O país do presidente François Miterrand (1916-1996), do Partido Socialista, tinha adotado uma política de acolher revolucionários de esquerda que tinham abandonado as armas. Mas Battisti não se qualificou para tal, porque já havia sido condenado pelos assassinatos na Itália em 1988. Apesar disso, contou com a conivência das autoridades francesas e por lá ficou por catorze anos. Mais tarde, veio viver no Brasil, novamente contando com apoio de cima. PT e Lula. Na sexta-feira, 14, o presidente Michel Temer assinou a extradição de Battisti para a Itália. Mas quando a Polícia Federal foi atrás dele, já era tarde. O terrorista está foragido. “Battisti é um assassino e um terrorista. É um homem perigoso e deveria estar sendo monitorado”, diz Walter Filho. Os italianos suspeitam que ele esteja na Bolívia, para onde já havia tentado fugir no ano passado, quando foi preso — e logo solto. Seis meses mais tarde, um juiz decidiu também tirar-lhe a tornozeleira. As famílias das vítimas de Battisti agradecem.

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