LeandroNarloch

Parem de formar cidadãos

14.12.18

No reino dos clichês da política, onde circulam livremente expressões como “se cada um fizer sua parte”, “exigir das autoridades e votar com consciência”, a frase que mais me aborrece é “só a educação resolverá os problemas do Brasil”. Costuma aparecer acompanhada pela famigerada “a escola precisa formar cidadãos críticos”.

É difícil encontrar anúncio de colégio particular que não repita o lema com um suposto ar de originalidade. “Nossa escola não apenas ensina – também forma cidadãos críticos”, “com valores sólidos”, “conhecedores de seu papel na sociedade” – eis três exemplos vindos de um minuto de pesquisa na internet.

Não, a escola não deve formar cidadãos: já está ótimo se ensinar português e matemática.

Chutando por baixo, nove de dez professores preocupados em “formar cidadãos críticos” querem despejar propaganda ideológica sobre os pobres alunos. Confundem cidadania com votar na esquerda. A missão autoimposta de formar cidadãos os libera para doutrinar em vez de ensinar.

Quais são exatamente os valores de um cidadão? Para mim, um deles é ter apreço à divergência, à livre discussão de ideias. Mas é difícil ver esse interesse nos “cidadãos críticos” das faculdades de Humanas, geralmente inflamáveis a qualquer ideia divergente. Ser cidadão é exigir mais serviços públicos ou a liberdade diante do estado? É defender os direitos do indivíduo sobre o coletivo ou o contrário?

“Cidadania” é a típica palavra coringa, que serve em qualquer lugar e tem aceitação imediata apesar de ninguém saber muito bem o que significa.

Por trás dessa vontade de civilizar os alunos está o que o primatologista Frans de Waal chama de “teoria do verniz”. É a ideia, ainda hoje corrente, de que o homem é por natureza bestial e egoísta, e só é mantido sob controle por uma camada de moralidade imposta pela cultura. Aqui a direita e a esquerda se encontram. A direita acha que a religião e os valores tradicionais contêm nossa besta interior; a esquerda aposta em políticas públicas e na educação que forma cidadãos.

Contra a teoria do verniz civilizatório, há o “modelo da boneca russa”. A natureza humana tem diversos níveis de instintos e emoções que possibilitam o convívio em sociedade. Em um ambiente em que a cooperação era essencial para a sobrevivência (como a caça de grandes animais no Paleolítico), foi uma vantagem evolutiva tender à empatia, à compaixão, ao altruísmo recíproco e à preocupação com o que é justo.

Não se trata de dizer que o homem é bom por natureza. Mas de afirmar que a moral é produto da evolução social, e não de uma decisão consciente de políticos, sacerdotes ou diretores de escolas. Havia certo e errado muito antes de existir Igreja, Estado ou escolas que formam cidadãos.

Crianças (essas, sim, bestiais, pelo menos até os 4 ou 5 anos) aprendem regras morais pelo convívio com outras crianças, estejam seus professores preocupados ou não em “formar cidadãos”. Por isso já é suficiente ensinar aos estudantes os direitos fundamentais da Constituição, a estrutura do estado, os canais para recorrer à Justiça. Mais do que isso, a “formação de cidadãos críticos” vira propaganda ideológica. Ou chatice politicamente correta, que causa mais desinteresse nos alunos que reais mudanças de comportamento.

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