Um substituto para Lula
As reuniões ministeriais começam pontualmente às 6 horas da manhã e, logo depois, o recém-empossado presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, conhecido pela sigla AMLO, já surge à frente de um grupo de jornalistas sonolentos para uma coletiva de imprensa. A rotina se repete todos os dias, de segunda a sexta. Os repórteres que se sentam ao lado esquerdo do mandatário sempre têm prioridade para formular as primeiras perguntas. “Começamos pela esquerda, como sempre”, diz Obrador. Para seu primeiro evento oficial, o presidente chegou em seu Volkswagen Jetta branco, sem seguranças. Nada de luxo ou ostentação. Nos percursos longos, viajará em voos comerciais. O avião presidencial, um Boeing 787, foi enviado para a Califórnia, nos Estados Unidos, onde será colocado à venda. A pedido do novo presidente, a residência oficial de Los Pinos, pela primeira vez, foi aberta ao público. No primeiro dia, milhares de pessoas entraram no prédio gravando tudo com seus celulares, como se estivessem invadindo um palácio czarista da Petrogrado revolucionária. O local foi transformado em centro cultural. Obrador seguirá morando em sua casa de 170 metros quadrados, na capital.
Todos esses gestos são manifestações de traços pessoais, mas obviamente também são usados como propaganda política. “Obrador cultiva uma imagem de ser muito trabalhador e austero, e ele tem sido muito consistente em assumi-las”, diz Francisco Abundis, diretor do instituto de pesquisas Parametría, da Cidade do México. Desse ponto de vista, AMLO pode ser considerado uma espécie de José Mujica do México. É carismático e tem muitos jovens entre seus seguidores. Mas, se o ex-presidente uruguaio abandonou a política alegando cansaço, Obrador está em pleno vigor aos 65 anos. Após disputar três eleições presidenciais, ele se tornou, entre os esquerdistas da América Latina, o que comanda a maior economia da região. Caminhou, assim, na contramão do resto do continente, em que eleitores de Brasil, Argentina, Paraguai, Chile e Colômbia moveram-se para a direita. As atuais circunstâncias o colocam como o mais capacitado para preencher o vácuo político que se abriu na esquerda regional. O ditador Nicolás Maduro está isolado, o cubano Raúl Castro está atuando apenas nas coxias do poder, Cristina Kirchner responde a sete processos na Justiça e Lula está preso.
Para um latino-americano curtido no antiamericanismo, pode ser constrangedor ver como Obrador se refere ao americano Donald Trump. Na renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta, que foi recauchutado e ganhou um nome anódino, o mexicano não fez qualquer oposição. É para os Estados Unidos, afinal, que vão 74% dos produtos fabricados ao sul da fronteira. O Canadá compra outros 6%. Para alívio de Obrador, as disputas com o vizinho do norte já foram resolvidas. Mais urgente do que se meter em novas enrascadas com ditaduras problemáticas, ainda que do mesmo lado ideológico, o mexicano está preocupado em resolver os próprios problemas – e em não decepcionar os que votaram nele.
Num assunto, o novo presidente mexicano entrou com o pé esquerdo. Cancelou a construção de um aeroporto em Texcoco, que tinha levantado um investimento de 13 bilhões de dólares. A obra prometia desafogar o da Cidade do México, mas foi suspensa em pleno andamento. Do valor total, 6 bilhões de dólares foram obtidos com a venda de bônus. Seus detentores sentiram-se enganados. Nos primeiros dias após a posse, Obrador teve de se contorcer para dar alguma solução factível para o problema que ele mesmo criou. Com medo de mais intervencionismo estatal, investidores compraram dólares, o peso caiu e a bolsa mexicana passou por um leve solavanco. “Desde que anunciou o cancelamento da construção do aeroporto, há mais ceticismo com AMLO. O medo é o de que ele decida avançar em medidas que lhe deem algum benefício político, mas que sejam prejudiciais para os mercados”, diz Eduardo Arcos, da consultoria Control Risks.
Algumas das suas propostas são tão simples de entender quanto complicadas de serem executadas. Para solucionar a questão dos milhares de migrantes de El Salvador, Honduras e Guatemala que cruzam o seu território a caminho dos EUA, Obrador ressaltou que o importante é respeitar os direitos humanos. Prometeu dar vistos de trabalho e falou em programas de desenvolvimento econômico. “É uma ideia um tanto romântica achar que, com boas opções no México, será possível conter a migração para os Estados Unidos. Sem que as causas estruturais e históricas da onda migratória sejam levadas em conta, é difícil que isso leve a algum lugar”, diz o sociólogo mexicano Ricardo de La Peña. Para reduzir a criminalidade, AMLO falou em militarizar a polícia, uma abordagem não muito diferente daqueles que defendem o uso das forças armadas. No combate à corrupção, sua principal bandeira junto à classe média, não se sabe ainda qual será a estratégia. “Todos devem se comportar bem, os cidadãos e as autoridades”, disse. A fim de dar exemplo, enviou ao parlamento a proposta de acabar com o foro privilegiado para presidente da República.
O novo presidente mexicano não advoga em favor de muitas das pautas da esquerda moderna, aquela que defende, por exemplo, o casamento gay e o direito das mulheres ao aborto. Nessas searas, ele prefere se omitir ou jogar para as calendas, dizendo que pode convocar algum referendo no futuro. O motivo da relutância em segurar tais bandeiras é que Obrador se diz cristão, admirador de Jesus Cristo e foi eleito com o voto evangélico. Seu lema, “não mentir, não roubar, não trair” é quase uma lista de mandamentos religiosos. Vamos ver se o Lula mexicano não pecará como o Lula brasileiro.
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