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O patrocinador oculto

Três meses depois, nem à Polícia Federal os advogados de Adélio Bispo revelam quem é o personagem secreto que banca a defesa do homem que tentou matar Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral
07.12.18

Há três meses, o Brasil assistia a um grave atentado à democracia em plena corrida presidencial. Então líder das pesquisas, Jair Bolsonaro foi esfaqueado na cidade mineira de Juiz de Fora pelo servente de pedreiro Adélio Bispo de Oliveira, atualmente preso em um penitenciária federal de segurança máxima. Em um primeiro inquérito, a Polícia Federal concluiu que, naquele dia, Adélio agiu sozinho. Até hoje, porém, em outra frente de investigação, os policiais tentam descobrir se alguém patrocinou ou incentivou o atentado. Salta aos olhos um dado surreal. Passados quase 100 dias, e com a vítima alçada à condição de presidente eleito do Brasil, permanece o mistério em torno de um sujeito oculto que, em qualquer circunstância, teria lugar entre os protagonistas do episódio: quem está pagando os advogados de Adélio? Como Crusoé revelou, a principal linha de investigação da PF mira a facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC. A partir de algumas pistas coletadas nesse período, os investigadores tentam saber se líderes do grupo teriam alguma relação com o episódio, seja apoiando o crime, seja financiando a pomposa banca encarregada de defender o agressor. Os próprios advogados, guindados ao centro da investigação, se negam a dar pistas. E ajudam a tornar o quadro ainda mais nebuloso.

Depoimentos obtidos por Crusoé mostram que, até aqui, os defensores de Adélio são a principal barreira para esclarecer o caso que parou o país e foi determinante para a eleição presidencial. Eles estão, oficialmente, entre os alvos da apuração. Negam peremptoriamente haver qualquer ilícito na operação secreta que resultou na contratação de seus serviços, mas ao mesmo tempo se recusam a colaborar. Dos quatro advogados que defendem Adélio, dois nomes se destacam na investigação. Um deles é Zanone Júnior. Criminalista há 22 anos, ele mantém escritórios em Belo Horizonte, Contagem e Betim e é especialista em tribunal do júri. Diz que foi chamado por uma pessoa próxima do servente de pedreiro para atuar no caso e, ato contínuo, convidou outros colegas para ajudar na empreitada. O outro é o advogado Fernando Magalhães. Atuando em Belo Horizonte, ele tem em sua carteira de clientes presidiários que, segundo a polícia, integram o PCC — a facção que, segundo ele mesmo disse a Crusoé em outubro, seria na verdade uma “ficção”.

Magalhães à PF: ele diz ter “bom conceito” entre presos ligados ao PCC
Foi a dupla Zanone-Magalhães que correu para Juiz de Fora a bordo de um avião particular para socorrer Adélio nas horas seguintes ao atentado. Ali já começaram as desconfianças. Chamados a prestar depoimento à PF no mês passado, os dois advogados se recusaram veementemente a explicar a origem dos pagamentos que receberam. O máximo que disseram aos investigadores foi que receberam 5 mil reais – algo que chama atenção porque, só em viagens, eles já gastaram muito mais do que isso. À PF, explicaram que não podem dizer mais porque precisam preservar o sigilo que protege a relação entre advogado e cliente. Argumentaram, ainda, que o misterioso contratante passaria a correr risco de vida se tivesse o nome relevado.

Ao evocar o direito ao sigilo para proteger a identidade (e, segundo eles próprios, a vida) do contratante, Zanone fez surgir outras incógnitas. Ele disse, por exemplo, que a última vez em que falou com o tal cliente foi no dia seguinte ao atentado. Depois, o personagem misterioso teria sumido. Mesmo assim, afirmou, “tem a intenção de preservar a integridade física do contratante, pois entende que o mesmo corre risco de morte”. Nem o próprio Adélio, o beneficiário dos serviços da banca, teve a mesma blindagem. Nos depoimentos, os advogados não viram problema algum em revelar as conversas que tiveram com ele depois da prisão. Em um dos depoimentos a que Crusoé teve acesso, um dos defensores contou ter feito à direção do presídio federal de Campo Grande, onde está Adélio, um pedido curioso: o agressor de Bolsonaro deveria ser proibido de falar com outros advogados. Mais um dado estranho.

Raysa Leite/FolhapressRaysa Leite/FolhapressO instante do ataque em Juiz de Fora: interrogações no ar até hoje
Os depoimentos foram tomados entre os dias 6 e 12 de novembro. Para além do esforço destinado a manter em segredo a identidade de quem está por trás da defesa de Adélio, os interrogatórios revelam mais contradições. Inclusive na parte em que os advogados se aproximaram pela primeira vez do autor do atentado, ainda em Juiz de Fora. Ao se apresentar, dizendo que estava ali para defendê-lo, um advogado enviado por Zanone disse que o fazia a pedido da família. O próprio Adélio estranhou. Rebateu dizendo que dificilmente algum familiar seu poderia ter tomado a iniciativa de enviar os advogados e lembrou que seus pais já tinham morrido. A defesa, então, passou a contar a outra história, que sustenta até hoje: disse que foi acionada por um amigo do ajudante de pedreiro, que o conhecia de cultos na igreja. Adélio, preso, aceitou.

Dos quatro integrantes da banca dedicada à defesa do esfaqueador de Bolsonaro, Zanone Júnior é o mais destacado por já ter atuado em casos de grande repercussão. É ele quem diz ter sido procurado pelo sujeito oculto da história. Nos depoimentos à PF, Zanone afirma que, no único encontro que tiveram, forneceu ao tal cliente misterioso um recibo no valor de 5 mil reais. O restante do pagamento seria feito depois, em outras parcelas de igual valor, segundo ele. Só que, prossegue o advogado, “aquela pessoa não pagou mais nada” e, depois, “desapareceu”.

Na tentativa de explicar por que toparam defender o homem que tentou matar Bolsonaro, os advogados apresentaram uma justificativa adicional. Disseram que ganhariam visibilidade devido à importância do caso. Eles estimam que a atuação em um processo como o de Adélio custaria até 300 mil reais, mas valia a pena reduzir o valor para 25 mil porque a exposição traria outros dividendos. Zanone disse que, como forma de chamar ainda mais atenção ao longo da tramitação do processo, chegou a cogitar o nome de Lula e da deputada petista Maria do Rosário, além do próprio Bolsonaro, para serem arrolados como testemunhas e, assim, ampliar a repercussão.

Zanone: plano de arrolar testemunhas famosas no processo, como Lula
Em uma das passagens do depoimento, Zanone tenta explicar uma situação sobre a qual ele mesmo havia falado a Crusoé em setembro passado. Como forma de mostrar que havia como provar quem era o contratante, ele disse ao repórter Eduardo Barretto que o encontro havia ocorrido em um local monitorado por câmera. Não quis dizer, obviamente, que local era esse. A PF foi atrás. Mas já não havia mais nenhuma imagem. O lugar, na verdade, é um hotel do qual o próprio Zanone é dono, em Contagem. Dois dias após o depoimento, um policial federal se dirigiu ao estabelecimento. Foi recebido pela gerente, que também é advogada. O objetivo era pedir as gravações das imagens captadas pelas câmeras. Só que veio uma resposta que não agradou em nada: o HD armazena as gravações por apenas 30 dias seguidos, e as imagens do dia 7 de setembro, quando teria acontecido o encontro com o pagador secreto, já haviam sido apagadas. Ninguém fez uma segunda cópia.

O depoimento de Fernando Magalhães, o advogado de Adélio que tem clientes ligados ao PCC, também foi evasivo. No pouco que disse, gabou-se do fato de esses clientes, apontados pela própria polícia como integrantes da facção, elogiarem seu trabalho. Magalhães afirmou que teme ameaças e, a propósito de um pedido feito pelos policiais para que permitisse o acesso às mensagens telefônicas trocadas por ele no dia do atentado, aproveitou para criticar a imprensa e os próprios investigadores. Disse o advogado, em ofício enviado à PF logo após ter prestado o depoimento: “Os autos, ao arrepio do que se pode esperar, chegam com rapidez nas mãos de jornalistas e os dados lançados são veiculados na imprensa escrita e televisiva, gerando assim neste causídico receio de elevada monta quanto à possibilidade dos dados eventualmente se fornecidos serem utilizados por pessoas sem escrúpulo”.

No hotel do advogado, em Contagem, as imagens tinham sido apagadas
Magalhães não é o único nome no inquérito que aponta para o PCC. Outro personagem que está sob a lupa da polícia é um sobrinho de Adélio que está preso em Campinas, por roubo. Esse sobrinho tem ligações com um homem suspeito de ligação com a facção criminosa que atua nos presídios do país. Os policiais foram atrás também dos dois. Em depoimento, o sobrinho de Adélio negou envolvimento com o atentado e também com o PCC.

Ao apurar todas as possíveis conexões do caso, a investigação da Polícia Federal não pretende criminalizar a advocacia. Todos, inclusive Adélio, têm direito a ampla defesa e a um processo justo. Pagar um advogado, por si só, não é crime, o que só levanta mais suspeitas sobre a recusa em esclarecer quem financiou a defesa de Adélio e quais interesses há por trás da iniciativa. No inquérito, os policiais perguntaram a Zanone e a Magalhães se eles aceitavam abrir seus sigilos telefônico e bancário. Zanone respondeu que sim. Até prometeu entregar os dados em dez dias, mas não cumpriu o combinado. Magalhães, aquele para quem o PCC não passa de uma “ficção”, mas se gaba de prestar bons serviços a integrantes da facção, não topou. Alegou motivos de ordem “pessoal e profissional”. Com ou sem o consentimento ou a colaboração dos advogados de Adélio, a polícia segue em busca de respostas para a pergunta que ainda paira no ar: quem é o sujeito oculto do atentado?

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