RuyGoiaba

1969 vai ser um grande ano

07.12.18

Crusoé, aqui me tens de regresso. Fui dar um rolê na Europa, tomar champanhe e gás lacrimogêneo na cara – na França, as duas coisas não podem ser vendidas separadamente. É o tal movimento dos “gilets jaunes” (segundo um amigo meu, “bissexuais que se vestem de amarelo”), que aparentemente resolveu importar para o Baguetão o Brasil de 2013, ou a greve de caminhoneiros deste ano que se encerra.

Num desses sábados de manifestação, em que eu estava escondido no Starbucks – sim, o café é ruim, mas há muitas tomadas para recarregar o celular ching-ling –, vi numa das mesas um manifestante em cujo colete amarelo se liam os dizeres “políticos comediantes – tenho mais confiança no meu cachorro”. Parecia aquela faixa dos torcedores do Corinthians pedindo a dispensa dos jogadores X e Y, “pois são comédias”. Eu me senti em casa. Sentir-se em casa é horrível quando tudo o que se quer é fugir do Bananão, pagando suaves prestações.

Assim como aconteceu com Michel Miguel na greve de Pedro, Bino & companhia, só faltou Emmanuel Macron oferecer massagem tântrica, feita com suas próprias “mão que já cuidaram de muitos craque”, à turminha da baderna – e não há garantia nenhuma de que eles vão sossegar.

Uma amiga minha ponderou que, pelo menos, quem está lá por estes dias está “vendo a história acontecer”. Respondi algo como “Deus me livre” – só quero passear pelo Jardim de Luxemburgo, deixa a história acontecendo em qualquer outro lugar lá longe. Na hipótese mais comum, quando essa coisa com agá maiúsculo – História – acontece e nós por acaso estamos no meio, somos sempre o Fabrice del Dongo do Stendhal, perdidaço em Waterloo. E ainda bem. Pior seria ser Napoleão naquela posição em que, dizem, ele perdeu a guerra.

***

Houve também quem comparasse os protestos dos “coletes amarelos” a maio de 1968 na França, ao que os Pernalongas de batom das redes sociais já responderam “não, 1968 era libertário, esse é um movimento de extrema direita, blá-blá-blá” (na verdade, é apoiado tanto por Marine Le Pen à direita quanto por Jean-Luc Mélenchon à esquerda – o que comprova a teoria da ferradura, com as pontas do calçado preferido de Le Pen e Mélenchon se tocando).

Aí você volta ao Brasil, olha a capa dos cadernos de cultura dos jornais pátrios e descobre que Zé Sexo Martinez Corrêa, que está com uns 120 anos, reencenará “Roda Viva” – aquela peça de Chico Buarque (110 anos) mais velha que o primeiro espartilho da Sarah Bernhardt, “atualizada” com menções aos milicos eleitos.

Sempre digo que evito peças do Zé Sexo porque o Oficina é o tipo do lugar em que a expressão “fila do gargarejo” pode ser perigosamente literal. Mas nem é esse o ponto. Como disse meu amigo Edson Aran, quando o Bananão quer dar marcha a ré – e não apenas no caso da “Roda Viva” –, ninguém segura. Eu respondi ao Aran com o título deste texto: 1969 vai ser um grande ano. Gostaria que também ressuscitassem Nelson Rodrigues e Serge Gainsbourg louvando o “année erotique”, mas parece que essa parte é mais complicada.

(Foto: Karime Xavier/Folhapress)Foto: Karime Xavier/FolhapressZé Sexo continua se empenhando em chocar a burguesia, que continua nem aí

A GOIABICE DA SEMANA

Ricardo Lewandowski é mesmo um grande garantista. Não se pode, de jeito nenhum, começar a cumprir pena depois de condenação em segunda instância – mas quem fala mal do STF tem que ser preso. O cidadão ousou “injuriar” a instituição? Pois vá lá se entender com as otoridade da PF.

Temos de admitir, porém, que o advogado Cristiano Caiado de Acioli agiu mal nesse episódio. O certo era ter escondido o dedo mindinho, caprichar na voz rouca e na língua presa e dizer que o Supremo está “totalmente acovardado”. Assim, Lewandowski era até capaz de aplaudir.

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