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Um general contra o fisiologismo

Acostumado a combater guerrilhas no Congo e gangues no Haiti, um oficial da reserva do Exército com experiência em conflitos é escalado para comandar a relação do Palácio do Planalto com os parlamentares. A Crusoé, ele disse que assumirá em missão de paz
30.11.18

Às 11h06 da manhã da última segunda-feira, um tuíte do presidente eleito Jair Bolsonaro surpreendeu até mesmo aliados próximos. Ele anunciava, pela rede social, que o general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz fora escolhido para o cargo de ministro da Secretaria de Governo. A notícia pegou de surpresa inclusive integrantes do núcleo militar do futuro governo, que estranharam um general na pasta responsável pela articulação política com o Congresso Nacional. Sergio Moro, o futuro ministro da Justiça, queria Santos Cruz como secretário nacional de Segurança Pública. Ele já tinha sido até anunciado como ocupante do posto por um dos filhos do presidente eleito. Mas Bolsonaro pediu passagem. E preferiu alojá-lo dentro do Planalto, com a missão de endurecer o jogo contra o fisiologismo historicamente reinante na relação do palácio com os parlamentares.

Santos Cruz é amigo de Bolsonaro há mais de 40 anos. Os dois se conheceram no quartel. Foram pentatletas juntos. O general não tem experiência na área política. Seu histórico de trabalho é restrito à área militar, onde comandou importantes missões de paz da ONU, a Organização das Nações Unidas. A primeira foi no Haiti, entre 2006 e 2009, período marcado por intensos confrontos entre militares do país e forças rebeldes. O segundo, em 2013, quando já estava na reserva e foi reincorporado ao Exército para chefiar a missão de pacificação da República Democrática do Congo, na África, assolado pelo maior conflito armado do mundo desde a Segunda Grande Guerra, com 6 milhões de mortos. O homem escalado para lidar com o Congresso a partir de janeiro, portanto, é alguém acostumado a lidar com guerrilhas — e com o caos. Significa?

O general estava em Bangladesh, país com fuso horário de oito horas a mais do que o Brasil, quando Bolsonaro o contatou para comunicá-lo da decisão. Ele já havia conversado com o presidente eleito em Brasília, onde mora, antes de viajar para o país asiático. No encontro, o futuro presidente colocou na mesa as duas opções, a Secretaria de Governo e a Secretaria Nacional de Segurança Pública, mas deixou claro que ainda refletiria sobre o assunto. A missão foi finalmente comunicada ao futuro ministro por meio de uma mensagem de WhatsApp.

Mateus Bonomi/Agif/FolhapressMateus Bonomi/Agif/FolhapressSantos Cruz, o general: agora, ele diz que demandas de parlamentares são legítimas
Pouco depois, o anúncio estaria estampado no Twitter de Bolsonaro. Entre os integrantes do alto escalão do futuro governo que se mostravam surpresos com a notícia, estava o vice-presidente eleito, o general reformado Antônio Hamilton Mourão. “Também fui surpreendido. Secretaria de Governo geralmente é de gente mais da política”, afirmou o vice, igualmente contemporâneo de Santos Cruz na caserna. Nos bastidores, ele chegou a se queixar da escolha. Não demorou para que a decisão de Bolsonaro passasse a ser vista por aliados da área política como arriscada — e como uma sinalização de esvaziamento do poder do futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, alvo de críticas generalizadas de parlamentares dos mais diversos partidos.

O próprio Bolsonaro sinalizou esse esvaziamento. Em entrevista ao site Poder360, ele disse que indicou Santos Cruz porque Onyx não conseguiria “dar conta” sozinho. “Quando você fala de 600 parlamentares, não tem como um cara sozinho dar conta disso. Pelo menos nas terças, quartas e quintas, vai ter pelo menos uns 20 para falar com ele lá. E não é só falar. É falar e dar uma resposta. Ele não daria conta do recado. Ele queria matar no peito. Mas não vai matar no peito. É sem condições”, disse.

Na primeira conversa telefônica com Santos Cruz, o presidente eleito admitiu que ainda não sabia quais os limites das funções do futuro ministro da Secretaria de Governo. Também deixou explícita a falta de definição em outra entrevista na terça-feira. “Nós estamos em um time. Todo mundo tem de jogar a bola para frente”, declarou, para em seguida ressaltar, sem muita convicção, que Onyx ficará no comando da articulação política.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéOnyx: poder esvaziado?
Nas horas seguintes, o presidente eleito falaria mais sobre o general que será ministro da Secretaria de Governo. “É uma pessoa que vocês vão se surpreender no trato com parlamentares. Santos Cruz sabe como funciona o Parlamento”, declarou, ressaltando as qualidades do escolhido, como falar “mais de um idioma”.

Nos próximos dias, Santos Cruz conversará pessoalmente com Bolsonaro em Brasília. É quando ele pretende entender melhor qual será sua missão. O general antecipou em uma semana o retorno de Bangladesh. O encontro com o presidente eleito deverá ocorrer na próxima terça-feira, 3. Enquanto os dois não fazem o ajuste fino, o futuro ministro da Secretaria de Governo tenta ser diplomático e afastar a impressão de que tratará os parlamentares com o rigor com que combatia inimigos nas frentes de batalha no Congo ou nas vielas violentas do Haiti. “Todo parlamentar, não interessa o partido, se é investigado ou não, é eleito. Tem que dar atenção para todo mundo igual”, disse a Crusoé, em conversa por telefone. “Essa atenção a quem é eleito pelo povo é obrigatória. Ele (parlamentar) está representando o povo”, emendou.

Santos Cruz acrescenta que não pretende começar a trabalhar com “preconceito na cabeça”. “A gente sabe que existem muitas coisas que a população reprova. Mas não pode partir da premissa de que todo pedido é imoral. Você tem que escutar e procurar dar atenção dentro de dois princípios: o da legalidade e o da publicidade. Sair desses dois princípios não dá.” A missão é de paz, mas certamente os fisiológicos não terão vez com o general da reserva.

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