Alan Marques/Folhapress

“Queremos um estado a serviço do cidadão”

Eleito deputado federal na esteira do escândalo que derrubou Geddel Vieira Lima, o ex-ministro Marcelo Calero se mostra otimista com o futuro Congresso e a nova configuração do poder em Brasília. Ele acredita que o país pode, sim, vencer as práticas fisiológicas e clientelistas da velha política
30.11.18

Marcelo Calero foi o pivô da primeira grande crise do governo de Michel Temer. Então ministro da Cultura, ele denunciou Geddel Vieira Lima, à época o poderoso ministro-chefe da Secretaria de Governo, que o pressionava para liberar as obras de um prédio em Salvador. No edifício, Geddel tinha um apartamento. As obras estavam embargadas pelo Iphan, subordinado a Calero àquela altura. O baiano queria porque queria um jeitinho para derrubar o embargo. Não conseguiu porque o colega, servidor de carreira do Itamaraty, resistiu. Passados dois anos, Geddel está preso, seu irmão Lúcio, deputado federal, não se reelegeu e o jovem diplomata de 36 anos conseguiu uma das vagas do Rio de Janeiro na Câmara. Candidato pelo PPS, ele teve 50.533 votos. Uma das muitas caras do novo Congresso Nacional, Calero integra um grupo que foi às urnas apoiado por movimentos civis de renovação política. O dele, o Agora!, tem como um dos líderes o apresentador Luciano Huck. Nesta entrevista a Crusoé, o ex-ministro e futuro deputado admite que foi o entrevero com Geddel que o guindou ao Congresso. E diz que o Brasil está diante de uma oportunidade histórica de vencer os hábitos da velha política.

Geddel Vieira Lima foi o grande responsável por sua eleição?
Havia um embate entre o interesse público, representado pela lei, e o interesse particular, representado por Geddel. O que se sucedeu — os áudios da JBS, as denúncias contra Temer, a descoberta do bunker atribuído a Geddel, os áudios contra o Aécio — revela um modus operandi dessa velha política. Colocar o estado a serviço de projetos pessoais é o grande drama brasileiro. Nestas eleições, a sociedade respondeu que não tolera mais isso. Acho que a sua pergunta está respondida.

Ainda há políticos que resistem a essa ideia.
Pode até parecer uma coisa muito sofisticada, mas não é. Qual é o estado que nós queremos? O estado que possa prover serviços de qualidade ao cidadão ou o Estado que esteja a serviço de um grupo político e a seus interesses, quaisquer que sejam? Essa resposta ficou muito clara: queremos um estado a serviço do cidadão, do interesse público. O interesse público não pode ser uma coisa abstrata, não pode ser uma coisa utópica. Tem que ser real. As pessoas que estão na política têm que estar lá por vocação para servir.

Será fácil permanecer na política sem se contaminar?
Você já deve ter ouvido: “Quem é bom não fica, ou se corrompe ou cai fora”. Eu ouvia isso dentro da minha própria família. Quando fui para Brasília, minha avó me disse: “Marcelo, você não vai durar seis meses em Brasília. Eu te conheço”. E eu durei cinco meses e 28 dias. Praga de vó pega. Mas, na verdade, existe esse senso comum. É muito triste. Há pessoas com talento, tentando servir a um projeto de país, que é o que nós precisamos, de peito aberto, e são impedidas por interesses mesquinhos, paroquiais. É muito frustrante. Uma coisa que me impressionava era que o país estava na maior crise da sua história, com 12 milhões de desempregados e desafios na educação, na saúde, segurança, logística, e a cúpula do governo estava perdendo seu tempo, gastando horas de energia e força política a favor de um edifício em Salvador onde um desses poderosos tem um apartamento. É inacreditável. É um exemplo de uma visão que a oligarquia tem do estado brasileiro, que serve para atender seu projeto de se perpetuar no poder. Se não mudarmos isso, não avançaremos.

O sr. acha que será acabar com o toma lá dá cá?
Seria bastante ingênuo (achar que o sistema político mudou completamente), mas o que importa no fim das contas é que conseguimos, sim, criar uma bancada muito poderosa que tem essa outra visão. Me perguntavam: “Como você vai mudar a cabeça de 512 deputados do velho sistema?”. Eu respondia: “A gente tem que começar de algum lugar. O ano de 2018 tem que ser encarado como o começo, não como o fim”.

Marcelo Camargo/Agência BrasilMarcelo Camargo/Agência BrasilCalero, ao ser escolhido para o governo Temer, não imaginava que seria o algoz do colega Geddel
Os movimentos que pregavam a renovação da política alcançaram o resultado que queriam?
As pessoas estavam muito atentas aos movimentos de renovação. Minha candidatura foi construída com base nesses movimentos. Pertenço ao Agora!, aos Livres, ao RenovaBR, Raps. São movimentos que tentam trazer, mais do que simplesmente outros rostos, lideranças que tenham realmente novas práticas e que tenham compromisso em fazer da política finalmente um lugar onde prevaleça o interesse público. E a resposta que as urnas deram a esse chamado, a essa proposta, foi muito contundente. Partidos tradicionais diminuíram sensivelmente de tamanho.

Os eleitos que vieram desses movimentos de renovação vão atuar conjuntamente, a despeito de estarem em diferentes partidos?
Temos pautas convergentes, algumas já foram discutidas quando fazíamos os cursos de formação. Por exemplo, a defesa do voto distrital misto. Um dos aspectos mais positivos desses movimentos é a sincera busca por pautas convergentes, e isso está acima de projetos de poder ou interesses pessoais. É uma nova forma de fazer política. A gente pode, com esta legislatura, quebrar aquilo que o grande Ulysses Guimarães dizia: “Se você acha essa legislatura ruim, espere até a próxima”.

Que leitura o sr. faz da chamada nova direita?
Não sei em que medida essas etiquetas, de esquerda e direita, cabem ainda hoje. Eu diria que os cidadãos deram respostas contundentes em relação a todos os problemas sistêmicos que eles têm testemunhado. Eu não me atreveria a fazer essa discussão de direita e esquerda, se é uma nova direita, se é uma velha direita. Existe, sim, uma preocupação dos cidadãos com um estado que possa ser eficiente. Que não esteja a serviço de um projeto de poder, mas sim a um projeto de país.

Reprodução/TwitterReprodução/TwitterNa campanha: o ex-ministro foi eleito com patrocínio de um movimento pela renovação da política
Acredita que um dia será possível desmontar por completo esquemas como o que denunciou?
Foi o forte corporativismo que, em grande medida, conseguimos quebrar nessa eleição. Quando eles ficam acuados, unem-se. Quando veem seus pressupostos colocados à prova, que alguém teve a audácia de confrontá-los nessas práticas, eles se fecham, como caranguejos que se escondem dentro da carapaça. Isso ficou muito claro para mim. Eu estava muito seguro quando denunciei o Geddel. É a segurança de quem faz a coisa certa. E veja só o que aconteceu depois. Por meio de uma delação de um assessor do Geddel, descobriu-se que aquele prédio que ele queria que eu autorizasse era usado em um esquema de lavagem de dinheiro. Eu sempre falo para meus alunos de ética: “Não cruzem a linha entre o certo e o errado”.

Do seu embate com Geddel, o que mais ficou de lição?
Quando o episódio aconteceu, não faltou quem me criticasse. Isso é muito importante: houve um abaixo-assinado de todos os líderes partidários da base aliada contra mim, a favor do Geddel. Personagens como Aécio Neves disseram que quem tinha que ser investigado era eu, e não o Geddel. Por ser um servidor de carreira e estar tratando de fazer a coisa certa, o sistema se voltou contra mim. Essa experiência pessoal serviu para que eu buscasse a construção de uma política que passasse distante disso, que fosse o oposto.

Como avalia o ministério de Jair Bolsonaro?
Posso sublinhar algumas escolhas positivas que simbolizam esse ministério, a meu ver, mais técnico. Acho que a figura mais emblemática é o (futuro ministro da Justiça) Sergio Moro. É algo a ser celebrado por tudo o que ele representa.

Já há uma clara reação da velha política a Moro.
Eles (os representantes da velha política) nunca estarão mortos. Sempre estarão arrumando meios e subterfúgios ou para destruir reputações ou para desqualificar alguém ou para fazer valer a lógica política ultrapassada. O presidente vai ter que estar atento até mesmo para procurar aliados naqueles que não são do seu grupo político. Se a agenda for de renovação mesmo, tem que olhar além da ideologia e ter boa vontade com as pessoas que estejam com o coração e o peito abertos para a mudança. O Carlos Bolsonaro, de maneira pouca ortodoxa, escreveu na linha do que digo. Nem sempre os aliados são os mais próximos (ele faz referência ao tuíte em que o filho do presidente afirmou que pessoas ao redor do presidente desejam sua morte). Jair Bolsonaro foi eleito com um propósito muito claro de renovar a política e de fazer com que esse período de roubalheira fique para trás. Não podemos ceder. Essa deve ser a agenda, juntamente com a retomada da economia.

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