No meio da briga
A reunião é do G20, mas só se fala do G2. Neste sábado, 1º de dezembro, último dia da reunião de cúpula dos chefes de governo e de Estado das vinte economias que concentram 85% do PIB mundial, o presidente americano Donald Trump se sentará para jantar com o presidente chinês Xi Jinping em um lugar ainda não divulgado em Buenos Aires. Terrorismo, crise financeira e migração já não são os temas que mais preocupam. A questão da vez é saber o que será da guerra comercial travada entre as duas maiores potências do planeta. Guerra que lança estilhaços em todos os países direta ou indiretamente. O americano ameaça subir os impostos de produtos fabricados na China, incluindo celulares iPhone e notebooks, para 25%. O chinês pede calma, temeroso de que seu crescimento econômico, na casa de 6,5% do PIB ao ano, seja cortado em 1,5 ponto percentual. A pendenga só poderá ser resolvida pelos dois principais envolvidos: Trump e Xi. Para todos os demais que estiverem passeando pela agradável capital portenha, só restará saber como se adaptar ao que for estabelecido pela dupla.
A disputa planetária inclui, obviamente, o Brasil. Entrou nas discussões da campanha eleitoral e está na boca daqueles que comandarão a política externa brasileira a partir de janeiro. O futuro chanceler, Ernesto Araújo, já afirmou que há uma tentativa de transferir o poder econômico do Ocidente para os chineses. Trump, segundo ele, é quem teria a missão de evitar essa inversão de forças. Na semana passada, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, em visita a Washington, ecoou as afirmações que o pai, Jair Bolsonaro, proferiu durante a campanha. “Nosso primeiro sócio comercial sempre foi os Estados Unidos”, disse ele em uma entrevista para um site voltado à população hispânica. “(A China) não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil.”
São afirmações duras, que encaram a realidade como um jogo entre dois competidores em que o empate não existe. Um ganha e o outro perde. Mais do que isso, há um entendimento de que o Brasil precisa fazer uma escolha, de preferência por aquele que ganhará no final. É uma perspectiva totalmente estranha para muitos do que labutaram nas relações internacionais até hoje. “O Brasil não tem nenhum motivo para escolher um dos lados, uma vez que os motivos do antagonismo entre americanos e chineses nada têm a ver com os interesses brasileiros”, diz o embaixador Rubens Ricupero. “As queixas em relação a déficit comercial, transferências de tecnologia e presença militar no mar do sul da China não resvalam na gente.”
Os dois países também são hoje os que mais realizam investimentos diretos em outras nações. Desde 2010, o Brasil foi o destino de 54 bilhões de dólares da China, que não olha para a América Latina apenas como uma grande fazenda produtora de soja. Mais da metade do dinheiro que chega aqui vai para as áreas de energia, petróleo e gás e mineração. “Eles apostam principalmente em infraestrutura e logística, setores em que o Brasil tem uma necessidade crucial para crescer de forma sustentável”, diz o economista Roberto Damas, do Insper. O Brasil precisa do equivalente a 2,3% do PIB anual investidos em infraestrutura para repor a depreciação do estoque de ativos — ou seja, para evitar que viadutos caiam, como aconteceu na Marginal Pinheiros, em São Paulo, em 15 de novembro.
A disposição financeira de Pequim faz com que países da região barganhem como se estivessem em um leilão sem fronteiras. “Em Washington, um equatoriano me disse que, em muitas negociações, eles jogam com essa ambiguidade. Quando os chineses começam a fazer exigências para determinados investimentos em infraestrutura, eles sinalizam com a possibilidade de negociar com os Estados Unidos, e vice-versa”, diz Poggio.
Quanto a outras nações da América Latina, o Brasil ainda tem a vantagem de estar em ascensão, saindo de uma crise econômica. “Venezuela e Argentina eram os países que mais atraíam a atenção dos chineses nos últimos anos, mas ambos estão enfrentando dificuldades internas”, diz o advogado Reinado Ma, da TozziniFreire, escritório responsável por cuidar dos interesses de vários grupos da China. “Recentemente, percebi que algumas empresas trouxeram times de funcionários que estavam trabalhando em Caracas ou Buenos Aires”. Atualmente, o Brasil recebe 55% do investimento chinês na América Latina.
As perspectivas são boas, e não dependem de quem vai ganhar o grande jogo.
Em meados de novembro, uma reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, em Papua-Nova Guiné, terminou sem um comunicado conjunto. Estados Unidos e China não se entenderam. O vice-presidente americano Mike Pence e Xi Jinping discutiram sobre comércio e segurança e não chegaram a um consenso. “A China tirou vantagem dos Estados Unidos durante muitos e muitos anos, e esse tempo terminou”, reclamou Pence. Na reunião do G20, o Brasil precisa estar preparado para, seja qual for o resultado do jantar entre Trump e Xi, saber trabalhar com ambos em benefício próprio. Um sinal positivo nesse sentido foi dado nesta semana, com a nomeação de Marcos Troyjo para comandar a secretaria de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, sob o guarda-chuva de Paulo Guedes. Professor de Columbia, ele conhece a fundo americanos e chineses. Tem tudo para obter acordos proveitosos com um lado e outro.
Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.