Adriano Machado/CrusoéO futuro superministro da Economia: projeto em três eixos

A liberal-democracia de Paulo Guedes: os planos do futuro governo para a economia

A equipe econômica do futuro governo quer uma reformulação radical dos métodos que vigoraram por quase três décadas. Isso será possível?
30.11.18

Mushrooming é um termo em inglês usado para definir literalmente a multiplicação de cogumelos (os mushrooms), mas que passou a designar também tudo aquilo que cresce repentina e aceleradamente. O termo é repetido por integrantes da equipe de transição do presidente eleito Jair Bolsonaro para qualificar a profusão de interesses em torno da montagem do futuro governo. E para diagnosticar, em linhas gerais, a lógica histórica de Brasília, em que os donos do poder costumam ceder a interesses que surgem de repente, multiplicam-se e vão tomando conta do espaço. Normalmente, são interesses pouco republicanos, individuais ou de grupos que tentam garantir seu naco de poder e os dividendos que dele derivam.

Combater a praga da multiplicação das demandas fisiológicas é o ponto de partida, na visão de integrantes da equipe econômica de Bolsonaro, para uma mudança radical na máquina pública. Eles citam como exemplo a forma como estão distribuídas as estatais brasileiras nos relatórios que receberam desde o início da transição. O fisiologismo causa, no mínimo, ineficiência e desperdício. Há as inativas, as com orçamento para investir e outras que são completamente dependentes do Tesouro Nacional. Somadas, elas valeriam 802 bilhões de reais. Justamente nas estatais está um dos três eixos do plano econômico de Bolsonaro, encabeçado pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, para tentar tirar o país do buraco. O plano é migrar de uma social-democracia, o modelo implantado pelos tucanos com a primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso, em direção ao que vem sendo chamado internamente pela equipe de Guedes de “liberal-democracia”. Para tanto, um amplo diagnóstico foi traçado.

A ideia geral é a de que o Brasil não concluiu sua transição de um regime mais fechado da era militar, finalizado em 1985, para um regime aberto sob o comando dos civis, em curso desde então. Nesse meio tempo, dizem, o país perdeu muito tempo tentando liquidar a inflação nos governos dos dois primeiros presidentes da Nova República, José Sarney e Fernando Collor. E descuidou do resto. A desestatização e as reformas fiscal e do estado foram esquecidas.

Keiny Andrade/FolhapressKeiny Andrade/FolhapressO ex-presidente Fernando Henrique: equipe de Bolsonaro não se cansa de criticar os economistas tucanos
Com a chegada dos tucanos ao poder em 1994, inaugurou-se a social-democracia, e com ela, na economia, vieram efeitos colaterais perversos: para a equipe econômica de Bolsonaro, o Plano Real foi eficiente no aspecto monetário, mas “primitivo” na questão fiscal. Os juros, lembram, foram para a lua e muitos dos que formularam o plano, após deixarem o governo, enriqueceram no mercado à custa da política econômica que eles mesmos implementaram. Daí vem outra expressão cunhada por Paulo Guedes e companhia nas reflexões feitas a partir do centro nervoso da transição, à beira do Lago Paranoá, em Brasília: uma das maiores dificuldades na campanha foi “desalckmizar” ou “destucanizar” o mercado financeiro e os empresários, todos receosos de que a vitória de Bolsonaro pudesse trazer prejuízos para seus negócios.

A avaliação é a de que os tucanos ganharam uma falsa imagem heroica a partir da estabilização da economia, a despeito de terem ignorado a crescente expansão dos gastos públicos. O modelo, evidentemente, foi potencializado na era petista. O governo, que gastava 18% do PIB no regime militar, chegou a despender 45% do PIB sob Dilma Rousseff. Os números são usados pelos economistas que a partir de janeiro estarão no controle para dizer que, sob o PSDB e o PT, o Brasil se tornou prisioneiro da social-democracia. Com a diferença de que, sob o PT, houve algum avanço na linha do liberalismo econômico. Isso mesmo. O Bolsa Família é considerado um programa com fortes traços da escola que guia Paulo Guedes. É “Chicago puro”, dizem, em referência à Universidade de Chicago, templo ultraliberal por onde passou não apenas o futuro ministro como grande parte dos principais nomes da sua equipe. A conclusão que se segue, porém, é a de que o país viveu uma transição incompleta rumo ao liberalismo.

A praticamente um mês da posse, o projeto econômico é dividido em três eixos – ou “três tiros”. O “primeiro tiro” é a reforma da Previdência. A equipe econômica pretende apresentá-la até fevereiro, quando o novo Congresso assume. A turma de Guedes sabe que há entraves dentro e fora do novo governo. O próprio Bolsonaro é contrário, por exemplo, a mexer na previdência dos militares. Ele já disse que colegas de farda têm um trabalho diferenciado, suficiente para que sejam uma exceção no sistema, e que toda a sua carreira política se desenvolveu tendo os quartéis como base eleitoral. Desapontar essa base ao chegar ao poder significaria contrariar a sua própria história. Em relação à Previdência – a geral, não a dos militares –, os pensadores do programa econômico do futuro governo entendem que o ideal é a capitalização, pela qual cada contribuinte monta uma espécie de poupança própria em que deposita, mensalmente, quanto puder. O formato, eles sabem, teria dificuldades para ser aprovado integralmente pelo Congresso — que busca pelo menos um modelo misto, em que o estado também contribui.

Agëncia BrasilDivulgaçãoA sede da Petrobras: privatizações estão nos planos, mas “joias da coroa” serão mantidas
No projeto econômico a ser implementado a partir de janeiro, o segundo “tiro” é o das privatizações das estatais avaliadas em 802 bilhões de reais. É um valor que muitos consideram irreal, porque não se sabe ainda quais serão vendidas e se haverá compradores dispostos a pagar os preços pretendidos. Ao menos por ora, a ideia é que no pacote não estejam incluídas as joias da coroa, como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. São instituições que o próprio Bolsonaro e os militares, peças essenciais no novo desenho do poder em Brasília, já disseram que são estratégicas e devem ficar de fora da desestatização. A equipe econômica, contudo, acha que esse sentimento pode mudar com o tempo. Vender 30% dos ativos, dizem, já seria um grande passo. A ideia é usar os recursos para pagar os juros da dívida resultante do descontrole da política fiscal implementada durante a tal era da social-democracia (hoje, a dívida está na casa de 2,6 trilhões de reais).

O terceiro “tiro” do plano é a reforma do estado. A organização da máquina é considerada um desastre. Há órgãos demais, gente demais, superposição de funções. Basta dizer que a estatal do trem-bala, formada sob Dilma Rousseff, ainda existe, embora o projeto tenha ficado pelo caminho. Tudo é feito para não funcionar e, ao mesmo tempo, manter os interesses políticos e empresariais em jogo. Alguém aí lembra da Lava Jato e da parceria tenebrosa de poderosos com empreiteiras? Pois ao falar disso, é justamente a comparação que os economistas de Bolsonaro tecem. Lembram do “mecanismo” que fazia girar as engrenagens do petrolão e citam, como parte do cenário, até as organizações de representação empresariais. Há a leitura de que, depois da abolição do imposto sindical, que reduziu o poder dos sindicatos de empregados, é chegada a hora de enfrentar também os dos patrões. Em especial, as lideranças patronais, consideradas por integrantes do futuro governo como obsoletas, por viverem à base de verbas carimbadas do chamado Sistema S. Essas lideranças ficam encasteladas em prédios suntuosos enquanto seus representados passam sufoco.

Como muitas das medidas passam pelo Congresso, será preciso definir um novo pacto federativo. Paulo Guedes e equipe acreditam que, a partir desse pacto, será possível descentralizar recursos federais para estados e municípios, o que fatalmente trará o apoio de parlamentares ao plano. Tudo sob o sonoro discurso de “Mais Brasil, Menos Brasília”, um dos slogans da campanha de Bolsonaro. Eles chegam a falar que até mesmo petistas poderão aderir, quando virem cofres estaduais e municipais abastecidos com o que antes engordava União. Há a leitura de que a Constituição de 1988 já prevê essa descentralização, mas a política federal cuidou, ano após ano, de inchar o governo federal e concentrar a administração dos recursos em Brasília como forma de concentrar o poder. A liberal-democracia, sustentam, chegou para mudar tudo o que está aí. Sem cogumelos.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO