Adriano Machado/CrusoéOs anfitriões se despedem de Marco Aurélio: o ministro não quis dizer quem mais estava presente

Mais um convescote impróprio

É noite de quarta-feira. Em Brasília, ministros de tribunais superiores confraternizam com advogados estrelados da capital em um jantar regado a champagne. Como era de se esperar, as excelências não veem qualquer impropriedade nesse tipo de relação. E uma delas, o presidente do STJ, ainda ameaça o repórter e reclama: "Eu acho que vocês estão indo além demais"
23.11.18

Roberto Rosas é um advogado de sucesso em Brasília. Não está entre os mais famosos e badalados, aqueles que fazem questão de viver sob os holofotes, porque sua maior qualidade está justamente nos bastidores. Professor de direito e dono de uma banca de advocacia, costuma ser acionado em grandes causas, aquelas que envolvem cifras milionárias. É especialista em tribunais superiores. “Nós costumamos dizer que ele não pega causas de menos de 200 milhões de reais”, diz um amigo. Quem o conhece diz que ele é capaz de operar milagres jurídicos graças a sua competência.

Além de tecnicamente preparado, Rosas é conhecido como um expert na arte de construir boas amizades. E de agradar, sempre da melhor maneira possível, os amigos que conquista. Bom de conversa, guarda na memória aquele que talvez seja o mais completo anedotário dos tribunais brasilienses. Conta as histórias com graça, de modo a cativar o ouvinte. Quem circula bem pelas mais altas cortes da capital diz que poucos advogados têm tanto acesso a ministros, tanto do Supremo Tribunal Federal (STF) como do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quanto ele.

Rosas não falta a eventos em que estejam presentes os juízes com os quais trata. E também recebe muito bem. Na noite desta quarta-feira, 21, o advogado de 79 anos abriu as portas de sua mansão no Lago Sul de Brasília para um jantar especial. Convites foram distribuídos no STF e no STJ, os tribunais nos quais ele atua com frequência e, frise-se, em causas multimilionárias. Por volta das oito da noite, os convivas começaram a chegar em seus carrões executivos, alguns oficiais, com aquelas luzes intermitentes características, mas providencialmente sem as placas de bronze que costumam identificá-los ao longe.

Chovia em Brasília. Meia dúzia de manobristas se revezavam em frente ao portão principal, com sombrinhas à mão. Mais cedo, um requisitado buffet da cidade desembarcara na mansão o jantar que seria servido. A razão do convescote era, digamos, um tanto prosaica. Rosas promoveu o jantar para que Eduardo Ferrão, uma estrela brilhante da advocacia, pudesse apresentar à corte sua nova esposa, uma ex-modelo acostumada a frequentar as páginas de revistas de moda. Rosas e Ferrão são amigos e parceiros de trabalho. Já atuaram juntos em grandes processos — em um deles, defenderam a gigante Souza Cruz no Supremo Tribunal Federal.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéNoronha, o presidente do STJ, tentou intimidar o repórter no dia seguinte
À diferença do discreto parceiro, Ferrão é daqueles que aparecem sem reservas no noticiário jurídico-político-policial. Sua carteira de clientes inclui gente famosa, como o ex-presidente José Sarney e o senador Renan Calheiros, e empresas igualmente famosas enroladas com a Justiça. Até tempos atrás, defendia empreiteiras da Lava Jato, como a OAS. Também com bom trânsito nos tribunais, Ferrão é muito próximo de Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo. Era um dos amigos diletos do falecido ministro Teori Zavascki, que costumava visitá-lo no famoso “Costelão do Ferrão”, como eram chamadas as sessões de churrasco na casa do advogado, com a presença de outros ministros das altas cortes.

Desta vez, como já dito, o anfitrião era Rosas, habituado a oferecer jantares como aquele na mansão amarela erguida sobre uma fusão incomum de dois terrenos com acesso direto às margens do Lago Paranoá. Da lista de convidados vip para homenagear Ferrão e esposa, poucos faltaram. A despeito de ambos, o anfitrião e o homenageado, terem inúmeros processos nas cortes de que fazem parte, os ministros lá estavam.

A eventual mistura de interesses e a exposição à influência não pareciam ser um problema. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, foi acompanhado da esposa, a desembargadora Sandra de Sanctis, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Havia também ministros do STJ. Inclusive o presidente da corte, João Otávio de Noronha. Entre os convidados estavam ainda outros advogados-celebridades da cidade. Como Aristides Junqueira, ex-procurador-geral da República que passou a atuar também em favor de investigados da Lava Jato.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéO ministro Jorge Mussi (dentro do carro): encontro foi “muito agradável”
O host Roberto Rosas e a esposa — ela, alheia ao meio jurídico — faziam as honras da casa, enquanto a senhora Ferrão era apresentada a cada convidado. Garçons serviam vinho e champagne. Crusoé acompanhou a movimentação do lado de fora.  Às 23h49, o séquito de manobristas se alvoroçou e correu para retirar os carros da ampla garagem. O primeiro a sair foi João Otávio de Noronha. Antes de entrar no carro oficial, com as luzes especiais para dispersar o trânsito, ele acenou com o celular na mão em direção à entrada do convescote. Vinte e cinco minutos depois, foi a vez de Marco Aurélio Mello se despedir dos anfitriões, que o acompanharam até a porta do carro.

Nesta quinta, Crusoé procurou alguns dos participantes do convescote. “Foi muito, muito agradável, o casal anfitrião recebendo um casal amigo, o advogado Ferrão e a Juliana. Eu não tenho costume de jantar. Foi realmente para atender um convite do doutor Roberto Rosas e da Célia. Foi um jantar até muito estrito. Não foi com muita gente, não”, disse Marco Aurélio. O ministro evitou falar sobre os outros presentes. Não queria ser indiscreto. “Eu preservo a privacidade das pessoas.” Eduardo Ferrão, o homenageado, contornou o assunto. “Até por uma questão de delicadeza, acho que você deveria falar com o anfitrião para saber sobre isso, né? Pode falar com ele, tranquilo, tá?”, disse o advogado.

“Ele (Rosas) homenageou um colega advogado. Foi muito agradável”, afirmou o ministro Jorge Mussi, do STJ e atualmente corregedor-geral eleitoral do TSE. Indagado se eventos assim não representam uma questionável mistura de interesses, Mussi foi sucinto: “Não… Foi um jantar social, conheço ele há muitos anos, a senhora dele, tudo isso.” Outro colega dele que também passou pelo evento foi Benedito Gonçalves, que chegou a ser alvo de um inquérito da Lava Jato por suas supostas ligações com empreiteiros investigados.

João Otávio de Noronha, o presidente do STJ, estrilou ao ser perguntado, no início da noite desta quinta, sobre o jantar. “Eu acho que vocês estão indo além demais, hein? Vocês estão demais”, afirmou. A conversa foi a seguinte:

O sr. foi a um jantar ontem na casa do advogado Rosas.
Sim. Qual é o problema ir num jantar?

Como foi?
Foi um jantar de amigo. Estava eu, outros ministros… Foi um jantar pequeno, de amigos.

Havia outros ministros do STJ?
Não… Desculpa, isso aí é questão da minha vida privada. Eu não tenho que dar para a revista Crusoé com quem eu janto, almoço. Foi um jantar de amigos. Você quer saber quem foi, quem estava? Fala com o Roberto Rosas. Não é comigo. Desculpe. Acho que você está invadindo minha intimidade aí.

Esse tipo de evento não cria uma mistura de interesses, não facilita processos de alguns advogados no STJ?
Quem?

O doutor Rosas.
Agora peraí. Eu posso almoçar com você. Não posso? Almoçar com a imprensa? E ninguém fala quando eu almoço com jornalista. E qual o problema?

O sr. não vê conflito?
Não é porque ele atua aqui (no STJ) que eu não posso jantar ou não posso conversar. Eu não julgo nada do Roberto Rosas. Não tenho causa nenhuma do Roberto Rosas. Eu como presidente não tenho… Não estou entendendo você. O que você quer insinuar? Porque eu jantei, estão fazendo lobby, estão corrupção (sic). Meu amigo… Eu tenho caráter, tenho pudor, tenho força, tenho decisão, eu não sou um homem que me vendo a ninguém. Nem me enfraqueço diante. Eu aceitei um convite para ir na casa de um amigo que ia ter um jantar pequeno e fui jantar. Qual o problema?

E a homenagem ao advogado Ferrão?
Não vou te dizer quem estava lá, quem não estava, não me cabe isso, falar dos nomes. Eu acho que você está invadindo minha privacidade. Eu fui lá como amigo, como pessoa, eu sou um homem, um cidadão. Ou eu tenho que ficar trancado na minha casa e não posso ir a lugar nenhum? Porque o sujeito é advogado, é isso ou aquilo. Podem induzir, eu acho que vocês estão indo além demais, hein? Vocês estão demais… Transparência tem limite, transparência é minha atividade pública, não minha intimidade.

O sr. é presidente do STJ.
Sou, eu sou um homem público e você também, que escreve, tem que dizer quem é você. Você tem que dizer quem financia sua revista, né? Tem uma empresa, que é seu patrocinador (Nota da redação: Crusoé não tem patrocinadores e, como é sabido, não aceita publicidade de qualquer espécie de órgãos públicos ou empresas estatais. A revista tem como fonte de receita a venda de assinaturas). Acho que… Desculpa, eu sou um homem público, decido com clareza e com transparência. Agora, minhas amizades de 30 anos, 40 anos, não acabaram e não vão acabar porque eu sou um homem público. Pelo contrário. Eu sou um homem público decente, sei o que faço e por isso eu faço abertamente, não escondo nada. Tá bom?

O sr. não vê problema, então?
Nenhum, nenhum. Com quantos jornalistas eu já almocei? E têm causas aqui no STJ, sendo processados por dano moral. E vocês nunca falaram isso? Eu não sei se você… Você não tem nenhuma não, aqui?

Eu não.
Ah, ainda não, né? Ainda não. Então, meu amigo…

Isso é uma ameaça, ministro?
Não, que ameaça, estou dizendo “ainda não”, porque do jeito que você vai você pode… né… você pode… Então vamos fazer o seguinte? Respeita a minha intimidade e eu respeito a sua liberdade de exercer sua profissão. Então não transforme sua revista num antrinho de fofoca, não, porque eu sou um homem sério, tenho família, tenho dignidade, e não tenho que dar satisfação com quem eu almoço ou janto. Eu tenho que dar satisfação pelos meus atos públicos, meus atos públicos são muito transparentes. Tá certo?

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéA mansão do jantar ocupa dois terrenos, à beira do Lago Paranoá
Há duas semanas, Crusoé mostrou o animado feriadão de Finados de alguns ministros do STF e STJ em Nova York, com hotel de luxo, carros oficiais do Itamaraty a serviços dos ministros e um jantar exclusivo bancado por um dos mais renomados advogados tributaristas brasileiros, Arnoldo Wald. A comitiva, que contava com o presidente do Supremo, Dias Toffoli, tinha duas dúzias de pessoas. A excursão foi organizada pela Fundação Getúlio Vargas.

Anfitrião do evento desta quarta-feira em Brasília, em 2011 o advogado Rosas foi o convidado de um programa da TV Justiça. A ideia era que ele abrisse as portas de sua biblioteca para dar recomendações de livros jurídicos. Ele fez uma simbólica. Retirou da estante “Eles, Os Juízes, Vistos Por Um Advogado”, do jurista italiano Piero Calamandrei. E se empolgou ao descrever a obra. “É um relacionamento muito importante entre o juiz e o advogado. O juiz não pode ficar lá encastelado, separado, e o advogado, do lado cá, também separado. Porque no meio disso tudo existem as partes, os interesses, o direito, a justiça”, disse. “Sem haver essa interação não há possibilidade de se chegar a um bom final, qual seja, de uma justiça, com uma boa aplicação do direito”, emendou. Por vezes, a interação se dá entre taças de champagne.

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