Brasil, um país quase “pós-industrial”

23.11.18

Ao examinar com atenção o percurso das nações que mudaram de patamar nos últimos 70 anos, como Japão, Alemanha, Coreia do Sul, China e Chile, é praticamente impossível traçar uma trajetória de crescimento sem pelo menos 40% do PIB resultantes da combinação de importações e exportações.

No Brasil, com exceção dos ciclos da monocultura de exportação (borracha, café, cana-de-açúcar), é muito raro identificar um momento do PIB que apresente 25% oriundos de comércio exterior. A imediata e óbvia constatação é que, na recente história da economia global, o Brasil não integrou o grupo de países que elegeu o comércio exterior como principal plataforma de crescimento. E, num foco mais contemporâneo, adotamos nos governos petistas um “retrofit” das velhas teses de substituição de importações. Se nos 1940 e 1950 o termo forte era nacionalização da indústria, nos anos Lula-Dilma o conceito foi substituído por uma filosofia que chamo de “local-conteudismo”. Trata-se de forte ênfase nas políticas industriais de substituição de importações, mas não necessariamente com nacionalização da indústria. Pelo contrário, tal “retrofit” foi muito amistoso ao capital estrangeiro.

Toda a estratégia brasileira de compras governamentais, oferecimento de benefícios fiscais e tentativa de criação de cadeias de produção do setor industrial esteve associada ao papel das estatais e das instâncias governamentais em seus três níveis. O Estado desempenhou papel de grande formador da demanda para que empresas de outros países viessem para o Brasil e aqui estabelecessem suas operações, gerando, portanto, empregos e impostos locais.

Na medida em que o país optou por não se esforçar na busca de acordos de comércio e tampouco se integrar às cadeias globais de produção, as atividades industriais que aqui se instalaram passaram não apenas a competir com similares nacionais, como também tiveram como objetivo exclusivo o mercado brasileiro. Ninguém veio montar uma fábrica no Brasil para fazer do país uma plataforma de exportação para terceiros mercados. Empresas vieram sobretudo para explorar o mercado brasileiro, que é muito protegido comercialmente e, assim, paga um sobrepreço para quem se instala aqui.

Esse é uma dos motivos pelos quais o Brasil se tornou o quinto maior destino de investimento direto do mundo durante o período Lula-Dilma. Ou seja, tivemos, de fato, uma política industrial que atraiu investimentos, só que não pelas melhores razões. As prioridades foram o atendimento de demandas reprimidas, mirando o universo do consumo interno, e não fazendo o Brasil — por meio do seu próprio mérito — um elo dessas cadeias mais globais de produção.

É inegável o resultado de nosso nacional-desenvolvimentismo recente. O setor industrial no Brasil está não apenas menor e menos competitivo, mas também mais desnacionalizado. E a ênfase na política de apoio a empresas “campeãs nacionais”, que tantos recursos drenou de áreas em que a competitividade internacional brasileira poderia ser mais bem servida, acabou por funcionar como um tiro pela culatra.

Um dos efeitos colaterais dessa dinâmica é a drástica redução do número de nacionais brasileiros como acionistas e diretores de empresas a operar no país. Ou seja, quem planta capitalismo de compadrio colhe desnacionalização. Isso só contribuiu para que nosso comércio exterior de maior valor agregado e, particularmente, do setor industrial, definhasse. Tal política favoreceu o que alguns economistas, em especial Dani Rodrik, de Harvard, chamam de “desindustrialização prematura”.

Uma coisa é o que aconteceu com Londres ou Paris, ou outros grandes centros urbanos na Europa que se converteram ao longo do século de ramos industriais para praças de serviços e entretenimento. Houve, nesses casos, um processo de maturação bastante clara. Alguns desses setores de serviços e entretenimento se converteram em locação para a quarta revolução industrial, com empregos em pesquisa e desenvolvimento voltados para tecnologia e para a indústria 4.0.

No caso do Brasil, não cumprimos essa fase. Aqui não existe, em dimensão semelhante à dos EUA, um “rust belt” (cinturão de ferrugem) —uma região de indústria pesada e manufatureira. Nós tínhamos que fazer com que a indústria ocupasse uma parcela ainda maior no PIB brasileiro e uma fatia ainda maior das nossas exportações. Acabamos, no entanto, regredindo ao longo do tempo. Outro elemento a contribuir para esse processo foi nossa volta a uma situação semicolonial de comércio com a Ásia, particularmente com a China.

A China hoje é nosso principal parceiro. Mas nossas exportações estão concentradas em poucos produtos básicos. Com as importantes vantagens comparativas que mantemos nas commodities agrícolas e minerais, pelas quais os chineses têm grande apetite, cai o interesse dos empresários em investir na indústria. É muito mais barato ou, pelo menos foi durante uma época, tentar o outsourcing a partir do mercado chinês — o que ajuda na nossa desindustrialização. De modo que nós estamos agora no meio do caminho.

Nos dois últimos anos, as exportações da indústria aumentaram por causa da desvalorização do real frente ao dólar. Ganhamos competitividade via câmbio. No entanto, o câmbio está longe de ser o principal determinante da competitividade exportadora industrial ao longo do tempo.

Em nossa interação com o mundo, privilegiamos muito mais outras ambições no âmbito externo do que um maior pragmatismo econômico. O resultado disso tudo é que o segundo e terceiro pilares da competitividade —acesso a grandes mercados e facilitação da participação do Brasil nas cadeias internacionais de agregação de valor— deixaram de ser priorizados.

Não dá para fazer um “copiar e colar” de modelos asiáticos, mas com eles podemos aprender. A Coreia do Sul abraçou substituição de importações e criação de campeões nacionais. Mas não o fez para garantir fatias do mercado interno ao empresariado local, e sim para promover exportações, aumentar a competitividade do capital nacional em relação a terceiros mercados.

Essa é a grande diferença em relação ao modelo que aplicamos no Brasil. Os sul-coreanos se aproveitaram de um interesse geopolítico dos Estados Unidos e da Europa para fazer algumas concessões pontuais a países asiáticos. Isso também é verdade, numa escala ampliada, em relação à estratégia adotada pela China desde 1978.

E aí vem a pergunta: será que ainda dá tempo para o Brasil? Sim, se nos próximos anos reforçarmos marcos regulatórios e segurança jurídica. E, claro, avançar nas concessōes, privatizações e negociações com grandes mercados. Se olharmos o mapa-múndi, é muito difícil encontrar um país que consegue equilibrar potencial exportador da cadeia agroalimentar, agromineral e em áreas de alta tecnologia, como o setor aeronáutico, e um mercado interno de grande proporção.

O Brasil é vasto e, no limite, tamanho ainda importa. No rumo certo, o país pode ficar ainda maior — e até mesmo reindustrializar-se.

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  1. Falar de forma clara sobre aquilo que é complexo, muitos vão ficar no complexo para desinformar nosso povo! Mas o que é claro ficou claro! Viva o Brasil!

  2. Só elogios à escolha de Marcos Troyjo para a Secretaria de Comércio Exterior e aplauso pela ótima análise feita neste texto. Voltando a ter orgulho de ser brasileiro.

  3. Uma aula diretamente trazida do BricsLab, da Universidade de Columbia, para a ‘Crusoé’. Bem delimitada a diferença na substituição de importações praticada pela Coréia do Sul em relação à do lulopetismo no Brasil.

  4. Brasil com potencial exportador da cadeia agromineral? Difícil. O Brasil importa (e muito) a maior parte dos minerais usados para produzir fertilizantes

  5. O Brasil importa seus Sais Medicamentosos; Os motores e peças de suas Aeronaves; Não dopa seus sheeps eletrônicos, importas seus adubos e defensivos e sementes transgênicas e também não produz suas matrizes galináceas: Tem razão o Cientista Social: Produzimos minério, com tecnologia e equipamentos importados.

    1. perfeito ,somos um pais que desmonta sua propria industria, fizemos isso com a ind de computação, naval, petroleo .

  6. Parabéns pelo artigo Marcos, claro, preciso, conciso e instigante. Espero que a equipe do Paulo Guedes tenha essa clareza também e as equipes da Casa Civil e da Secretaria Geral da Presidência tenham força e habilidade para apoia-los, pois não será nada fácil vencer as resistências a implantação de medidas na direção que você aponta. Bom trabalho.

  7. excelente essa reportagem, mas tínhamos que garantir no Brasil uma forma de que políticos não tivessem tanta influência em certos setores. por exemplo, o Bolsonaro pode agora fazer tudo isso e colocar as coisas nos trilhos, daqui a quatro anos entra um outro grupo político e muda tudo. veja o que o PT fez ao Brasil. acho que essa gangorra política gera muita insegurança, olham o Brasil como um nação promíscua o que realmente é visto que as classes políticas e empresárias não visa o bem geral.

  8. Excelente matéria. Falta investimento e infraestrutura. Falta nossa própria tecnologia. Somos grande, mas pobre e desigual fracos. Muitos impostos, só nos sobrou serviços ou agronegócios. Devemos privatizar ao máximo mas com rigor e sabedoria. Ser um país mais verde, usar energia e tecnologias com competência favorecendo crescimento e emprego. Bons empresários não faltam no Brasil.

  9. O embaixador colocou o Chile como país que mudou de patamar nos últimos 70 anos. Já li que esse país será o primeiro desenvolvido da AmErica Latina. E nós vamos ficar chupando o dedo. Muito bom este artigo. Bolsonaro que deve lê-lo.

  10. Na minha modesta opinião, o Brasil poderia pular etapas e atuar mais fortemente em serviços, como na criação de softwares para uso dos mais diversos, como industrial, médico ou para entretenimento. A China industrializou-se rapidamente com o aproveitamento das próprias indústrias estrangeiras que lá se instalaram para exportação e, por isso, hoje é criticada pelo Trump, ao tirar emprego dos americanos. Não sei se o Brasil teria chance de fazer o mesmo na atual onda de extremo nacionalismo.

  11. Este tema deverá receber a posição dos cotados a assumir o Ministério da Infraestura.Excelente abordagem do articulista.É como penso.Que Deus nos ilumine a todos e um abraço fraterno em agnósticos e ateus!

  12. ...e está continuando fazer besteira A chinesa BYD quer fazer célula de lítio (a base de tudo no futuro breve) no Brasil. Ótimo, entre outros porque o Brasil tem a matéria prima no país e na vizinhança Argentina, Chile e até Bolívia. Aí vem o contragolpe do governo Brasileiro de oferecer subsídio só se a produção vai para Manaus. Com isso morreu o projeto de criar uma base industrial competitivo. Transporte e custo de energia tira toda vantagem competitiva que Brasil poderia ter.

  13. O Brasil precisa demais de dirigentes com larga visão do mundo, de visão estratégica de longo prazo e adequada visão do papel do Estado dentro da sociedade. A pobreza e pequenez que nos assolou nos últimos anos, travestido de bondade social, trouxe apenas atraso, apartou-nos do mundo civilizado (evoluído) e está a exigir alta dose de sacrifícios. Que agora, pelo menos, as coisas tomem o rumo certo.

    1. Concordo que o melhor caminho é o de aprender com os "tigres asiáticos", que no projeto de substituição de importações, incluiu estratégias fortes de qualificação dos recursos humanos nacionais, investindo em educação escolar, técnica e universitária e pesquisa científica. Podemos ir além dos "tigres", em termos de usar a riqueza gerada para para proteger nossos recursos naturais para as próximas gerações, usando-os com racionalidade e respeito ao ambiente natural, sem o que não haverá futuro.

  14. É muito interessante este artigo ser encaminhado ao grupo da transição (principalmente ao General Mourão, mente privilegiada a serviço do Brasil).

  15. A burocracia, o custos e os entraves para se produzir no Brasil ainda são muito grandes. Paramos no tempo, na "economia sindical", da luta de classes. Vai demandar muita habilidade para tirar o Brasil desta visão e convencer que é seguro empreender, investir no Brasil.

  16. Ótimo como sempre. Acho o melhor da Crusoe, o que não é pouca coisa. Agora é só aceitar o convite para entrar no governo...

  17. Bela análise ! Mostra bem o nivetde dificuldade que teremos para desaticar a bomba relógio, que vários governos nos deixaram de presente! Parabens!

  18. ... Eu vivi a recessão da primeira metade da década de 1980. Ainda não tínhamos as fábricas asiáticas. ... Com um pequeno sopro de demanda, fruto de dinheiro p/gastar, empresários brasileiros contrataram e ligaram as máquinas. ... Hoje não temos mais nem máquinas para ligar. ... Quem tem Capital monta uma Marca, faz o registro da mesma, e manda fabricar na Ásia com importações financiadas pelos grandes bancos de lá. ... Vivemos uma Depressão Econômica. Vejo os números. ... Não sou Economista.

  19. Vamos falar claramente, além da típica incompetência do petismo, o "local-conteudismo" tinha outras inspirações. A legislação anticorrupção ficou pesada nos países civilizados (EUA, em especial), então, para tirar propina fácil e na escala galática desejada, foi necessário ter empresários locais dispostos a tanto, fazendo negócios com o governo, como a Lava Jato deixou muitíssimo claro!

  20. Vamos rezar por 4 anos de Paulo Guedes e a aprovação de reformas profundas para tirar o peso do estado do cangote do povo Brasileiro, com liberdade e segurança (Moro) o futuro pode voltar a prometer dias melhores.

  21. Gosto de pensar que em havendo mudanças de mentalidade dos empresários e banqueiros no tocante a riscos, o país pode mudar o curso para ser maior, sem depender do estado, exceto no tocante segurança juridica. Agradecido por compartilhar boas informações e idéias.

  22. Exato, "não adianta copiar/colar". Estaremos sempre um passo atrás sí não houver INOVAÇÃO. E deixo a pergunta: como obter inovação?

    1. boa noite a todos, acredito que os irmãos do norte tem muito a nos ensinar. 82% dos inventos do planeta são dos Americanos, o resto é resto. o que de fato interessa é o que são produzidos no EUA. tecnologia sai pelo ladrão. Colemos neles, e vamos começar a estudar, quem sabe daqui a uns 30/40 anos o Brasil saia dos insignificantes 1% nas importações e exportações do comércio mundial.

    2. não gosto de parcialidade no jornalismo. A nossa desindustrialização vem desde os anos 80 e não de 2003. Somos ricos em empresários de momento, e principalmente aqueles que desviam os dinheiros recebidos dos bancos públicos para paraísos fiscais. Tem falado que a bancada ruralista e a FIESP é o câncer brasileiro. A prova está aí, na história.

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