Adriano Machado/Crusoé

A senhora dos milhões

Gleisi Hoffmann, a porta-voz de Lula, caminha para ser denunciada pela quarta vez na Lava Jato. Novas provas reunidas pela Polícia Federal fazem chegar a 5,3 milhões de reais o total de recursos ilegais recebidos por ela. Parte do dinheiro veio de uma companhia aérea. Crusoé descobriu que a central de propinas que servia à senadora ajudou na manutenção de um apartamento na praia que nunca foi declarado à Justiça Eleitoral
18.05.18

Gleisi Hoffmann ganhou um novo status no PT quando, de senadora com claras dificuldades eleitorais, passou a ser presidente do partido e, mais recentemente, porta-voz de Lula na cadeia. O poder sobre a tropa petista é proporcional ao tamanho de sua ficha corrida na Justiça, em casos nos quais é investigada por crimes como corrupção e caixa dois. Gleisi é uma das estrelas da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal. É triplamente denunciada e a Polícia Federal afirma taxativamente que ela recebeu propina no período de ascensão na política. No total, é acusada de receber mais de 5,3 milhões de reais, entre propina e caixa dois de campanha. O mais recente tiro contra a petista veio à luz nesta quinta-feira, como publicou Crusoé em seu Diário. Gleisi é o principal alvo de um relatório de 165 páginas da PF que investiga um esquema de desvio de recursos montado no Ministério do Planejamento no período em que a pasta era comandada pelo marido dela, o também petista Paulo Bernardo.

Somando todas as frentes de investigação que envolvem a presidente do PT, a Lava Jato aponta quatro fontes distintas de arrecadação de dinheiro sujo: propinas colhidas a partir de contratos firmados na Petrobras, a gigante Odebrecht e, graças ao novo relatório policial, a empresa Consist e a TAM Linhas Aéreas. O caso da Consist já era relativamente conhecido. A empresa recebia uma taxa para gerenciar os empréstimos consignados dos servidores públicos da ativa e aposentados e devolvia parte do dinheiro a políticos. Ou seja, cada vez que alguém se endividava, o esquema prosperava. O relatório traz detalhes de como a Consist bancava o escritório de advocacia de Guilherme Gonçalves, ex-braço-direito de Gleisi e Paulo Bernardo. Ele pagava despesas diversas do casal. A senadora é acusada de receber 1,3 milhão de reais por meio do escritório. Foi escarafunchando os favores prestados a Gleisi pela banca de advocacia que surgiu um e-mail curto, de fevereiro de 2014. Um funcionário pergunta a Guilherme Gonçalves: “Hernany deixou aqui um cheque de 4.400 reais que a Gleisi mandou. O que é para fazer com ele?”. À PF, o advogado explicou: “Esclarece o declarante que o cheque era da Gleisi e se tratava de custas de alguma questão relacionada a impostos ou registro imobiliário de um apartamento que ela comprou no litoral paranaense, acredita que em Gaivotas ou Matinhos”.

Como o e-mail mostra, o esquema da Consist ajudou na manutenção do imóvel da senadora. O auxílio, em si, não representava nada muito diferente do que os policiais já sabiam havia algum tempo. A novidade é o tal imóvel. A partir da referência a Matinhos, Crusoé buscou propriedades na região em nome da senadora. E achou um apartamento de frente para o mar comprado em 2009 por Gleisi, em conjunto com o marido. Desde então, a petista foi candidata duas vezes, em 2010 e 2014. Em nenhuma das duas eleições ela incluiu o apartamento na praia em sua relação de bens. A escritura do imóvel informa que os dois pagaram na transação 220 mil reais, dos quais 200 mil foram pagos à vista – “em moeda corrente nacional contada e achada exata”. O apartamento tem 123 metros quadrados e está no balneário Flórida, na cidade de Matinhos, litoral do Paraná. A cerca de 110 km de Curitiba, o lugar é um dos refúgios de verão dos paranaenses.

Hoje, a certidão do apartamento registra um bloqueio ordenado pela Justiça de São Paulo – o bloqueio atinge a parte do imóvel que cabe a Paulo Bernardo. A ordem veio justamente no processo que investiga a participação o ex-ministro no esquema da Consist, o mesmo do qual Gleisi agora é apontada como beneficiária. O casal é investigado em processos diferentes porque ela é senadora e tem foro privilegiado. Ele está na planície e responde na primeira instância. Crusoé questionou Gleisi sobre a razão de o apartamento não constar de suas declarações à Justiça Eleitoral. A resposta foi a seguinte: “A senadora Gleisi Hoffmann presta contas anualmente à Receita Federal do Brasil, como qualquer cidadão, e não há nenhuma incorreção ou omissão em suas declarações”.

Do esquema Consist, Gleisi é acusada de receber 1 milhão de reais. Outros 300 mil vieram da TAM, segundo a PF, na forma de caixa dois em 2010. O dinheiro da empresa aérea, como antecipou Crusoé, também foi descoberto a partir das planilhas do escritório de advocacia. Ouvido pela PF, o dono da banca, Guilherme Gonçalves, admitiu não ter prestado qualquer serviço à TAM e disse que o valor havia sido destinado à campanha de Gleisi. No passo seguinte, os policiais ouviram o diretor jurídico da companhia aérea à época do contrato, que contou ter recebido ordens superiores para fazer o repasse. O então presidente da TAM, Marco Bologna, foi chamado a se explicar. Disse que quem poderia dar mais informações era justamente o diretor jurídico. Com tantas esquivas, e diante da confissão de Guilherme Gonçalves, a PF concluiu: era caixa dois. Os investigadores escreveram que Gleisi recebeu o dinheiro “para fins eleitorais por intermédio de um contrato de consultoria jurídica simulado sem a correspondente prestação do serviço”.

A Lava Jato acusa a senadora de ter recebido, também em 2010, mais 1 milhão de reais por fora – ela já é ré no caso. Esse milhão veio do esquema operacionalizado pelo doleiro Alberto Yousseff e por Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras. A presidente do PT ainda é alvo de uma denúncia sobre o esquema da Odebrecht, cujos delatores contaram ter disponibilizado 40 milhões de dólares a integrantes do partido. Desse dinheiro, 3 milhões de reais foram para o caixa dois da campanha de Gleisi em 2014, segundo a Procuradoria-Geral da República.

As quatro encrencas de Gleisi

 

Apesar dos rolos com a Justiça (ou por causa deles), Gleisi Hoffmann foi alçada ao posto de presidente do PT em junho do ano passado. Semanas antes, um grupo de parlamentares reuniu-se com Lula, na sede do instituto que leva seu nome. A eleição para o comando do PT se aproximava e eles queriam primeiro saber se Lula desejava ficar formalmente à frente da legenda. O petista disse que não. Diante da resposta, os súditos pediram então que o monarca abençoasse um dos presentes à reunião. Lula silenciou. Até que, ao fim do encontro, perguntou: “E a Gleisi?”. A senha estava dada. Ela era a escolhida.

Dessa maneira, bem ao modo petista de subserviência a Lula,  a senadora foi sacramentada para conduzir o PT na jornada tempestuosa que se seguiria. Gleisi serve a Lula por uma série de fatores. A lealdade canina aos superiores petistas ao longo de toda a sua carreira é a mais importante. A companheira nunca abriu a boca sobre desmandos nas máquinas administrativas por que passou – de secretária no Mato Grosso do Sul a chefe da Casa Civil de Dilma. Mas há ainda uma outra característica que, para Lula, é fundamental. Gleisi não tem nenhum compromisso com a realidade objetiva. Com ela, fica mais fácil iniciar um confronto irresponsável com o Judiciário na defesa de… Lula. O dono do partido manda e ela obedece, sem medir consequências. Agora, por exemplo, ambos baixaram uma ordem para que o mantenham como candidato ao Planalto, apesar do evidente impedimento legal (leia mais na reportagem a seguir).

Gleisi conversa ao pé do ouvido com Lula horas antes da prisão do ex-presidente (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Desde sua posse na presidência do PT, em junho de 2017, Gleisi tornou-se monotemática.  A defesa de Lula e os ataques à Lava Jato passaram a dominar as suas entrevistas, os seus discursos e, em especial, a sua intensa atuação nas redes sociais. A senadora assumiu com rigor o script até mesmo em audiências a que teve de comparecer na Justiça. Em seu interrogatório no processo da Petrobras, o mais avançado de todos, Paulo Marcos de Farias, juiz auxiliar do ministro Edson Fachin, incomodou-se com o tom da fala da petista, que queria fazer dali um palanque. Disse o juiz: “Eu acho que, aqui, quem comanda, senhora, com todo respeito, ainda é a autoridade judiciária”. Tensão na sala. “Na verdade, o interrogatório, a função dele é a senhora fazer uma defesa, não a senhora fazer um discurso político”, acrescentou o magistrado. Semanas depois, o Supremo abriria a ação penal e Gleisi se tornaria ré.

A guerra pública da petista teve ainda momentos de vergonha. Em janeiro deste ano, ela viu apoio internacional a seu chefe em uma faixa exibida pela torcida em um jogo entre as equipes do Bayern de Munique e do Bayer Leverkusen. A senadora leu “Forza Lula” onde estava escrito “Forza Luca” e correu para espalhar o achado nas redes. Um grande mico. Na verdade, a homenagem era a Luca, um torcedor italiano que fora vítima de uma briga de torcidas. No mês seguinte, durante o Carnaval, Gleisi enxergou apoio ao partido em um hit popular. “Vai dar PT”, o nome da música, nada mais era do que uma expressão juvenil para “encher a cara” e dar “Perda Total”. Outro mico. Sua escalada de radicalismo incluiu ameaças à Lava Jato e previsões furadas para tentar criar um clima de confronto com a operação ante a iminente prisão do chefe. “Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas mais do que isso vai ter que matar gente”, chegou a dizer. No circo armado pelo PT em São Bernardo do Campo para exibir a força de Lula, ela estava lá, em cima do carro de som, animando a plateia. Lula foi preso sem que fosse preciso matar gente.

Por sua lealdade, Gleisi foi premiada. Tornou-se porta-voz de Lula após a prisão do chefão. Ela é a única autorizada a falar em nome do ex-presidente. E Lula virou sua única plataforma. No Paraná, ela só tem os votos dos militantes do PT. Daí a decisão de disputar, em outubro, uma vaga na Câmara dos Deputados e não mais a reeleição ao Senado. Mas esse é o menor dos problemas. Ela sabe que seu horizonte é o pior possível. Com tantas provas, não vai demorar para que tenha de prestar contas à Justiça, assim como o seu querido alter ego, destinatário de milhões providenciados pela máquina de corrupção do partido. Ao defender o condenado com unhas e dentes, Gleisi tenta igualmente defender-se.

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