André Dusek / Estadão

“Renan não é renovação”

Recém-chegada a Brasília, Simone Tebet ainda não admite publicamente, mas já trabalha nos bastidores para desbancar Renan Calheiros na corrida pela presidência do Senado a partir do ano que vem. Líder do MDB, ela defende que o partido reconheça seus erros e priorize a pauta econômica
15.11.18

Simone Nassar Tebet é a desafiante da vez. Aos 48 anos, a advogada sul-mato-grossense que lidera a bancada do MDB no Senado tenta se viabilizar como candidata a presidente do Senado contra ninguém menos do que o senador alagoano Renan Calheiros, que já comandou a Casa por três vezes e, nos bastidores, opera para chegar lá novamente. Tebet aposta na estratégia de reproduzir, na eleição marcada para o início de fevereiro, o recado de renovação política saído das urnas nas últimas eleições.

Filha do ex-presidente do Senado Ramez Tebet, Simone se destacou no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. A seu favor na batalha contra Renan, há o fato de que o plenário estará repleto de novatos. De cada quatro senadores que tentaram a reeleição, três saíram derrotados. Das 54 vagas preenchidas este ano, 46 serão ocupadas por nomes novos. É justamente o voto dessa turma que ela buscará, repetindo um discurso que, a despeito de ainda não assumir a candidatura, já está na ponta da língua: “Renan não é renovação”. A seguir, os principais trechos da entrevista da senadora a Crusoé.

A sra. vai disputar com Renan Calheiros a presidência do Senado?
Como líder não posso me colocar como candidata porque começaremos esse debate em dezembro com os senadores que estão saindo, mas principalmente em janeiro, com os que estão chegando. Pode sair até uma terceira via desse processo, talvez de alguém que está chegando. Como líder, tenho uma limitação em responder (se será candidata) porque precisamos ainda nos reunir. Advogo apenas que o presidente do Senado deve ser do MDB, por ser a maior bancada. Quem elege a maior bancada tradicionalmente faz o presidente.

A renovação que a sra. defende passa por um novo nome no comando da Casa?
Passa por todos os espaços do Senado, não só a presidência. O recado foi muito forte das urnas. Não adianta achar agora que o líder vai ter a mesma força que teve no passado. Os líderes vão ter que lidar com senadores novos que estão chegando com uma pauta muitas vezes diferente da pauta do próprio partido. Eles chegam falando de combate à corrupção, por exemplo.

E Renan?
Renan não é renovação. Qualquer um que foi presidente do Senado não é renovação. Mas isso não impede a bancada de entender que, na discussão sobre a candidatura à presidência, prefere alguém com experiência. A vontade da maioria vai prevalecer. Eu advogo que deveríamos pensar em renovação. Também defendo que os senadores que agora estão no meio do mandato e em contagem regressiva para os próximos processos eleitorais tenham preferência para ocupar espaços.

Quem está nessa condição?
O Dario (Berger), o (José) Maranhão, eu e o (Fernando) Bezerra. Defendo que haja espaço para quem está nessa condição, no sentido até de poder estar mais próximo do centro das discussões dentro do próprio partido.

Do recado que as urnas deram para o Congresso nas últimas eleições, o que foi mais forte?
Erramos em quase tudo, principalmente na nossa pauta. Depois do impeachment (de Dilma Rousseff), ficou aquele embate acalorado, com acusações de golpista de um lado e o outro lado se defendendo. Não avançamos na pauta econômica, que ficou comprometida e prejudicada em função dessa discussão político-ideológica. Enquanto discutíamos, o desemprego aumentava.

Wilson Dias/Agência BrasilWilson Dias/Agência BrasilA senadora em atividade: MDB deve reconhecer seus erros
A mensagem dos eleitores para o seu partido, o MDB, parece ter sido bastante clara.
Sim, e em razão disso fiz uma crítica interna em uma reunião do partido. No encontro, estava sendo defendida a necessidade de apresentar uma agenda econômica ao próximo presidente como se isso fosse urgente para o partido agora. Fui obrigada a intervir e dizer que esse discurso nos afastaria ainda mais da população, e que devemos ter humildade para reconhecer nossos erros, que nos distanciamos das ruas, que estávamos vivendo do passado e deveríamos nos reinventar.

Como reinventar um partido assolado por escândalos de corrupção?
A primeira forma é entender que erramos e que precisamos viver no presente. O recado das urnas foi o combate à corrupção. Não é só fazer propostas na área econômica. Temos que rever tudo dentro do partido.

O MDB não ficou um partido muito pesado?
É um partido que passa por dificuldades, como os outros dois grandes, PSDB e PT. Foi atingido pela Lava Jato. Isso é indiscutível. E assumiu o governo em um dos piores momentos da economia brasileira. É preciso ser justa e dizer que o tempo da política é diferente do tempo da história. No caso do governo Temer, acho que a história vai corrigir eventuais injustiças em relação a realizações dele na política econômica. Sei que há desgaste por outras razões, mas houve na população uma falsa sensação de que ia mudar o governo e sobrar emprego no país.

Objetivamente, o que o partido deve fazer para sair dessa situação?
Precisamos de nomes novos ocupando espaços dentro do partido.

A Justiça chegou a bloquear os seus bens devido a uma licitação apontada como irregular quando a sra. foi prefeita de Três Lagoas. Isso não se choca com seu discurso de renovação?
Não tenho mais bens bloqueados. Fui rigorosa no processo de licitação na época, porque alguns promotores me procuraram dizendo que sempre as mesmas empresas venciam. Como recebi verba federal, fiz um processo licitatório muito restrito na época. Era uma obra grande, que inclusive já está inaugurada. Não se discute superfaturamento, se discutem aspectos técnicos. Está tudo dentro da lei.

Em que o novo Senado será diferente do atual?
Para a bancada do MDB, vieram pessoas experientes, mas que nunca foram do Senado. A exceção é o Jarbas (Vasconcelos). Notei uma bancada mais conservadora, que vem com discurso forte de combate à corrupção e que se aliou a candidatos mais de centro-direita no primeiro turno.

Senado FederalSenado FederalTebet sobre o novo Senado: mais conservadores e discurso afiado contra a corrupção
Qual será o papel do Senado no governo de Jair Bolsonaro?
Estamos em um momento conturbado. O presidente vai ter que pacificar o país e vai ter que contar com uma Casa mais equilibrada. Vamos ter que aparar arestas. Teremos o papel de Casa revisora para lapidar eventuais excessos. Seja o excesso da pauta econômica, dos costumes ou da segurança pública.

A pauta do Congresso deve ser a mesma do Poder Executivo?
A pauta do Senado tem que ser econômica. Isso é para ontem. Podemos até encurtar os prazos de votação para acelerar isso. E, em paralelo, temos que discutir questões relacionadas à segurança pública. Já o que for polêmico pode até ser apresentado pelo presidente, mas ele não pode exigir que essa discussão seja atropelada de forma a prejudicar a pauta principal, que deverá ser a econômica, repito.

Significa que os projetos polêmicos defendidos por Bolsonaro na campanha deverão ser deixados de lado?
O que defendo é que o presidente gaste tempo, energia e força política, neste primeiro ano, aprovando a agenda prioritária da economia e da segurança pública. No que for polêmico, que ele deixe o Congresso respirar e exercer o papel de uma casa democrática. Não dá pra usar o mesmo tempo e a mesma artilharia com projetos polêmicos e com projetos econômicos. Um projeto polêmico não se aprova em seis meses, nem em um ano.

Em quem a sra. votou para presidente?
Votei no 15 (Henrique Meirelles).

E no segundo turno?
Não votei no (Fernando) Haddad.

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