MarioSabino

Ensine o seu filho a mentir na escola

09.11.18

Ensine o seu filho a mentir. Não é bonito, mas fazer o quê? Questão de sobrevivência acadêmica. Se as crianças não mentem, não passam de ano. É preciso que elas mintam nas provas e trabalhos escolares que a escravidão foi invenção dos brancos colonialistas. Que a reprise da ditadura do proletariado é o fim da história (e como ditabranda, já que os proletários serão nutellas). Que as desigualdades entre os países são culpa de um troço chamado “neoliberalismo”, a mais nova perversão do capitalismo. Que há mais a compreender sobre o Brasil na literatura angolana do que nos velhos autores nacionais, como Monteiro Lobato. Aliás, por falar em cultura, recomende a seu filho antecipar-se ao professor e mentir que Lobato era um reacionário nojento, cujas obras merecem o ostracismo. Conta pontos também dizer que, como tudo é relativo no plano cultural, bater tambor é tão difícil quanto tocar violino. E, a julgar pela última prova do Enem, rende boas notas afirmar que o jargão de travestis constitui um “dialeto secreto da perspectiva do usuário”. Nada contra travestis, mas deram uma baita siliconada na definição de dialeto.

Ao fim e ao cabo, a despeito dos esforços parentais, será uma sorte se o seu filho aprender a separar o que é real do que é irreal em aulas pelas quais você paga indireta ou diretamente, via impostos ou boleto. Quando assisto à moçada gritando palavras de ordem nas madraças universitárias, fico com o coração apertado pela quantidade de talentos desperdiçados. Guilherme Boulos é um exemplo de desperdício. O rapaz é articulado, poderia ser um ótimo empresário, criar empregos, riqueza, mas fará besteira até o final da vida porque acreditou em tudo o que lhe disseram nos bancos escolares. Restou-lhe imitar Lula, coitado.

Na década de 1970, a doutrinação no ensino médio era mais simpática do que hoje. No Colégio Equipe, bunker da esquerda onde estudei juntamente com Diogo Mainardi, permitia-se fazer gozação dos professores comunistas (todos). A gauche libertária era boazinha. O Diogo, eu e mais quatro amigos criamos um jornalzinho intitulado Corriere del PC, de periodicidade indefinida. O PC, no caso, não era de “Partido Comunista”, mas de “porcos chauvinistas”. Os blogs sujos têm, portanto, licença para alardear que, aos 15,16 anos, já éramos jornalistas de extrema-direita. O Corriere del PC, uma folha de caderno que passava de mão em mão pela classe, trazia conteúdo editorial nada variado: avaliações dos atributos das meninas, piadas repetidas sobre os professores de história e sempre a mesma foto três por quatro de um dos nossos colaboradores, com a legenda “Procura-se estuprador de galinhas”. Outro dia, encontrei casualmente um ex-colega de classe do Equipe. Ele se lembrou do Corriere del PC e declarou-se leitor de O Antagonista. “Não posso dizer lá em casa”, disse. Fiquei enternecido. Respondi que até eu às vezes lia O Antagonista escondido.

A barra pesou foi na universidade. No primeiro ano da PUC de São Paulo, você era obrigado a engolir marxismo sob os nomes de “Metodologia Científica” e “Problemas Filosóficos e Teológicos do Homem Contemporâneo”. A universidade fingia que não doutrinava e o regime militar fingia que não havia doutrinação. Ai de você se ousasse discordar científica, filosófica e teologicamente falando como homem contemporâneo. Na verdade, não havia discordância porque quase ninguém entendia bulhufas do que lhe estava sendo ministrado em doses cavalares. O analfabetismo funcional é, não raro, uma bênção. A minha experiência de Equipe ajudou. Eu me divertia caprichando na dialética em provas e discussões. Fui tão convincente que me sondaram sutilmente para entrar numa organização. A moça era descendente de suíços e pertencia à Convergência Socialista. Pus tudo a perder quando um pessoal do PCdoB entrou na classe para dar “informes”. Não resisti e perguntei quantas ovelhas haviam sido socializadas entre o valoroso proletariado da então comunista Albânia. (No tempo de Manuela D’Ávila bebê, o PCdoB era vidrado no Enver Hoxha e a Paris deles era Tirana. ) Tive de sair escoltado – os caras queriam me pegar lá fora. A moça descendente de suíços passou a me evitar, o que foi pena. Fiz apenas uma piada, mas dava para entender os ânimos exacerbados. Na PUC de São Paulo, a rapaziada de direita lançava mão da metodologia científica de explodir bancas de jornal que vendiam publicações de esquerda. Carlos Bolsonaro, aquele que usa boné com estampa de camuflagem, é um social-democrata perto dessa gente.

Hoje a esquerda não dá espaço para dissenso ou gozação nem no maternal. Combinou-se à Guarda Revolucionária do politicamente correto no banheiro misto da ideologia. E a coisa tende a piorar bastante depois que o PT foi saído do poder. Já que falei em banheiro e sou de extrema-direita, vou partir para uma comparação extrema: querem fazer com os cérebros em formação o que se fazia com os intestinos infantis na Alemanha Oriental. Lá, as criancinhas não eram comidas, mas condicionadas a ir ao banheiro na mesma hora, para poupar trabalho às tias da creche. Trata-se de condicionar cérebros para que não se deem ao trabalho de pensar. O mais perverso é que a doutrinação é apresentada como “estímulo ao pensamento crítico”. O seu exato oposto. Sim, Gramsci, hegemonia etc. Estudei no Equipe e na PUC, não se esqueça disso.

Iniciativas como o Projeto Escola sem Partido, em relação ao qual nutro desconfianças, procuram dar freio à doutrinação de esquerda, o presidente eleito diz que vai dar um jeito nisso aí, tem gente pedindo a alunos que dedurem ideólogos, mas sinceramente não creio que sejam caminhos (a ideologização só trocaria de lado) ou que haja solução. Como disse, tende até a piorar. Daqui a dez anos, a meninada vai aprender no colegial que Dilma Rousseff foi apeada por um golpe e Lula preso pelas elites que odeiam pobres. Os sindicatos de professores, inteiramente aparelhados, mandam e desmandam nas escolas e universidades públicas ou privadas. E são apoiados pelos sindicalistas de toga. Talvez alguma providência efetiva seja tomada no caso de malucos começarem a ensinar nazismo como se fosse o regime ideal para a humanidade. “Um professor poderia defender os ideais nazistas em sala?”, indagou-se o juiz Jean Vilbert, em artigo para o JOTA sobre as tensões ideológicas que se acumulam nas instituições de ensino entre professores e pais, alunos e professores e alunos e alunos. Pois é, se autonomia didática, liberdade de opinião, expressão e debate servem a prosélitos de Lênin, Trotsky e Stalin, por que não poderiam servir a prosélitos de Hitler, Goebbels e Goering? Ah, são coisas diferentes. Ah, não são, não. Ambos os totalitarismos foram triturados no lixo da história, depois de deixarem um rastro de destruição e dezenas de milhões de mortos. Só que um deles continua a assombrar neste cemitério das ideias erradas que é a América Latina.

Ensine os seus filhos a mentir na escola. A molecada precisa passar de ano.

 

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