Adriano Machado/CrusoéO ministro durante a entrevista: para ele, os artistas precisam buscar novas formas de se financiar

“Cultura não é de esquerda nem de direita”

Sérgio Sá Leitão, ministro da Cultura do governo Temer, critica a dependência atávica que a classe artística tem do estado brasileiro e, em tempos de manifestações inflamadas em palanques da campanha presidencial, diz que a esquerda tenta subjugar o setor
26.10.18

O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, é o outsider da Esplanada. Jornalista, não integra partidos políticos, não tinha qualquer ligação com Brasília antes de assumir o posto nem está enrolado em escândalos de corrupção como muitos de seus pares de governo. Tem mais: não se considera de esquerda, atributo comum a quem senta na cadeira que ocupa. Em seu currículo, aliás, estão serviços prestados a governos considerados de centro ou mesmo de direita, como o de Eduardo Paes na Prefeitura do Rio. Há pouco mais de um ano no cargo, o ministro dá de ombros para as críticas que sofre, potencializadas pela conhecida rejeição da classe artística ao presidente Michel Temer. Ao mesmo tempo que ignora os petardos, ele contra-ataca. Sem meias palavras, reprova a excessiva dependência que parte significativa dos artistas brasileiros tem do estado e, nestes tempos em que músicos e estrelas da TV se aboletam sobre o palanque do presidenciável petista Fernando Haddad, defende que o setor deveria cuidar para não se subordinar a partidos. A seguir, os principais trechos da entrevista de Sá Leitão a Crusoé.

Como o sr. enxerga a adesão de artistas à campanha de Fernando Haddad?
É um direito de cada um. Lamento apenas que o setor cultural não se posicione como setor, dialogando com todos os candidatos. O ideal seria formular e apresentar uma lista de propostas e pedir o compromisso dos candidatos com essa pauta, como fazem outros setores. Há no Brasil uma identificação da cultura com a esquerda. Mas é preciso dizer que há muitos artistas e profissionais do setor que não são de esquerda. Penso que o setor deveria ser mais pragmático e menos ideológico em seus posicionamentos. Deveria, sobretudo, construir pontes com todas as forças políticas.

O meio artístico brasileiro não sofre de dependência excessiva da Lei Rouanet?
A Lei Federal de Incentivo à Cultura é um importante mecanismo de estímulo a um setor que responde por 2,64% do PIB e mais de um milhão de empregos formais diretos. Trata-se de um vetor de desenvolvimento. Muitos problemas observados no passado foram resolvidos nos últimos dois anos. Hoje há muito mais transparência e controle. E menos burocracia. Não há qualquer tipo de influência política. Os museus privados, por exemplo, são independentes. Outros segmentos, não. Em todos os países civilizados do mundo há investimento do governo em cultura.

Como é, para alguém de fora da política partidária, integrar um governo como o atual, com todos os seus percalços?
Sigo até mais entusiasmado do que estava quando entrei justamente por enxergar e sentir no ministério um grande potencial de realização, mesmo nesse quadro adverso. Demos ênfase grande à melhoria da gestão. O Ministério da Cultura foi excessivamente politizado em gestões anteriores e isso foi muito ruim. Estava desestruturado e desorganizado, com pouca clareza em relação ao que fazer e como fazer — e com servidores desinteressados e desengajados. Fizemos um trabalho de organização e estruturação. Aquele passado de excessiva politização ficou para trás e demos perfil técnico à pasta.

As denúncias de corrupção que afetam o governo Temer não atrapalham?
Sim, o contexto é adverso por diversas razões. O governo de alguma forma foi perdendo aos poucos sua capacidade de empreender as reformas estruturais. Isso foi ficando cada vez mais difícil. Mas considero haver um legado. E espero deixar aqui (na Cultura) uma herança não só em matéria de gestão, mas em realizações.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Do ponto de vista da instrumentalização política, interessa que a cultura seja dependente do estado, porque, desse modo, o estado pode manipulá-la”
Sua área é muito identificada com a esquerda. Isso torna o trabalho mais difícil?
Há certa percepção por parte da esquerda, a meu ver equivocada, de que a cultura é propriedade dela. Eu discordo. Não acho que haja qualquer relação direta entre uma coisa e outra. Temos no mundo exemplos de governos de direita ou conservadores que realizaram ótimas políticas culturais. Acho que temos aqui no Brasil exemplos de segmentos culturais em que não há politização, não há essa questão ideológica presente e que funcionam bem. Estive em outras funções na administração pública, na área de cultura, sem ter um posicionamento político ideológico de esquerda. Meu foco sempre foi trabalho e resultado. Penso que a despolitização da gestão cultural é extremamente benéfica para o estado, para o setor cultural e para a política cultural. Toda vez que a cultura se submete à política, isso se dá em detrimento da cultura. A opção política partidária e ideológica é da alçada individual de cada um. Quando estamos falando da política cultural e da gestão pública, tem que tentar ao máximo deixar isso de lado.

O atual governo assumiu sob uma grita grande de artistas.
A esquerda faz mais barulho e em geral aparece mais. Conheço muitos artistas, produtores, gestores que não são de esquerda. A questão é que talvez façam menos barulho, apareçam menos ou se dediquem mais a suas atividades e negócios, a sua arte e criação, do que os que são de esquerda. É equivocada a ideia de que a cultura é monopólio da esquerda, e é algo que tem feito mal à cultura porque, na verdade, a cultura não é de esquerda nem de direita, é um espaço de criação.

Quais são os reflexos, na prática, desse mal a que o sr. se refere?
Muitas vezes a visão que a esquerda tem é de instrumentalização da cultura e da política cultural para que seus fins, e não os fins da cultura e dos artistas, possam ser alcançados. Essa visão é muito ruim. É, digamos, quase que incompatível com o que representa a ideia de cultura. Eu associo a ideia de cultura à palavra “liberdade”. E quando você fala em instrumentalização, você está falando de controle, de construção de uma finalidade não cultural.

Como reage às críticas que o ministério, sob o seu comando, passou a receber da classe artística?
Está na hora de o setor cultural brasileiro ter uma relação mais madura com o estado e com a política. O que tenho visto é que muitas vezes expoentes da cultura aderem por razões ideológicas a partidos e candidatos e perdem oportunidade de fortalecer seu setor. Deveriam dialogar com partidos e estado como a Febraban (federação que defende interesses dos bancos) faz, como os setores empresariais fazem, independentemente da preferência pessoal de cada um daqueles banqueiros, industriais e empresários. Eles negociam, apresentam propostas, fazem demandas em conjunto e com isso se tornam mais fortes. Muitas vezes essa adesão ideológica pode até parecer um gesto, uma coisa bonita, épica e tal, mas acaba sendo ruim para o setor cultural. Acho que está na hora de ele se entender como um dos principais ramos da economia brasileira, responsável por 2,64% do PIB e mais de um milhão de empregos diretos.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“A adesão ideológica pode até parecer um gesto, uma coisa bonita, épica e tal, mas acaba sendo ruim para o setor cultural”
As críticas não decorrem, em grande medida, do fato de os artistas ainda dependerem muito do estado?
A relação que se deu entre estado e cultura no Brasil ao longo dos anos infelizmente foi geradora de dependência porque talvez tenha interessado aos dois lados. Óbvio que, do ponto de vista da instrumentalização política, interessa que a cultura seja dependente do estado, porque, desse modo, o estado pode manipulá-la. E isso é visto como uma zona de conforto por algumas pessoas, na linha de “Tudo bem, estou ficando dependente, mas, enquanto estiver fluindo o dinheiro, estou tranquilo, não preciso ir à luta buscar outras fontes de patrocínio”. Trata-se de uma posição extremamente negativa para a cultura. Onde estive e trabalhei, sempre me preocupei em implementar uma política que não gerasse dependência. Nem sempre fui compreendido.

O sr. declarou nas redes sociais que o músico Roger Waters recebeu 90 milhões de reais para fazer campanha disfarçada. O que mais o incomodou na turnê do artista pelo Brasil?
Ele recebeu 90 milhões de reais e está no Brasil exatamente agora, no período entre o primeiro e o segundo turnos, fazendo campanha eleitoral pública e aproveitando as oito apresentações em estádios e as entrevistas contratadas para atacar um candidato específico e favorecer o outro. Chamou Bolsonaro de “corrupto” e “insano”. São fatos. É um cidadão britânico. Penso que não deveria intervir desse modo na eleição presidencial brasileira. Se o alvo fosse o Haddad, aposto que os petistas protestariam.

E os 90 milhões de reais?
Ele recebeu da empresa que o contratou para fazer os oito shows e as entrevistas, além da participação nas receitas. Sem Lei Rouanet.

O sr. trabalha para permanecer no cargo em um eventual governo Bolsonaro?
Sou um profissional do setor cultural e um entusiasta da cultura brasileira. Procurei dar ao ministério um perfil essencialmente técnico, focando em resultados. Meu único objetivo é contribuir para o crescimento da economia criativa brasileira. Sinto-me feliz e orgulhoso com o trabalho feito. Espero que haja continuidade, até porque há muito por fazer. Não tenho, a princípio, o desejo de permanecer. Mas quero ajudar. Torço para que o próximo governo dê certo e faça o país avançar em todas as áreas.

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