Adriano Machado/Crusoé

A punição que vem da urna

A Operação Lava Jato expôs crimes praticados pelos políticos, mas foi dos eleitores, e não da Justiça, que veio a maior punição para os investigados
12.10.18

Era julho e Eunício Oliveira estava a mil na campanha pela reeleição, quando teve de se submeter a um exílio forçado em seu apartamento de 3,6 milhões de dólares na orla de Miami, na Flórida. Como Michel Temer estava em viagem ao exterior, o presidente do Senado tinha também que sair do país porque, se ficasse e assumisse a cadeira de presidente da República, estaria inelegível. De volta, ele procurou recuperar o tempo perdido. Mas a ausência temporária não chegava a preocupá-lo. Além de pedir voto aos eleitores do Ceará, seu estado de origem, o confiante Eunício até já discutia com seus correligionários do MDB quem comandaria o Senado a partir do ano que vem – ele próprio pretendia seguir no posto de presidente e se preparava para disputá-lo com o colega Renan Calheiros.

O Senado, como dizia o ex-senador Darcy Ribeiro, é melhor que o céu. Mas Eunício chegou ao inferno que todo político teme em pouco menos de cem dias: ficou sem mandato. No meio do caminho, havia 1,3 milhão de eleitores cearenses que preferiram um empresário novato na política. O poderoso Eunício, dono de um patrimônio de 89 milhões de reais, perdeu por parcos 11.993 votos – ou incríveis 0,16% do total de válidos no Ceará. Ele é um dos maiores exemplos de um grupo de políticos que exibia influência em Brasília enquanto respondia a inquéritos da Lava Jato e, agora, viu seu poder ser reduzido a pó pelos eleitores. Enquanto o Supremo Tribunal Federal tocava em marcha lenta os processos envolvendo as excelências com foro privilegiado, o brasileiro precisou de apenas algumas horas para fazer na urna o que as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público não conseguiram ao longo de anos.

A limpa no Congresso é pluripartidária. Despontam os emedebistas Romero Jucá, líder de todos os governos desde Fernando Henrique Cardoso, e Roberto Requião, os petistas Lindbergh Farias e Dilma Rousseff, que não teve a solidariedade nem dos petistas de Minas, Marconi Perillo, o tucano que governou Goiás durante anos e chegou a ser preso, Valdir Raupp, que presidiu o MDB, e a senadora Vanessa Grazziotin, do PCdoB.

Agência SenadoRomero Jucá, o líder da ofensiva à Lava Jato, perdeu a eleição por 426 votos
De todos, o notório Jucá foi o que teve a noite mais longa depois de encerrada a votação. Em terceiro lugar na briga pelas duas vagas de Roraima, ele precisou aguardar até a última urna à espera de uma virada que não veio. O senador perdeu por apenas 426 votos. Assim como o colega Eunício, ele foi superado por um peixe pequeno na política: o deputado estadual Mecias de Jesus (sim, o nome dele é com “c”). Jucá, é sempre bom lembrar, foi o porta-voz de um plano que os poderosos de Brasília se mobilizaram para pôr em marcha, mas ninguém tinha coragem de verbalizar: foi da boca dele que saiu a de “estancar a sangria” da Lava Jato “com o Supremo, com tudo”. Jucá é que se viu estancado.

Outro emedebista poderoso que saiu derrotado foi José Sarney. Ele tomou uma goleada no Maranhão: a filha, Roseana, perdeu no primeiro turno a disputa para o governo e o filho, Zequinha, e o pupilo Edison Lobão fracassaram ao tentar o Senado. Na Bahia, mais um foi defenestrado: o dançante Lúcio Vieira Lima, que apesar de estar sob investigação e com o irmão Geddel preso na Papuda, fazia campanha sorridente em animados arrasta-pés pelo interior do estado. A dupla é apontada como dona dos 51 milhões de reais descobertos pela polícia em um apartamento em Salvador.

O recado das urnas também foi dado àqueles que fizeram campanha contra a Operação Lava Jato. Roberto Requião, do MDB do Paraná, ousou defender o lulismo e criticar a Polícia Federal na terra de Sergio Moro. Não se reelegeu, mesmo com duas vagas em jogo para o Senado. Wadih Damous, integrante do trio petista que tentou tirar Lula da cadeia em um plantão de domingo, também vai ficar fora do Congresso. Candidato pelo Rio de Janeiro, estado que teve um gigantesco esquema de corrupção implodido pela Justiça, ele acabou em 63º lugar na disputa para deputado federal.

Em Minas Gerais, a dupla Fernando Pimentel, governador candidato à reeleição, e Dilma Rousseff, postulante ao Senado, foi humilhada pelos eleitores. Pimentel nem foi para o segundo turno – acabou superado por um candidato pouco conhecido. Dilma acabou em quarto lugar. Você conhece o ex-deputado estadual Dinis Pinheiro, do partido Solidariedade? E o jornalista Carlos Viana, do nanico PHS? Não? Pois eles tiveram mais votos que a ex-presidente da República. O tucano Aécio Neves, gravado pedindo dinheiro ao empresário-delator Joesley Batista, acabou se elegendo, mas desta vez para deputado federal. Quase eleito presidente em 2014, ele temia não ter votos suficientes para se eleger senador e optou pelo pragmatismo: disputar a Câmara é sempre mais fácil. Mas achava que seria o candidato para o cargo mais votado de Minas e ficou em 19º lugar. Quem também adotou essa tática de mudar do Senado para a Câmara foi a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Senadora e ex-ministra, ela colocou “Gleisi Lula” na urna e agora será deputada.

CrusoéCrusoéLindbergh Farias (à esq,) posa com Haddad: de volta à planície
Um dos poucos que escaparam da degola foi Renan Calheiros, do MDB do Alagoas. E é a exceção que comprova a regra. Mesmo eleito, o caso dele mostra como a mensagem das urnas foi clara. De um lado, o eleitor alagoano reelegeu em primeiro turno o governador Renan Filho. Mas Renan pai só conseguiu o mandato porque neste ano havia uma segunda vaga em disputa para o Senado — e, mesmo assim, ficou só 4,9 pontos percentuais acima do terceiro colocado.

No Congresso, o índice de renovação foi acachapante. Na Câmara, serão 243 os deputados novatos, de primeiro mandato, de um total de 513 cadeiras. Quase a metade dos integrantes da atual legislatura foi derrotada ou nem sequer concorreu à reeleição. No Senado, nestas eleições havia 54 vagas em jogo que serão ocupadas por nada menos que 46 novatos. Incríveis 87% de renovação. Pode-se dizer que o resultado das urnas é inversamente proporcional ao desempenho do Supremo Tribunal Federal na punição de parlamentares enrolados em esquemas de corrupção. Em quatro anos de Lava Jato, foram abertos mais de 140 inquéritos contra deputados e senadores. De todos os casos, até hoje menos de 10% viraram processos e só dois parlamentares foram julgados: o deputado Nelson Meurer (PP-SC) foi condenado e Gleisi Hoffmann foi absolvida numa das ações a que responde. É muito pouco.

Outro recado do eleitor é que voto não é necessariamente herdado. Ter sobrenome conhecido já não é mais fator decisivo. Os notórios Eduardo Cunha, Jorge Picciani e Sérgio Cabral, todos presos, tiveram os filhos candidatos rejeitados, embora o MDB, o partido dos três, tenha despejado mais de 5 milhões de reais nas campanhas deles. Por último, mas não menos importante, o ex-presidente Lula, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, imaginava que esta eleição seria uma vitória plebiscitária sobre a sua prisão. Mas tudo indica que não conseguirá o sucesso que esperava com Fernando Haddad, escalado para substituí-lo na disputa pelo Planalto. A Lava Jato colocou graúdos da política a nu, a Justiça vem tardando para a maioria deles, mas a urna já puniu.

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