A guerra dos extremos

Jair Bolsonaro e Fernando Haddad vão se enfrentar no 2º turno. O radicalismo tende a recrudescer nas próximas três semanas. Saiba quais são as estratégias dos dois candidatos para chegar ao Planalto
07.10.18

Eram 20h48 deste 7 de outubro quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou que Jair Bolsonaro, do PSL, e Fernando Haddad, do PT, disputarão o segundo turno da eleição presidencial. Àquela altura, o capitão da reserva do Exército não mais conseguiria ultrapassar a metade dos votos válidos para liquidar a fatura ainda neste domingo. O próprio Bolsonaro, ao votar pela manhã no Rio de Janeiro, havia apostado que resolveria a corrida nas horas seguintes. Esbanjando confiança, ele até brincou com o assunto. “Dia 28 vamos à praia”, disse aos jornalistas, referindo-se à data marcada para a segunda etapa das eleições. Bolsonaro não alcançou a vitória em primeiro turno, mas esteve perto disso. Com 99% das urnas apuradas, ele tinha 49,2 milhões de votos, ou 46% do total, contra 31,1 milhões, ou 29%, de Fernando Haddad. O pedetista Ciro Gomes, o terceiro colocado, contava 13,3 milhões de votos (12%) e o tucano Geraldo Alckmin, parcos 5 milhões (pouco menos de 5%). Os demais não passaram de 3 milhões de votos. Marina Silva derreteu e acabou com 1% do total.

Para quem não contava com uma estrutura profissional de campanha, tinha apenas oito segundos na propaganda de TV e, em agosto, quando a corrida começou oficialmente, registrava nas pesquisas 22% das intenções de votos, o resultado de Jair Bolsonaro é acachapante. Agora começa a guerra do segundo turno, que se anuncia ainda mais cruenta do que foi a disputa do primeiro. Será um duelo de extremos, travado entre duas candidaturas antagônicas. Uma delas, movida pelo antipetismo e pelo discurso anti-sistema, com um programa econômico liberal e forte marca militar. Outra, catapultada pela nostalgia da bonança econômica e social dos anos de governo Lula, com um programa intervencionista nas instituições e na economia e cujo maior cabo eleitoral é o próprio ex-presidente, preso em Curitiba. Os próximos 21 dias prometem.

As campanhas já reveem suas estratégias para conquistar o eleitor que fez outras opções no primeiro turno. Bolsonaro vai invocar uma espécie de cruzada moral contra o PT. O próprio candidato já antecipou, nos últimos dias, o que deverá ser a tônica de seu discurso. “Não merecemos ser governados de dentro da cadeia ou por seus aliados políticos”, escreveu ele nas redes sociais. Para mostrar na prática que é avesso ao contaminado sistema político, Bolsonaro tende a evitar acordos com partidos para esta reta final da corrida. A ideia é manter a toada que se mostrou vantajosa até agora. Ele não quer que sua chapa seja contaminada por legendas que se envolveram em escândalos. Ainda que pretenda abrir mão do apoio formal de partidos, o candidato do PSL já sinalizou que aceitará adesões individuais, inclusive de lideranças das siglas que rejeita. Por exemplo, ele não topa aliança com o DEM, mas aceita ajuda de ACM Neto, prefeito de Salvador. Rechaça o PR de Valdemar Costa Neto, mas contará com cabos eleitorais do partido – no qual tem em Magno Malta, que perdeu a reeleição para o Senado pelo Espírito Santo, seu principal ponta de lança.

Outro desejo de Bolsonaro é colher dividendos com adesões setoriais, por meio das quais consegue atrair lideranças políticas – e votos – sem necessariamente se submeter às marcas negativas dos partidos que elas representam. Antes mesmo do primeiro turno, ele já havia atraído duas das mais poderosas frentes parlamentares do Congresso: a ruralista e a evangélica. A tendência é que o engajamento de políticos desses grupos seja ainda maior, já que disputas para o Congresso, por exemplo, estão resolvidas. “Agora os deputados já estarão reeleitos e estarão mais livres para sair pedindo votos. Faremos uma grande mobilização”, diz a deputada Tereza Cristina (DEM), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária. “Bolsonaro defende nossos princípios e utilizaremos todos os meios para ajudá-lo”, anuncia o deputado Paulo Freire (PR), expoente da Frente Parlamentar Evangélica.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro vai tentar neutralizar a campanha negativa que o PT fará contra ele. A ideia é, basicamente, dizer que não disse o que disse — ou que o que disse foi tirado de contexto. Isso vale principalmente para frases sobre negros, gays e mulheres. A internet continuará sendo o principal instrumento da campanha do ex-militar, a despeito de o horário eleitoral gratuito na televisão lhe reservar, a partir desta sexta-feira, os mesmos dez minutos diários que Fernando Haddad terá. Para preencher esse tempo, a campanha bolsonarista já contratou uma produtora de vídeo de Campinas que irá atuar em parceria com a agência fluminense AM4, do publicitário Marcos de Carvalho, que cuidou dos vídeos do candidato no primeiro turno. A orientação, também nesse caso, é não mudar radicalmente de estratégia. A começar pelo padrão dos vídeos: nada de grandes produções. Mesmo com mais tempo na TV, o principal foco estará na internet. O plano, por sinal, é replicar nas redes sociais os mesmos vídeos que irão ao ar na propaganda televisiva. O conteúdo será automaticamente distribuído pela campanha para os mais de 1.500 grupos de WhatsApp que apoiam Bolsonaro. Além de propagar os vídeos, esses grupos continuarão a produzir e disseminar suas próprias peças tanto na campanha pró-Bolsonaro quanto na campanha anti-Haddad.

Marcelo Camargo/Agência BrasilMarcelo Camargo/Agência BrasilFernando Haddad, o segundo colocado: ele tentará se descolar de petistas enrolados
Do lado do candidato petista, depois de passado o temor com a possibilidade de a eleição ser resolvida ainda neste domingo, já começaram os esforços para repetir o mesmo modelo que permitiu ao partido vencer as últimas quatro eleições presidenciais: buscar o eleitor de centro. Há a avaliação de que o teto da transferência de votos de Lula para Haddad se esgotou e que o candidato tem o perfil certo para atrair esse eleitor. É um professor universitário que cresceu no PT alheio à pesada máquina partidária. Ainda neste domingo, Haddad e a cúpula do partido começaram a buscar o apoio dos candidatos derrotados – inclusive do tucano Geraldo Alckmin. O problema a ser enfrentado de imediato está justamente na formatação do discurso petista. O partido se acostumou a vencer o PSDB em segundos turnos com uma receita pronta que, desta vez, encontrará obstáculos para se encaixar. Contra os tucanos, o “nós
contra eles” embutia a comparação de desempenho dos dois partidos à frente do Planalto. Contra Jair Bolsonaro, isso não é possível, já que o candidato do PSL nunca esteve no poder.

Restará acusar o ex-capitão de ser antidemocrático e defensor de ideias obtusas. Há no partido quem entenda que o melhor caminho é jogar tudo na desconstrução da imagem de Bolsonaro. Tanto no aspecto pessoal, com a exposição das polêmicas em que ele se envolveu, quanto no aspecto político, repisando justamente o discurso de que ele representaria ameaça à democracia. Se no primeiro turno havia dúvidas se seria mais eficiente tentar desconstruir Bolsonaro ou reiterar as peças de propaganda vinculando Lula a Haddad, os resultados das urnas trouxeram a resposta. Os números mostram que a transferência do ex-presidente teve um teto e que deixar Bolsonaro correr sozinho, sem atacá-lo frontalmente, quase levou o candidato do PT à derrota já neste domingo. Simultaneamente, a campanha petista tentará polir um pouco mais o discurso e afastar da campanha figuras conhecidas metidas em crimes e malfeitos (a presença da deputada eleita Gleisi Hoffmann ao lado de Haddad no discurso pós-resultado, neste domingo, indica que não será tarefa fácil).

Apesar de o candidato já ter uma viagem a Curitiba marcada para esta segunda-feira para encontrar o ex-presidente Lula na cadeia, os estrategistas petistas dizem que tentarão realçá-lo como um político com luz própria. Segundo uma fonte, haverá um esforço para fazer “Haddad ser mais Haddad e menos Lula” e ao mesmo tempo reforçar a imagem do presidenciável como um pai de família exemplar — casado há 30 anos, dois filhos e neto de um religioso (seu avô foi sacerdote da Igreja Ortodoxa). O objetivo, claro, é buscar o eleitor desiludido com os desmandos do PT, convencendo-o a dar um voto de confiança à legenda. Esse processo de polimento passa, ainda, por acenos ao mercado com a identificação mais clara de medidas que Haddad tomaria para combater o déficit fiscal.

É claro que, com os votos que amealhou no primeiro turno, Bolsonaro larga com vantagem. Seu desafio maior é garantir o apoio desses eleitores e buscar outros. Já Haddad terá de se desdobrar para reduzir a diferença. Pesa contra os finalistas da corrida presidencial o alto índice de rejeição de ambos. Considerando as cinco eleições presidenciais que tiveram segundo turno desde a redemocratização, a votação de Bolsonaro neste domingo foi a terceira maior. Fica atrás da de Lula em 2006, que chegou a 48,6%, e da de Dilma Rousseff em 2010, que obteve 46,9%. De saída, há expectativa de que eleitores que votaram em candidatos de direita ou centro-direita no primeiro turno migrem para Bolsonaro no segundo, enquanto os que optaram pela esquerda ou centro-esquerda caminhem com Haddad no dia 28. Mas a conta não é tão simples. A mais recente pesquisa de intenção de votos publicada por Crusoé, feita pelo Instituto Paraná, mostra que no segundo turno Bolsonaro seria a opção de 20,5% dos eleitores de Ciro Gomes, 43,8% dos de Geraldo Alckmin e 23,6% dos de Marina Silva. Haddad. por sua vez, receberia 61% dos votos de Ciro, 31,4% de Alckmin e 47,2% de Marina.

As eleições deste ano somam uma série de ineditismos: Lula proibido de se candidatar por estar condenado e enquadrado na Lei da Ficha Limpa, Bolsonaro esfaqueado, um candidato com um latifúndio na propaganda gratuita que não passou dos 5% dos votos. A reta final da disputa, colocando frente a frente o capitão da reserva e o petista que já vinham polarizando a disputa mais radicalizada da história brasileira, tende a realçar ainda mais esse rol.

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